Desde metade de 2021 os mais diversos bancos centrais vêm praticando políticas monetárias mais contracionistas com vistas a debelar a inflação que herdamos da pandemia. E qual é o problema com a alta de juros? Existe diferença entre juros altos ou baixos para qualquer política monetária? O intuito deste artigo é argumentar que altas de juros podem levar a um estresse financeiro — que pode ameaçar a estabilidade do sistema financeiro — em diferentes graus conforme o país. É nesse contexto que emerge a chamada ‘dominância financeira’, vista como uma situação em que o banco central interrompe a alta de juros pois acredita que a estabilidade do sistema financeiro está ameaçada, mesmo quando a inflação continua elevada.

O sistema de metas de inflação em qualquer país do mundo e os mandatos de autonomia do Fed, do Banco Central Europeu do Banco Central do Brasil não fazem menção à estabilidade do sistema financeiro. O Fed, o BCE ou o BC decidem subir juros por motivos macroeconômicos relacionados à crença de que juros mais altos terminam por debelar a inflação. Para os bancos, entretanto, há um descasamento muito relevante em suas carteiras e tal fato pode levar à falência de alguns deles.

Para entender como a alta de juros pode levar a um ‘debacle’ e eventual falência de alguns bancos comerciais, uso um exemplo. Aqui no Brasil muitos bancos deram crédito quando a Selic estava em 2%. Hoje em dia estes mesmos bancos estão captando até a 15%. Os tomadores de crédito a 2% estão ganhando e os bancos, perdendo. Do lado do passivo, os bancos estão pagando as taxas de mercado, 15%. Nesse sentido, as margens de lucro dos bancos estão sendo comprimidas.

A principal função da tesouraria dos bancos comerciais é evitar que haja tal compressão das margens. Em movimentos de altas antecipadas (ou certas) de juros, a tesouraria do banco poderia fazer um ‘hedge’ para proteger o ativo. Sem dúvida, isso mitigaria, ainda que parcialmente, a compressão de margens. Em tempos de crise (2008-2014, 2020-2021), o Fed e o BCE ofereceram refinanciamentos compensatórios, ou seja, concediam crédito subsidiado ao sistema financeiro para evitar estrangulamentos (e falências) bancárias. Em tempos normais, onde não há estresse no sistema financeiro, nenhum banco central oferece tal ‘subsídio’.

Não obstante, o ciclo de alta do Fed está próximo do fim. A razão não está ligada ao fato de a inflação ter retornado aos níveis pré-Covid (de 2%) e sim, e mais especificamente, ao fato da tal ‘dominância financeira’. Herança e memória de 2008? Talvez. Medo de o Fed ser considerado pela opinião pública relevante por um conjunto de falências bancárias? Sem dúvida. A velocidade da disseminação das informações financeiras hoje em dia é muito alta.

Os consumidores, o mercado financeiro e a opinião pública têm quase livre acesso a informações que outrora pertenciam a uma casta do mercado. E a autoridade monetária também consome a mesma informação. Ou seja, não existe métrica de tal ‘dominância financeira’. De fato, a medida existente dos testes de estresse do sistema financeiro americano revela um complexo bancário saudável com chances mínimas e irrelevantes de falência. E, mesmo assim, diversos bancos regionais quebraram.

Vivemos tempos interessantes. É possível que a maioria dos bancos centrais do mundo pare de subir juros não porque a luta contra a inflação foi vencida. A preocupação das autoridades monetárias é evitar mais falências bancárias e, sobretudo, que elas tenham sido causadas pela política monetária restritiva implementada pelas autoridades monetárias.

Os mandatos dos bancos centrais não têm como objetivo a preocupação com a estabilidade do sistema financeiro. O intuito de qualquer autoridade monetária é o de atingir uma inflação baixa, estável, afetando na menor medida possível o nível de emprego. Nos tempos atuais, passaremos a questionar os mandatos dos bancos centrais considerando que o final da alta de juros não será capaz de baixar a inflação, mas poderá estancar uma eventual/futura crise no sistema financeiro.

*Vitoria Saddi é PhD em Economia pela University of Southern California e estrategista da SM Futures. Foi economista-chefe do Roubini Global Economics, Citibank, Salomon Brothers e Queluz Asset, em Londres, Nova York e São Paulo. É colunista da DINHEIRO.