06/10/2020 - 8:56
Dezenove anos depois de os Estados Unidos lançarem ataques aéreos contra o regime talibã no Afeganistão e iniciarem o que se tornaria a guerra mais longa de sua história, os insurgentes estão mais fortes do que nunca.
A invasão de 7 de outubro de 2001 derrubou rapidamente os talibãs, que abrigavam a Al-Qaeda – o grupo por trás dos ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, nos quais quase 3.000 pessoas morreram.
Duas décadas após o colapso de seu brutal regime islâmico, os talibãs pressionam por um retorno ao poder, após assinarem um acordo histórico com Washington, em fevereiro passado, sobre a retirada das tropas americanas. Também se encontram no meio de negociações de paz com o governo afegão.
Na população, muitos temem, porém, a chegada de uma nova era de influência dos talibãs e duvidam de que tenham mudado desde os tempos sombrios de seu regime, quando mataram mulheres acusadas de adultério, atacaram grupos religiosos minoritários e proibiram as meninas de irem à escola.
“Lembro-me do regime talibã como um pesadelo. Tememos pelo nosso futuro e pelo futuro da minha filha”, disse Katayun Ahmadi, uma mãe de 26 anos que mora em Cabul.
Ela se lembra de ter visto mãos e dedos decepados nas ruas de Cabul para punir delitos menores, seguindo a interpretação estrita da lei islâmica por parte dos talibãs.
A invasão de 2001 permitiu algumas melhorias para os jovens afegãos, especialmente as meninas, e permitiu uma Constituição que garantisse certas liberdades, incluindo o direito à educação.
Até agora, no entanto, nas negociações de paz de Doha iniciadas no mês passado, os talibãs disseram quase nada sobre questões como direitos das mulheres, ou liberdade de expressão.
– Um acordo “entre afegãos” –
O marido de Ahmadi, Farzad Farnood, de 35 anos, pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos do Afeganistão, diz que o aumento da violência dos talibãs desde que assinaram um acordo com Washington mostra que eles não mudaram.
“Isso é dar esperança aos afegãos? Não, não é”, diz ele.
Quando adolescente, ele testemunhou os talibãs apedrejando uma mulher e presenciou execuções públicas e açoitamentos no estádio de futebol de Cabul. Sua família também teve de esconder a antena de sua televisão em preto e branco em uma árvore quando os talibãs proibiram a música e o entretenimento no país.
“Todas as conquistas que tivemos nos últimos 18 anos não existiam na era talibã”, insiste.
Em um comunicado divulgado nesta terça-feira (6), os talibãs afirmaram que, em 2001, os Estados Unidos “rejeitaram arrogantemente” seus pedidos de negociação e decidiram lançar uma “invasão brutal”.
“Os Estados Unidos, seus aliados e coalizões teriam se livrado da infâmia e dos crimes de guerra, assim como de grandes perdas humanas e materiais”, acrescentaram, garantindo que esperam poder criar um “governo islâmico soberano”.
Zia-ul-Rahman, um ex-insurgente que lutou contra tropas estrangeiras e forças do governo afegão por quatro anos, disse à AFP que os talibãs pressionam para “estabelecer um sistema islâmico”, embora a Constituição do país já dê primazia à religião.
“Não temos nenhum problema com que as meninas tenham uma educação, ou que as mulheres trabalhem, mas elas têm que usar um hijab [véu islâmico]”, acrescentou.
O envolvimento dos Estados Unidos no Afeganistão custou a Washington mais de US$ 1 trilhão e a morte de cerca de 2.400 soldados, em uma guerra que o Pentágono diz estar em ponto morto.
Em Doha, os talibãs e o governo afegão tentam encontrar um código comum antes de poder lidar com os temas da agenda de negociação – algo que pode levar anos.
Alguns legisladores americanos disseram que vão se opor a qualquer acordo que não proteja mulheres e minorias. Já o governo do presidente Donald Trump indicou que não quer se envolver em questões que devem ser acordadas “entre afegãos”.
Em Cabul, Jawed Rahmani, um homem de 38 anos que trabalha na área de segurança, acredita que a retirada dos Estados Unidos levará, inevitavelmente, à conquista do Afeganistão por parte dos talibãs.
“Não se trata de negociações de paz, mas de um acordo para entregar o próximo governo aos talibãs”, advertiu.
“As pessoas estão mais felizes com o que temos agora, em comparação com a era das trevas dos talibãs”, completou.