Demorou, mas o governo começou a agir. Depois de explicar que “quebra de sigilo fiscal sempre houve”, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, lembrou-se de um detalhe: desta vez, é ele quem segura a caneta e senta na cadeira de ministro. E é ele, portanto, quem tem o poder e o dever de acabar com a prática criminosa de acesso a dados obtidos em arquivos sigilosos da Receita Federal. Esperava-se mais da Receita Federal brasileira, que nos últimos anos desenvolveu sofisticadas ferramentas para cruzar dados de renda, despesas, abatimentos e aquisição de patrimônio. 

 

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No mínimo, que ela também tivesse sofisticado os meios de proteger os dados tão valiosos para aumentar sua arrecadação. Não importa se o acesso indevido ocorre para fins políticos, eleitoreiros, ou, como tentou justificar o governo, são apenas “criminosos comuns”, dispostos a vender as informações para quem pagar. A obrigação do governo é proteger seu banco de dados, não tentar adivinhar o que o criminoso fará com elas.

 

Na semana passada, finalmente, a Receita anunciou as medidas que vai tomar nos próximos meses para aperfeiçoar a segurança dos dados. No pacote de medidas, algumas são inócuas, como a punição ao funcionário que não cuida da sua senha de acesso ao sistema. 

 

Medidas deste tipo já estão previstas na legislação, só falta serem colocadas em prática. Outra permite que o cidadão bloqueie o acesso pessoal aos seus dados, o que só seria permitido através da certificação digital.

 

Uma delas, muito simples, chegou a ser sugerida pela candidata Marina Silva num debate na tevê: que o dono dos dados receba uma notificação, por e-mail ou celular, cada vez que houver um acesso suspeito à sua ficha. 

 

Procedimento que já é adotado por vários bancos. Sempre que o cliente faz uma compra com cartão, recebe um torpedo comunicando. Também já é antigo o monitoramento das empresas de cartões de crédito sobre movimentações suspeitas. Ou seja, nada de inventar a roda. 

 

O problema é que, segundo o ministro, esse tratamento especial será dado somente a um grupo de contribuintes, que ele chamou de “pessoas politicamente expostas”. Ou seja, embora a lei seja igual para todos, os funcionários da Receita é que vão decidir quem pode e quem não pode ter o sigilo violado.

 

Os contribuintes de segunda classe, os que são “apenas” cidadãos, sem vinculação política, continuarão expostos a ter seus dados circulando em blogs ou em dossiês, preparados com antecedência para serem usados conforme for conveniente. Ou simplesmente vendidos em CDs, como os que a polícia apreendeu recentemente no centro de São Paulo, que por R$ 1 mil poderiam cair nas mãos de fraudadores, sequestradores ou outros criminosos. 

 

“Criminosos comuns”, como diria o ministro, sem motivação política. E caminha nesta direção o desfecho da investigação que está sendo conduzida pela Polícia Federal sobre a quebra de sigilo na agência de Mauá, que envolveu 140 pessoas e entre elas a filha de José Serra, Verônica Serra. 

 

A investigação interna já concluiu que não se trata de crime político. Então tudo bem. Não tem nada a ver com a candidata do governo. Numa reunião ministerial, alguém sugeriu mandar uma cartinha pedindo desculpas às vítimas da violação. O presidente Lula adorou.