27/09/2006 - 7:00
Se há algo de que os mexicanos se orgulham são suas telenovelas. Mas agora a realidade política lhes reservou um dramalhão de desfecho imprevisível. Com a definição da vitória do conservador Felipe Calderón, o México voltou a presenciar cenas de confrontos internos. No sábado 16, o esquerdista Andrés Manuel López Obrador parou a capital. Da praça do Zócalo, no centro da cidade, declarou-se presidente legítimo e anunciou a formação de um gabinete de governo paralelo. Foi apenas mais um movimento que pôs em xeque a credibilidade econômica do país. Os protestos de Obrador, iniciados há dois meses, já tinham afugentado investidores externos e derrubado a cotação do peso mexicano. Mas foi o relatório do Banco Mundial, divulgado no dia seguinte à assembléia de esquerda promovida por Obrador, que sancionou a atual crise mexicana. Acompanhado de outro estudo, realizado pelo Fundo Monetário Internacional, o Bird classificou a instabilidade política como o maior retrocesso que o México experimentou nos últimos cinco anos ? numa escala que vai de 0 a 100, o quesito estabilidade ganhou nota 36. O voto de desconfiança foi seguido por críticas ao controle da corrupção (nota 44) e à fragilidade do Estado de Direito (nota 40). ?O grande problema do México é o nítido desperdício de oportunidades de crescimento?, analisa Agustín Carstens, subdiretor do FMI e provável ministro da Fazenda no governo Calderón.
Nos últimos anos, a economia mexicana avançou significativamente em alguns aspectos, mas não conseguiu reformar os seus alicerces. O país diminuiu a dívida externa, viu cair o risco-país para 100 pontos, atingiu o grau de investimento pelas agências de classificação de risco e reduziu a inflação para uma taxa em torno de 3% ao ano. Como conseqüência, a taxa de juros real de curto prazo se encontra em torno de 4% ao ano. Mas, diante da falta de consenso sobre prioridades no próximo governo e da divisão do Congresso ? o partido de Calderón terá menos de um terço do Legislativo ?, o México ainda parece incapaz de reformar a economia a fim de melhorar a produtividade e enfrentar a competição da China. A reforma tributária e a previdenciária não avançaram. O resultado é um crescimento morno, distante do padrão das economias emergentes: 0,8% em 2002, 1,4% em 2003, 4,2% em 2004 e 3% no ano passado. É um quadro similar ao brasileiro e não faltam comparações maliciosas. ?O caso do México ilustra, de forma clara, que a economia brasileira pode continuar crescendo pouco?, teoriza Ilan Goldfajn, ex-diretor do Banco Central. ?Não podemos minimizar a necessidade do ajuste nas contas públicas. Na ausência delas, a mexicanização da economia é um cenário muito provável.?
Para evitar um acirramento desse quadro, Calderón tem se debruçado com mais afinco na definição de seu gabinete e do programa de governo. O que mais preocupa Calderón é mesmo a economia. Seu principal desafio, na avaliação do economista Enrique de la Garza Toledo, da Universidade Autônoma do México, será a criação de postos de trabalho. A atual taxa de desemprego de 2,5% é irreal porque, diz Toledo, não há seguro-desemprego e até mesmo a informalidade é computada no cadastro geral. Parte da distorção pode ser explicada pelas remessas de dinheiro que os emigrantes mandam dos Estados Unidos. Oficialmente, o volume está em US$ 17 bilhões, mas dados não-oficiais indicam que esse número chega a mais de US$ 90 bilhões. ?É o item de maior valor na composição do PIB?, explica Toledo. É para diminuir essa dependência que se cobra de Calderón urgência na reforma trabalhista que poderá diminuir a evasão de mexicanos. A cobrança é feita publicamente por López Obrador que, na assembléia de esquerda, conclamou a população a tomar o poder no dia 20 de novembro, aniversário da Revolução Mexicana de 1910. Como se vê, a novela da política mexicana ainda está muito longe de uma solução.