09/08/2006 - 7:00
Joani Palmeira, 57 anos, tem uma pequena fábrica de gelo no bairro da Mooca, zona leste de São Paulo. Fazer gelo, diz ele, foi a saída para tentar se reerguer desde que seu grande negócio fez água no início deste século. Palmeira era o dono da San Remo, detentora da Drible, marca esportiva criada nos anos 50 e que fez grande sucesso no Brasil nas três décadas seguintes. Quem tem mais de 40 anos deve se lembrar principalmente das chuteiras, da bola Drible ? com a qual Pelé marcou seu milésimo gol ? e dos equipamentos de boxe. Pois a Drible não existe mais. ?Não existe porque a São Paulo Alpargatas matou minha empresa?, acusa Palmeira. ?Mas eles vão ter que pagar pelo estrago.? E pagar, nesse caso, significa indenizar Palmeira com R$ 480 milhões. É isso mesmo: quase meio bilhão de reais por quebra de contrato e danos à marca. É essa a quantia que o ex-dono da Drible foi reclamar na Justiça. Na terça-feira 10, advogados das duas partes se encontram em São Paulo para uma audiência de conciliação. Não houve acordo.
Para entender o milionário processo é preciso voltar no tempo ? mais precisamente em setembro 1999, quando a SP Alpargatas procurou a Drible para negociar uma parceria. ?Uma pesquisa feita pela própria SP Alpargatas mostrou, na época, que a marca Drible era lembrada por 90% das pessoas entrevistadas nas classes C, D e E?, conta Palmeira. Após nove meses de conversas, o martelo foi batido: um acordo de licenciamento, exclusivo, segundo o qual a SP Alpargatas se comprometia a resgatar a Drible, projetando a conquista de 5% do mercado em três anos. ?A Alpargatas tinha um parque industrial forte, por isso optamos por ela?, diz Palmeira. ?Eu tinha sete licenciados e rompi com todos eles, já que nosso novo parceiro exigia exclusividade.?
Por contrato, a SP Alpargatas teria que investir em divulgação e desenvolver 23 novas linhas com o selo Drible. Além disso, deveria submeter esses produtos ao teste de qualidade da San Remo. ?Mas ela fez apenas dois itens que nem passaram pela San Remo: um tênis de baixíssima qualidade e uma bola?, diz Erica Aoki, da Aoki Advogados Associados, que representa Palmeira. O ex-dono diz que perdeu a conta de quantas vezes foi à SP Alpargatas exigir uma explicação. Sem obter uma resposta convincente, ele iniciou a primeira ação judicial em 2002. As alegações eram quebra de contrato e lucro cessante. Palmeira exigia o que estava previsto no acordo em caso de inadimplência: multa de R$ 4 milhões. A ação ainda não foi julgada. Procurados, os executivos da SP Alpargatas não quiseram se pronunciar. Os advogados do escritório Pinheiro Neto, que representa a empresa, também silenciaram.
A partir de 2002, Palmeira começou a varrer o mercado em busca de um novo parceiro disposto a resgatar a Drible. Passou três anos nesse périplo, enquanto sua marca definhava na gaveta da Alpargatas. Ele ouvia de potenciais parceiros a mesma explicação: a Drible estava morta e para ressuscitá-la seria preciso muito dinheiro e uma boa dose de sorte. Surge aí o segundo processo: R$ 480 milhões por danos à marca. O pessoal da Alpargatas gargalhou. De onde Palmeira e sua advogada tiraram tamanha fortuna, quase três vezes o lucro líquido da empresa? ?De uma cláusula que a própria Alpargatas exigiu que fosse colocada no contrato com a Drible?, afirma Erica. ?Esta cláusula dizia que se a Drible vendesse sua marca a terceiros durante a vigência do contrato teria que pagar R$ 480 milhões. A partir daí, a SP Alpargatas definiu o valor da marca.? O escritório Pinheiro Neto está tentando a todo custo derrubar a tese de Erica e descaracterizar o valor. Não por acaso ofereceu R$ 1 milhão na última terça-feira durante a audiência de conciliação. Desta vez, foi Erica quem gargalhou.
Ninguém sabe dizer ao certo o que fez a Alpargatas engavetar a Drible. Comprou para matá-la e abrir espaço para a Topper? Pouco provável ? a Drible não tinha todo esse poder no segmento popular para barrar o avanço de outras marcas. A Alpargatas, segundo Palmeira, teria argumentado que, após alguns meses de testes, viu que a Drible não tinha aceitação no mercado. Mas e a pesquisa feita em 1999? Seja qual for o motivo, o fato é que a ação pode se estender por mais dez anos. ?Não tem problema. Espero o quanto for preciso?, diz Palmeira. ?A Drible não vai acabar assim.?