23/11/2005 - 8:00
O fato de a AMD ter superado a Intel na venda de microprocessadores no varejo americano, em outubro, poderia ser classificado apenas como um evento esporádico. Mas não é. Recebida com grande estardalhaço no mercado de tecnologia, a ultrapassagem significa um marco em pelo menos dois sentidos. Primeiro, assinala o momento em que a Intel, finalmente, deixou de ser absoluta no mercado de microprocessadores. É como se a Microsoft, em um dado mês, vendesse menos sistemas operacionais do que os produtores de Linux. Segundo, reflete um plano estrategicamente bem montado, que começou a ser desenhado há cerca de cinco anos e que tem causado profundas transformações nesse mercado. A AMD deu seu pulo do gato investindo exatamente no que interessa às empresas dessa área: tecnologia mais avançada. ?Ao invés de reformar nossos processadores, refizemos a arquitetura do zero?, explica José Antonio Scodiero, vice-presidente para a América Latina. ?Nossa concorrência tem apenas reformado um produto que está há 20 anos no mercado. Não consegue oferecer a mesma eficiência?.
A visão de Scodiero é compartilhada por diversos analistas do mercado financeiro e de tecnologia. Eles dizem que a maré começou a virar em abril de 2003, quando a AMD lançou pioneiramente os processadores de 64 bits. A empresa direcionou-os, em primeiro lugar, para o mercado de servidores, abrindo um segmento em que não atuava e cuja rentabilidade é altíssima. Além de aumentar a velocidade de processamento das informações em pelo menos 70%, o produto custava menos e consumia menos eletricidade, reduzindo o aquecimento dos computadores. A resposta da clientela foi imediata: IBM, Sun e HP adotaram a novidade. Em setembro de 2003, a empresa lançou o processador de 64 bits para computadores de mesa e laptops, e continuou a avançar. Em 2004, finalmente, a Intel reagiu. Mudou sua estratégia tecnológica e, em vez dos processadores de 32 bits, adotou o modelo da AMD. Só que sua rival já tinha dado um passo a mais, lançando os modelos Dual Core, com dois núcleos em um só processador. A Intel mudou novamente, para não ficar para trás.
É evidente que a diferença de mercado continua gigantesca a favor da Intel, empresa enorme e espetacular que inventou os microprocessadores em 1971. Sob o comando do mexicano Hector Ruiz, que tem duas guitarras em seu escritório para espantar o stress, a AMD faturou no ano passado US$ 5 bilhões. O valor equivale a menos de 15% dos US$ 34 bilhões vendidos pela Intel no período. Quatro em cada cinco PCs do mundo usam processadores Intel, que também detém 70% do mercado americano graças às parcerias de exclusividade com grandes fabricantes de computadores. ?A Intel lidera no mercado americano não por escolha do consumidor, mas porque grandes fabricantes como Dell, Toshiba e Sony ainda não têm a AMD como uma opção?, diz Matt Sargent, diretor de pesquisas da consultoria Current Analysis. ?A situação, no entanto, pode mudar.? Ele acredita que um dos grandes testes para a liderança da AMD será a Sexta-Feira Negra, dia das grandes liquidações nos EUA, logo depois do feriado de Ação de Graças. Espera-se que a Intel ofereça notebooks a US$ 399 e liquide qualquer concorrência.
No Brasil, a AMD já é uma opção consistente para o consumidor. A empresa tem 40,5% de participação no mercado oficial do País, segundo o IDC. Se for contabilizado o mercado cinza, dos computadores sem marca, o percentual tende a aumentar. Uma das estratégias locais da empresa foi avançar agressivamente nas licitações públicas ? mostrando aos órgãos do governo que havia opções além da Intel e entrando na Justiça contra pregões dirigidos. ?Em 95% dos casos conseguimos alterar as especificações exigidas nas licitações e em 70% deles vencemos as concorrências?, diz Scodiero. Uma dessas licitações foi para fornecer os processadores de um pólo de tecnologia que será formado na Universidade de São Paulo. Outra área de atuação fortíssima da AMD no Brasil são os computadores populares. A empresa está produzindo sua versão barata para os PCs populares, o PIC, em Santa Rita do Sapucaí (MG). Eles custarão R$ 850 para o consumidor final. A AMD é fornecedora de processadores do programa One Laptop per Child (OLPC), que pretende vender 50 milhões de computadores a crianças dos países em desenvolvimento, a US$ 100 cada.