19/12/2007 - 8:00
“No 11/9, percebi que a globalização só avançaria se fosse inclusiva e menos americana” Ataque às Torres Gêmeas, em Nova York, em 2001
“O consumo dos BRICs, puxado pela China, é a força que hoje move o PIB global” Compras num shopping de Xangai, na China
DINHEIRO ? O Brasil está despertando e, finalmente, a letra B da palavra BRICs parece se justificar. A que o sr. atribui o crescimento brasileiro?
JIM O?NEILL ? O Brasil está começando a colher os dividendos de vários anos de uma política de metas de inflação, associados a um quadro externo bem favorável, decorrente da sua posição como um dos maiores exportadores mundiais de commodities. Na prática, é como se o Brasil fosse um dos maiores beneficiários do extraordinário crescimento da China.
DINHEIRO ? Então a razão é mais externa do que interna?
O?NEILL ? Não propriamente. A estabilidade de preços que vocês estão testemunhando traz muitos ganhos. De um lado, as empresas se beneficiam pela expansão do consumo e o trabalhador ganha com o aumento dos investimentos. Isso não acontecia há três décadas e significa que o Brasil está, finalmente, se tornando um país normal.
DINHEIRO ? O que seria necessário fazer para alcançar os outros BRICs, que crescem mais rápido?
O?NEILL ? Eu penso que seria muito difícil para o Brasil alcançar taxas de crescimento semelhantes às dos outros três. A Índia e a China têm se beneficiado de um processo maciço de urbanização, que já aconteceu no Brasil muitos anos atrás. E a Rússia parece ser um país nascendo do zero, depois do colapso soviético. Portanto, taxas entre 8% e 10% são pouco realistas para o Brasil.
Mas algo entre 5% e 6% é alcançável, o que faria o Brasil ganhar posições nos nossos cenários sobre a evolução dos BRICs.
DINHEIRO ? Estamos no início de um longo ciclo de expansão?
O?NEILL ? Eu penso que o teste virá, não só para o Brasil mas para o mundo, quando a China começar a crescer menos de 10% ao ano. Enquanto isso não acontecer, é difícil imaginar uma desaceleração dos emergentes, especialmente aqueles favorecidos pela alta das commodities. De qualquer forma, o ciclo brasileiro será longo se o governo mantiver o regime de metas de inflação e se fizer mais para reduzir o gasto público. Com um Estado enxuto, é bem possível chegar a 6% ao ano.
DINHEIRO ? Mas o que pode ser feito para acelerar o crescimento? O?NEILL ? O Brasil tem problemas na educação e em infra-estrutura, que devem ser atacados. Mas nada é tão importante quanto o regime de metas de inflação. É isso que está fazendo com que vocês deixem de ser o país exótico dos últimos 35 anos para se transformar numa economia dinâmica.
DINHEIRO ? Não seria necessária uma nova agenda de reformas macro ou microeconômicas?
O?NEILL ? A política macroeconômica brasileira já é excelente e eu penso que o progresso deve vir do campo microeconômico, com ações para reduzir o peso do Estado na economia. São coisas mais fáceis de recomendar do que de implementar, eu reconheço, mas podem ser realizadas de forma mais suave em períodos de grande crescimento, como agora. De certa forma, é um argumento circular. O Brasil precisa de crescimento para viabilizar as reformas, mas são as reformas que viabilizarão o crescimento de longo prazo.
DINHEIRO ? Algo mais específico?
O?NEILL ? O mais importante é reduzir o grau direto de gastos do governo em setores ineficientes, seja na forma de incentivos, subsídios ou favores.
DINHEIRO ? Alguns analistas apontam que o real estaria supervalorizado. O sr. concorda?
O?NEILL ? Olhando pelo prisma de um critério convencional, o Brasil, de fato, tem uma moeda valorizada. No modelo que nós chamamos de ?equilíbrio dinâmico das taxas de câmbio reais?, o real está caro. Ocorre que esses modelos levam em conta a história, o passado. E os últimos 25 ou 30 anos brasileiros foram ligados à inflação, o que traz como conseqüência uma economia mais fraca e uma moeda também mais fraca. Agora, no entanto, as coisas são diferentes. O fato é que o Brasil terá mais facilidade para viver com uma moeda forte do que muitas pessoas imaginam.
DINHEIRO ? Quais seriam as conseqüências econômicas e sociais de uma moeda forte no Brasil?
O?NEILL ? Muito importantes. A moeda forte irá consolidar as conquistas da estabilidade e também reduzir expectativas inflacionárias futuras. Por outro lado, isso irá desestimular a produção industrial de produtos de baixo valor agregado, criando o risco de disputas com os sindicatos ligados à velha indústria. Mas muitos países que passam por isso não apenas sobreviveram como também melhoraram. No Reino Unido, a libra forte fez com que o país perdesse a sua velha indústria automotiva, mas o fato é que hoje a Inglaterra produz mais carros do que no passado. Apenas o faz com maior valor agregado.
DINHEIRO ? De que maneira devem se comportar os preços das commodities nos próximos anos?
O?NEILL ? Quando aplicamos ao setor de commodities uma análise semelhante à que fazemos com os BRICs, o que se percebe é que os preços continuarão elevados em função da demanda que seguirá muito alta até 2015. Isso é válido para o petróleo, mas também para produtos agrícolas e minerais. Depois, quando a China já tiver atingido uma certa riqueza, a demanda deve ceder.
DINHEIRO ? Que riscos o sr. enxerga para o Brasil?
O?NEILL ? Os maiores riscos são as pressões para o governo abandonar o real forte e a política de metas de inflação. O progresso da economia brasileira deriva essencialmente da inflação baixa e, se esse quadro mudasse, seria realmente uma decepção.
DINHEIRO ? O Brasil poderá se descolar da crise imobiliária americana? O?NEILL ? Já descolou. É evidente que, se os Estados Unidos entrarem em recessão, todo o mundo, de alguma forma, será afetado. Só que hoje a China é uma influência externa maior do que a economia americana.
DINHEIRO ? O crescimento do mercado interno dos emergentes então compensa o prejuízo?
O?NEILL ? Isso está claro. No ano de 2007, a contribuição dos quatro BRICs para o aumento do consumo mundial foi duas vezes maior do que a dos Estados Unidos, o que demonstra que o descolamento já ocorreu. Um risco muito maior do que o subprime americano seria uma freada na China.
DINHEIRO ? O sr. acha que o conceito de BRICs deve ser expandido, para incluir outros emergentes?
O?NEILL ? Nós estamos constantemente atualizando nossos estudos sobre os BRICs. Olhando para trás, talvez tivesse sido correto falar em ?BRIMC?, incluindo o México.
DINHEIRO ? Algum outro país merece ser incluído na lista?
O?NEILL ? Depois dos BRICs, fizemos um trabalho chamado ?N11 ? Next Eleven?, sobre os 11 emergentes mais relevantes, levando em conta a economia e a dinâmica populacional. Na verdade, só o México pode ser tão grande quanto os quatro BRICs, mas muitos investidores também já têm estratégias para os chamados N-11.
DINHEIRO ? De onde veio sua inspiração para a palavra BRICs?
O?NEILL ? Quando me tornei chefe de pesquisas da Goldman, eu buscava uma idéia para liderar o departamento. Depois, mais ou menos na mesma época, veio o 11 de setembro.
E isso me deu o insight de que a globalização só prosperaria se ocorresse de uma forma mais inclusiva, menos americana. E tudo começou em novembro de 2001, quando fiz um artigo dizendo que o mundo precisava de melhores BRICs.? [A palavra inglesa brick significa tijolo.]
DINHEIRO ? O sr. esperava um impacto tão grande com sua idéia? O?NEILL ? De maneira alguma. O conceito mudou a minha vida e também o mundo. A empresa onde eu trabalho, assim como muitas outras, passaram a traçar estratégias para os BRICs. E tudo isso tem sido divertido.
DINHEIRO ? O Brasil foi incluído na lista dos BRICs antes da posse de Lula. Seu governo foi uma surpresa?
O?NEILL ? Foi uma surpresa para o mercado como um todo e os assessores do presidente Lula merecem crédito por terem seguido políticas macroeconômicas sensatas e racionais.
DINHEIRO ? Que tipo de esquerda deve prevalecer na América Latina: a de Lula ou a de Hugo Chávez?
O?NEILL ? Essa é uma grande questão. Tudo dependerá dos resultados econômicos. Se o Brasil, que é o maior país latino-americano, continuar tendo tanto sucesso, o modelo de Lula deverá prevalecer, dando o rumo e o sabor para o continente. Ao menos, é o que eu espero que aconteça.
DINHEIRO ? Muitas empresas brasileiras estão comprando ativos no Exterior. É uma tendência ou só uma janela de oportunidade?
O?NEILL ? É uma nova tendência. Se você der uma olhada na lista das 500 maiores empresas do mundo, verá que os BRICs ainda estão pouco representados. Existem apenas 40 empresas dos quatro países, das quais vinte são chinesas. Ocorre que os BRICs têm hoje 15% do PIB global e, portanto, deveriam controlar 75 empresas na lista das 500. O Brasil, que tem hoje sete ou oito empresas na lista, já poderia ter umas dez. E essa participação deverá aumentar muito nos próximos anos.
DINHEIRO ? Ao falar dos BRICs, o sr. apenas antecipou um fenômeno ou também contribuiu para que ele ocorresse?
O?NEILL ? Às vezes, tenho a sensação de ser uma das causas, em função do número de convites que tenho recebido para falar e encontrar gente interessante ao redor do mundo. Mas, na verdade, apenas tivemos sorte no timing do nosso trabalho, que abordou uma mudança estrutural na economia mundial, que talvez seja a mais importante da nossa geração.
DINHEIRO ? Mas, depois do seu trabalho, vários investidores e empresários passaram a olhar mais atentamente para os BRICs.
O?NEILL ? É verdade. A preços de hoje, talvez não seja o caso de entrar nos BRICs, especialmente Índia e China, que já subiram muito. Brasil e Rússia hoje parecem ser mais promissores. Mas, olhando o longo prazo, esses quatro países são os que oferecem as maiores oportunidades no mundo.