12/11/2003 - 8:00
Pneu é o ganha-pão, mas está longe de ser o assunto preferido do empresário Luiz Norberto Pascoal. O dono da DPaschoal, a maior rede de serviços automotivos do País, gosta mesmo é de café. É capaz de ficar horas conversando sobre genética de sementes ou sobre o preço do grão arábica no mercado internacional. Tem sido assim desde que ele comprou a fazenda DaTerra, em Patrocínio (MG). Começou timidamente no início dos anos 90 e hoje é um dos nomes mais respeitados no setor cafeeiro. Não pelo volume de produção, mas pela qualidade de seus grãos. Pascoal se tornou fornecedor cativo da italiana Illy, uma das maiores indústrias do mundo, e de outras tantas marcas internacionais. Agora mesmo, acabou de atingir um nível de excelência inédito: o Sigma 4.5. Traduzindo: uma combinação de sistemas de gestão e produção capaz de garantir o padrão máximo de qualidade das sementes. Este sistema permite apenas que três em cada 2 mil grãos colhidos apresentem pequenos defeitos no processo final de seleção. Até hoje, os produtores internacionais que chegaram mais próximos a isso conseguiram a marca de 9 grãos defeituosos a cada 2 mil. ?Buscávamos esse recorde há anos?, diz o cafeicultor. Na prática, significa o seguinte: a DaTerra, a partir de agora, abre um campo imenso para exportações, agrega valor ao seu produto e muda a imagem desgastada do café brasileiro no exterior. ?Durante uma década não fizemos outra coisa senão investir na DaTerra. É hora de começar a lucrar?, diz Pascoal.
A busca pela qualidade começou a surgir no início dos anos 90 após a visita de Ernesto Illy, dono do grupo que leva o seu sobrenome. Ao chegar em Patrocínio para avaliar se Pascoal poderia ser um de seus fornecedores, o italiano elogiou a topografia da região, espantou-se com o potencial da fazenda, mas avisou: ?O seu método de produção é arcaico. Se quiser ter sucesso neste negócio é melhor investir em maquinário, mudar processos, conquistar certificados internacionais e buscar sempre o melhor café?. Dali em diante, Pascoal tomou aquilo como desafio. Sem compromisso de lucro no curto prazo. A DPaschoal garantiria essa parte.
O projeto de qualidade total foi montado em três linhas mestras: tecnologia, cuidados ambientais, política de incentivos aos empregados. Assim, o resultado viria, mais cedo ou mais tarde. ?A grande vantagem de Pascoal foi ter paciência para transformar seu café num produto premium?, diz Marcelo Vieira, presidente da Associação Brasileira de Cafés Especiais. Hoje, a DaTerra produz
58 mil sacas por ano, 40% destinadas à exportação. É uma pro-
dução considerável, se for levado em conta que seu café é plan-
tado em apenas uma propriedade. No geral, os cafeicultores do País são donos de várias fazendas. ?Vender commoditie é fácil. Difícil
é vender produtos de valor, cultivados com rígidos padrões ambientais?, diz Pascoal.
Dos 7,5 mil hectares de terra em Patrocínio, metade transformou-se em reserva natural. Na DaTerra não existe a palavra desperdício. Até a água que lava os tratores é purificada e reaproveitada na composição do adubo. Os tratoristas também têm sempre à mão uma pá, para recolher eventuais gotas de óleo que o veículo despeje no solo. ?Pode comprometer a qualidade do café?, explica Pascoal. O
óleo recolhido pelos funcionários é destinado a universidades para posterior reciclagem. Cascas de café, resíduos de árvores e outros insumos naturais são utilizados na fabricação de adubos orgânicos. A fazenda é diariamente monitorada por técnicos e agrônomos, fanáticos por qualidade e reaproveitamento de recursos naturais. Rezam a cartilha do dono, cuja palavra preferida, repetida à exaus-
tão, é sustentabilidade.
O apelo da responsabilidade social nos negócios do empresário não vem de agora. Nem é exclusividade da fazenda DaTerra. Na DPaschoal, rede de 183 lojas, os irmãos Luiz Norberto Pascoal e Paulo Sérgio conseguiram em uma década aumentar em 100% o faturamento da empresa, atingindo US$ 324 milhões no balanço de 2002. ?Nas nossas empresas, os donos agem como funcionário e cada funcionário trabalha como se fosse dono?, diz Pascoal. Não é mera retórica. O empresário costuma dizer que o grupo pertence a mil sócios. Boa parte das ações das companhias está nas mãos de funcionários. O empregado pode parcelar em cinco vezes o valor do lote de ações que comprou e já recebe dividendos no ato do contrato. ?Outro dia estava passando pela DPaschoal quando um ex-funcionário, que trabalhou 40 anos na rede, me parou e perguntou: ?Está cuidando do meu lucro, Pascoal?? A responsabilidade é grande?.