A data exata ainda não está definida. No entanto, até o fim do mês de julho deverá estar fechado o maior negócio bancário desde 2008. Por um valor estimado entre R$ 8 bilhões e R$ 12 bilhões, deverá ser fechada a compra da subsidiária brasileira do HSBC. Será a primeira vez, desde janeiro de 2003, quando os espanhóis do BBVA venderam seu banco para o Bradesco, que uma instituição financeira internacional sai do varejo brasileiro. Os motivos da saída dos britânicos são bem conhecidos. Pressionados por margens apertadas, críticas de acionistas com relação à condução dos negócios globais e a necessidade de enxugar custos e se concentrarem nas atividades mais rentáveis, eles deverão finalizar de forma melancólica uma acidentada trajetória de 18 anos no Brasil.

Os candidatos mais fortes à compra são os gigantes nacionais Itaú Unibanco e Bradesco, mas o espanhol Santander também está no páreo. Outros pretendentes, como o BTG Pactual, ou alguma instituição financeira internacional interessada em aportar no Brasil, são considerados azarões, e sua vitória é bastante improvável. As transações estão ocorrendo no discreto universo dos banqueiros, onde só se conversa com o gravador desligado. No entanto, ao longo das últimas semanas, DINHEIRO apurou o que está em jogo nesse negócio. Começando pelo vendedor. Um velho ditado do mercado financeiro diz que só bancos com problemas são postos à venda, e o HSBC não é uma exceção.

Os britânicos vêm enfrentando dificuldades desde que chegaram ao Brasil. A primeira delas foi a de terem entrado no mercado em 1997, comprando o problemático Bamerindus, banco de origem paranaense que tinha graves problemas de crédito e de sistemas, e que acabara de sofrer uma intervenção do Banco Central (BC), no âmbito do Proer, o programa de saneamento dos bancos, após a queda da inflação. O preço foi simbólico: R$ 1,00. “Chegamos no escritório do Bamerindus para assumir as operações e encontramos cadeiras vazias e xícaras com café frio em cima das mesas”, diria, anos depois, o inglês Michael Geoghegan, primeiro presidente do HSBC por aqui.

“Parecia um cena de filme de guerra, em que as pessoas abandonam a cidade temendo o exército inimigo.” A segunda dificuldade foi a filosofia de trabalho do HSBC, acostumado a operar em mercados simples e com pouca concorrência. Geoghegan causou sensação com uma de suas primeiras declarações ao desembarcar. “Os juros cobrados pelos bancos no Brasil são muito altos e as filas são enormes, e nós chegamos para mudar isso”, disse ele. O banco tentou crescer rapidamente no mercado de pessoas físicas ao comprar dívidas de cartão de crédito de clientes endividados, oferecendo juros menores, em uma operação muito comum no exterior, conhecida como balance transfer.

Só conseguiu atrair os piores pagadores da concorrência e demorou algum tempo para reduzir a inadimplência. O executivo também condenou os títulos de capitalização. “Não vamos distribuir produtos que envolvem apostas em nossas agências”, disse ele. Ao analisar as margens de lucro, o HSBC retirou a propaganda dos títulos de capitalização de sua página na internet, mas manteve o produto nas prateleiras. Quatro anos após chegar, um Geoghegan bem mais humilde confessaria seu desconhecimento do mercado. “Eu imaginava que o esporte preferido dos brasileiros era o futebol, mas descobri que é processar o patrão.”

Paralelamente aos problemas enfrentados na gestão do negócio, o HSBC também foi vítima de uma estratégia excessivamente cautelosa. Britanicamente fleumático, ele limitou-se a observar um dos mais agressivos processos de consolidação bancária da história. Entre a quebra do Banco Econômico, em 1995, e a privatização do Banespa, no ano 2000, dois terços dos 30 dos principais bancos brasileiros quebraram, foram privatizados ou trocaram de dono. O maior negócio, porém, ocorreria anos depois, em 2008, quando a fusão entre Itaú e Unibanco criou um dos maiores bancos das Américas e o maior banco privado brasileiro – mas, ainda assim, abaixo do Banco do Brasil em ativos totais.

Nesse turbilhão de compras, o HSBC ficou quase parado – limitou-se a adquirir a filial brasileira do Lloyds Bank, em 2003 – e perdeu posições no ranking. Uma comparação simples mostra a profundidade desse processo: em dezembro de 1996, em seu último balanço publicado antes da venda, os ativos do Bamerindus representavam 43% do tamanho do Itaú. Dezoito anos depois, em dezembro de 2014, essa relação havia encolhido para 15%. Geoghegan deixou o posto em 2004 para assumir o cargo de Chief Operating Officer (COO), e foi sucedido por Emilson Alonso e, posteriormente, por André Brandão, que chefiava as áreas de atacado e de banco de investimentos.

PONTOS FORTES Apesar dos problemas, o HSBC tem alguns pontos fortes que interessam à concorrência. O banco tem 854 agências e pontos de venda e atende dez milhões de clientes. É uma rede modesta perto dos 2.640 do Santander, e mais ainda perto das 4.665 agências do Bradesco, mas está muito longe de ser irrelevante. Para compensar a pequena musculatura, o banco se concentrou em clientes mais rentáveis, como pessoas físicas de renda média e alta, com o serviço HSBC Premier, e pequenas e médias empresas. Um bom exemplo veio com a compra do Lloyds Bank.

Muito ativo no mercado corporativo, o banco vinha desenvolvendo um sistema que concedia rapidamente crédito para as pequenas e médias empresas que estivessem fazendo negócios com grandes clientes corporativos, e esse sistema foi integralmente absorvido pelo HSBC. Isso reforçou a atuação do HSBC nessa área, que recentemente voltou ao topo da agenda dos bancos. No dia 19 de maio, o Santander anunciou que estava ampliando em R$ 15 bilhões sua linha de crédito disponível para esses clientes. “As pequenas e médias empresas são um dos segmentos mais promissores do mercado”, disse, na ocasião, Jesús Zabalza, presidente do Santander.

A presença forte do HSBC nos Estados do Sul e do Centro-Oeste – herança da estratégia do ex-dono do Bamerindus, o fazendeiro José Eduardo de Andrade Vieira – também é interessante para o eventual comprador. Outro trunfo nas mãos dos ingleses é sua abrangência internacional. Stuart Gulliver, CEO global do banco, vem se esforçando nos últimos anos para fechar ou vender operações pequenas e deficitárias. Desde 2011, o HSBC já se retirou de 21 países, sendo que Brasil e Turquia serão os próximos. Na América Latina, ele saiu do varejo no Peru, na Colômbia, no Chile, na Costa Rica e em El Salvador. Mesmo assim, o banco ainda atua em 69 países, o que facilita a vida de quem precisa fazer negócios no exterior.

Os três candidatos mais fortes à compra do HSBC teriam motivações diferentes. Quem conhece o mercado avalia que as maiores sinergias com a compra seriam ganhas, pela ordem, por Santander, Bradesco e Itaú Unibanco. Os espanhóis são conhecidos por seu comportamento agressivo na hora de conquistar fatias de mercado. No ano 2000, eles surpreenderam a concorrência ao arrematar o estatal paulista Banespa com um único lance de US$ 7,5 bilhões, o triplo do preço mínimo. Oito anos mais tarde, assumiriam as operações brasileiras do ABN Amro, que havia comprado o Banco Real em 1998. Ao somar suas operações às do HSBC, o Santander se aproximaria do Bradesco em ativos totais e em depósitos, e conquistaria uma rede superior à da Caixa Econômica Federal.

Ao comentar o assunto em maio, Zabalza confirmou o interesse no banco inglês e disse que não haveria maiores dificuldades em fechar o negócio. “O HSBC tem menos de R$ 10 bilhões em patrimônio, o que é pouco em comparação com os nossos números”, disse ele. Pelas contas do mercado, o Santander poderá oferecer algo entre R$ 9 bilhões e R$ 10 bilhões pelo HSBC. Mas será que a poderosa presidente da matriz na Espanha, Ana Patricia Botín, sucessora do falecido banqueiro Emílio Botín, tem o mesmo apetite do pai? As motivações dos outros bancos são diferentes. Para Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco, a compra seria a última chance viável de se aproximar do arquirrival Itaú Unibanco.

Considerando-se os dados do Banco Central referentes a dezembro de 2014, a soma dos ativos de HSBC e Bradesco seria R$ 1,05 trilhão, muito perto dos R$ 1,12 trilhão do Itaú Unibanco. Além disso, sua rede de agências subiria de 4.665 pontos de venda – a maior entre os bancos privados – para 5.519, praticamente empatando com as 5.524 do Banco do Brasil. Segundo especulações de mercado, o bancão de Osasco teria oferecido R$ 10 bilhões pelo HSBC, na maior das propostas recebidas pelo intermediário do negócio, o banco de investimentos Goldman Sachs. À primeira vista, o Itaú Unibanco tem menos vantagens ao comprar o banco inglês.

Ele continuaria como o líder em depósitos totais e em patrimônio líquido entre os bancos privados, e, em ativos, permaneceria distante do Banco do Brasil. No entanto, o HSBC oferece dois atrativos para o banco comandado por Roberto Setubal. Um deles é a clientela com negócios internacionais, algo estratégico para o Itaú, que aufere cerca de 12% dos seus ganhos em operações fora do Brasil. O segundo é a capacidade de ampliar sua rede de 3.885 para 4.739 agências, superando a abrangência do Bradesco. Mesmo assim, a avaliação do mercado é de que o Itaú teria feito um lance de R$ 8 bilhões, no piso da faixa de avaliação calculada pelo Goldman Sachs. Agora, é esperar a abertura dos envelopes.

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Saiu barato

Escândalo do SwissLeaks acaba em multa de US$ 43 milhões. Clientes do HSBC, em Zurique, dormem tranquilos

A montanha acabou parindo um rato. Na quinta-feira 4, depois de quase quatro anos de idas e vindas, o Ministério Público de Genebra encerrou a investigação do private bank do HSBC na Suíça. Conhecido como Swissleaks, o vazamento de informações por Hervé Falciani, ex-funcionário do banco, redundou em uma multa de apenas 40 milhões de francos suíços (US$ 43 milhões). É uma enormidade para 99% dos mortais, mas dinheiro de pinga – ou de whisky – para o banco.

Em 2014, apenas o CEO Stuart Gulliver levou para casa US$ 11 milhões, em salário e em bônus. O private bank do HSBC na Suíça foi acusado de facilitar a vida de 100 mil clientes endinheirados. Entre eles, sonegadores de impostos e criminosos internacionais interessados em lavar dinheiro proveniente de tráfico de drogas e outras atividades ilícitas. O tamanho da malfeitoria foi estimado em US$ 100 bilhões. Não há dúvidas da culpa do banco.

Em 2012, parlamentares dos Estados Unidos haviam constatado que o HSBC tinha controles frouxos em seu private suíço e a instituição foi multada em US$ 1,9 bilhão. No caso suíço, todos os clientes (inclusive brasileiros) podem dormir tranqüilos. Para os culpados de sonegação e lavagem de dinheiro (nem todos o são), a decisão comprova, com precisão suíça, que o crime compensa.