Foi com certo nível de ceticismo, mas esperando estar errada, que eu decidi na quarta-feira (16) contar quantas mulheres integravam a grandiosa equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Pois bem. Sob tutela de seu vice Geraldo Alckmin, são 285 pessoas que integram o batalhão que dominou o CCBB em Brasília e promete mudar o País. São 95 mulheres na equipe de transição. Pouco mais de 33% do total. Mas se eles querem representar o povo brasileiro, talvez não estejam falando do Brasil real. Não daquele reportado pelo censo, em que 51,8% são mulheres. Hoje, a maior parte da população está apta e disposta a transformar o mundo — e pode fazer isso de forma bastante eficiente.

E essa não é uma constatação leviana. As mulheres possuem, por sua construção histórica no atravessar do tempo, uma predisposição maior para lidar com adversidade. A cultura do machismo, os obstáculos sociais em todas as etapas da vida e até a recorrente antecipação da vida adulta tornam as mulheres mais empáticas e aptas a lidar com as adversidades. Essa é a conclusão do estudo Women, Nature and the Social Construction of ‘Economic Man’, de Mary Mellor, professora da University of Northumbria.

Mas tenho outros dados. De acordo com o Boston Consulting Group, a cada dólar de investimento levantado, as startups gerenciadas por mulheres geraram 78 centavos de receita, enquanto as masculinas criam 31 centavos. Dados da First Round Capital mostram que as empresas fundadas por mulheres tiveram um desempenho 63% melhor do que as fundadas exclusivamente por homens em 2020. Outra pesquisa, essa da Fundação Ewing Marion Kauffman, mostrou que na pandemia as equipes lideradas por mulheres geram um retorno de investimento 65% maior que a dos homens. Entre as empresas Fortune 500, as que tiveram pelo menos três mulheres no Conselho de Administração por ao menos cinco anos tiveram 84% mais retorno sobre as vendas (ROS), 60% mais retorno sobre o capital investido (ROIC) e 46% mais retorno sobre o patrimônio líquido (ROE) que as outras.

E, mesmo assim, na prática a teoria é outra. Um estudo da Crunchbase mostrou que os aportes em startups fundadas apenas por mulheres na América Latina passaram de US$ 14 milhões em 2019 para zero em 2020. O Female Founders Report 2021 apontou que só 0,04% do volume investido em startups em 2020 foi destinado às lideradas por mulheres.

O Mapa de Negócios de Impacto Socioambiental de 2021 mostrou que mulheres empreendedoras acessam menos programas de aceleração, recebem menos investimentos e seus negócios têm menos chance de atravessar o vale da morte, o período em que as companhias iniciantes ainda não ganharam tração. Entre as empresas fundadas apenas por mulheres ou que as têm como maioria no quadro societário, só 25% já captaram investimentos. Quando o recorte é masculino a taxa de acesso sobre para 55%. O Sebrae também revela que, no Brasil, além de o crédito ser mais escasso para mulheres ele também é mais caro (34,6% para mulheres ao ano versus 31,1% a.a. aos homens). Mesmo assim (pasmem!) a inadimplência feminina é menor (3,7% para mulheres e 4,2% entre homens).

E, diante de todos esses dados, como explicar a perpetuação da ideia de que mulheres são menos capazes que os homens na hora de empreender, de liderar ou de tomar as rédeas (seja de uma empresa ou de uma equipe de transição governamental)? A resposta é o que a filosofia chama de fenomenologia. A forma como a sociedade se acostumou a olhar para a mulher e induziu que as mulheres se olhassem ao passar dos séculos fez da barreira patriarcal, muitas vezes erguidas pelo machismo estrutural (aquele quando não há intenção de ofender), intransponível.

Reverter tudo isso, na visão da filósofa alemã Hannah Arendt, só será possível quando o Estado, em seu mais puro e pleno direito, passe a ser representado de forma equlibrada por homens e mulheres. Mas, mais do que isso, é preciso que o Poder Público se permita ser atravessado por um olhar feminino para que se desenvolvam visões novas e respostas diferentes para os mesmos problemas deste Brasil tão plural na vida real e tão igual em seu comando. E se há alguma dúvida da capacidade feminina, é só olhar para o seio do lar. Não importa se são donas de casa, mães, divorciadas, solteiras, casadas, viúvas, tias, irmãs. Empreender não é só abrir uma empresa. Empreender (na definição do Aurélio) é realizar uma tarefa difícil. É tentar um caminho arriscado. É fazer. É conquistar. É esperançar. E tudo é inerente à existência feminina, porque dependemos disso para resistir diariamente. Espero que o excelentíssimo senhor presidente eleito se lembre disso quando montar seu governo.

Paula Cristina é editora de Economia da DINHEIRO