03/04/2002 - 7:00
Lembra da DuPont que inventou o nylon e patenteou a lycra? Pois bem, a multinacional baseada em Wilmington, Delaware (Estados Unidos), está abrindo mão dos dois produtos que fizeram sua fama internacional. Elas serão o principal ativo de uma nova companhia, criada pelo presidente mundial da DuPont, Charles Holliday, em uma decisão que sacudiu a gigante da área química. Às vésperas de comemorar os 200 anos da corporação, Holliday decidiu dividi-la em duas. A área têxtil caminhará sozinha sob a sigla DuPont Têxteis e Interiores. Os demais negócios permanecerão sob a antiga denominação, mas serão, cada vez mais, direcionados a fazer da bicentenária senhora uma companhia de respeito em uma área de futuro: a biotecnologia. E não é só. A Dupont Têxtil, que deverá sair do papel em 1º de janeiro de 2003, vai abrigar todos os produtos e marcas têxteis da gigante norte-americana ? traduzindo: fibras de nylon, poliéster e lycra. Nasce com 22 mil funcionários, presença em 50 países e um faturamento de US$ 6,5 bilhões (um quarto das vendas mundiais do grupo). Surge, assim, como a maior empresa têxtil do planeta. O que agitou os mercados, no entanto, não foi a criação da subsidiária, mas seus possíveis desdobramentos. O anúncio oficial advertia que, em 2003, a nova companhia deve debutar nas bolsas de valores. Bastou para que analistas dessem o veredicto final: a DuPont Têxtil deverá ser totalmente ou parcialmente vendida. O presidente financeiro da DuPont, Gary Pfeiffer, admite: a empresa está aberta a negociações. O banco de investimentos Morgan Stanley foi contratado para coordenar a divisão do grupo.
A mudança é parte de uma reestruturação mundial da DuPont, que faturou US$ 27,7 bilhões em 2001 ? uma queda de 3% em relação a 2000. Depois de anos tentando se posicionar como a última gigante química do mundo, a DuPont resolveu rearranjar seus negócios. A companhia passará a administrar suas operações em cinco plataformas de crescimento: Tecnologias, Materiais de Performance, Cor e Revestimento, Segurança e Proteção e Agricultura e Nutrição. ?Uma companhia só consegue sucesso
ao se reinventar continuamente. Estamos fazendo isso?, garantiu Holliday. A guinada radical da DuPont segue o movimento das rivais Hoescht e Rhouné Poulenc (Rhodia). Em 1997 e 1998, respectivamente, elas separaram as ditas ciências da vida (agricultura, farmacêutica, etc.) da área química. O setor têxtil virou coisa mais que secundária. ?O têxtil é commodity. Um mercado muito pequeno em relação ao futuro visualizado pelas empresas?, afirma à DINHEIRO Sergei Vasntsov, analista do Lehman Brothers, de Nova York. ?Mas a atividade têxtil ainda é a vaca leiteira. Dá dinheiro para aplicar nas novas áreas.? Na DuPont, a medida visa a reverter a depreciação pela qual a companhia passou. O presidente mundial anunciou que pretende tornar a corporação mais lucrativa, aumentando em 6% as vendas globais. ?Na América do Sul, temos o compromisso de duplicar este percentual?, garante Henrique Ubrig, que acumula a presidência da DuPont América do Sul e Brasil. E admite: ?É um imenso desafio, mas temos à frente um mercado emergente com potencial de crescimento.?
Para fazer o milagre da multiplicação, Ubrig não descarta sair às compras. ?Estamos em negociação com empresas que podem se juntar à família DuPont?, afirma. Ele não revela detalhes de quais companhias estariam na mira. Mas dá alguns indícios: a DuPont tem interesses no mercado agrícola. O recado já havia sido dado pelo presidente mundial da corporação, em outubro de 1999. Em uma entrevista à DINHEIRO, Holliday dizia que a DuPont entrava definitivamente na área de biotecnologia. ?A previsão é de que este novo setor responda por 30% dos negócios da DuPont em 2010?, afirmara. Sob o termo biotecnologia cabe uma infinidade de negócios: do simples enriquecimento protéico de alimentos à alteração genética de sementes. O Brasil tem papel fundamental neste processo. ?Hoje, o País produz 100 milhões de toneladas de grãos. Com a liberação das sementes transgênicas, podemos duplicar este total?, conta Ubrig. A DuPont espera ansiosamente pela aprovação da proposta de liberação dos transgênicos que tramita na Câmara dos Deputados, em Brasília.
Fim da pólvora. Não se via nada tão radical desde que a DuPont, que foi fundada pelo francês Eleuthère Irénée du Pont para fabricar pólvora, abandonou o tal composto químico. A reestruturação começou há um ano. Pressionada por investidores ? que insistiam no fato de que a fabricação de têxteis traziam margens de lucro ínfimas ?, a corporação destacou um grupo de executivos para analisar seu portfólio. Foi essa equipe que definiu as áreas estratégicas. Com as plataformas, garantem, há mais facilidade de entregar os resultados. ?A DuPont está atrasada?, disse à DINHEIRO John Moten, analista do Deutsche Bank, em Nova York. ?É preciso encolher para voltar a crescer.? A notícia de reestruturação animou os mercados. No mesmo dia, as ações da DuPont subiram 4,3% atingindo US$ 44,56.
Richard Goodmanson, o segundo homem da DuPont, é quem assume a subsidiária. Sua batalha será árdua. Criado pela companhia em 1938, o nylon não é mais o mesmo. Com a crescente competição de fibras baratas, principalmente vindas da China, o mercado despencou. A lycra também sofre do mesmo mal. Isso fez com que, em 2001, as vendas de nylon DuPont caíssem 14% (para US$ 2,7 bilhões) e as de poliéster recuassem 17% (para US$ 1,9 bilhão). No Brasil, o quadro não é diferente. Dados da Associação Brasileira dos Fabricantes de Fios Artificiais e Sintéticos (Abrafas) mostram uma retração de 8,5% nas vendas de fibras manufaturadas no País em 2001. A Fibra DuPont ? uma associação da empresa norte-americana com o Grupo Vicunha ? vem sofrendo os ataques da concorrência. ?A joint-venture teve prejuízos de US$ 50 milhões em 2000 e de US$ 25 milhões em 2001?, garante uma fonte ligada às empresas. ?Não ficaria surpreso se essa empresa fosse vendida.? Apesar do prejuízo, há de se levar em conta a injeção de recursos que a DuPont faz no País. A companhia inaugura, em agosto, sua nova unidade de lycra, em Paulínea (SP). Com isso, completa um parque industrial de quatro unidades próprias e três em parceria. ?Investimos US$ 200 milhões no projeto?, afirma Rubens Approbato Machado Júnior, presidente da DuPont Têxtil do Brasil.
A contar pela história, a nova subsidiária tem destino definido. A companhia já fez decisões consideradas insanas ao mercado. Em 1998, vendeu seu braço petroleiro, Conoco. O processo foi semelhante: primeiro, foi listada na Bolsa de Nova York. Um ano depois, foi vendida por US$ 21 bilhões. Foi uma decisão corajosa. Com a Conoco, a DuPont exibia faturamento de US$ 46 bilhões. Sem ela, as receitas caíam para a metade. Com a palavra o presidente mundial: ?Tínhamos de fazer uma escolha. Optamos pela biotecnologia.? Com a área têxtil, quem duvida que a escolha não possa ser também corajosa?