entrev_02.jpg

“Só a CSN, de Steinbruch, vai pagar R$ 150 milhões a mais em tributos”

 

 

entrev_03.jpg

?Com tanta taxa, estamos menos competitivos. Vai ser difícil vender mais no exterior?

 

 

DINHEIRO ? Por que as montadoras, em apenas dois meses de 2004, reajustaram mais suas tabelas que em todo o ano passado?
ANTONIO MACIEL NETO ? No final do ano passado, quando preparamos os orçamentos, nossa percepção era de que a economia começaria 2004 aquecida, crescendo. Por isso, elevamos bem as nossas projeções, tanto de mercado quanto de faturamento. Ao invés de vender mais, como imaginávamos, tivemos uma pressão monumental de custos em janeiro e fevereiro. Também tivemos aumentos de impostos fortes nesse período. Veja em que situação estamos: ainda não repassamos esses aumentos de custos para os preços, mas mesmo assim já reajustamos nossas tabelas nesses dois meses mais do que fizemos o ano passado inteiro.

DINHEIRO ? Qual foi o aumento de custos?
MACIEL ? O aço, por exemplo, teve um aumento completamente inesperado de 15%, depois de já ter dado 60% nos últimos 18 meses. Então, foram 75% de reajustes em um dos principais insumos.

DINHEIRO ? As siderúrgicas alegam que esse reajuste não decorre de um problema interno, é fruto de uma elevação do preço internacional do aço.
MACIEL ? No mercado externo, de fato, os preços cresceram. Só
que há duas coisas que são graves. O Brasil agora é o único lugar
do mundo em que as siderúrgicas lucram mais que os bancos. Em 2003, foi a primeira vez, em 50 anos da história da siderurgia no Brasil, em que isso aconteceu. Dias atrás a Usiminas divulgou um
lucro de R$ 1,3 bilhão. A CSN também veio com lucro superior a
R$ 1 bilhão. É interessante que elas tenham lucro, pois investiram bastante, se modernizaram. Mas exageraram na dose. Em algumas especificações, nós pagamos aqui, em dólar, mais do que a Ford
paga na Europa. Isso é um absurdo.

DINHEIRO ? Não é possível importar aço e pressionar os preços para baixo?
MACIEL ? Nós até tentamos. Acontece que, na hora em que você vai importar, a alíquota não é o que parece. Ela fica em torno de 13%, 14%, o que não é muito. Mas, dependendo do tipo de aço, incide sobre toda a cadeia. Assim, a taxação cai sobre o preço do aço lá na Bélgica, o transporte até o porto, despesas portuárias, o frete marítimo, mais o porto aqui. Você soma tudo e aplica os 14%. Com isso, o aço brasileiro acaba tendo uma proteção muito alta, mais de 20% a 25% em relação ao preço lá na Europa. As siderúrgicas brasileiras sabem disso e posicionam o seu preço em cerca de 5% abaixo do que custaria o importado.

DINHEIRO ? Haveria, então, uma margem de 20% para negociação de preços com as siderúrgicas?
MACIEL ? Isso sem contar que toda a estrutura de custos de produção aqui é bem menor que a da Europa, dos salários aos
planos de saúde dos funcionários.

DINHEIRO ? Existe algum movimento de negociação entre montadoras e siderúrgicas? Há algum tipo de intermediação
do governo em relação a esse tema?
MACIEL ? Não existe nada. Apesar de as montadoras terem enviado aos ministros da área econômica um documento mostrando a situação, o governo está simplesmente lavando as mãos. As autoridades apenas se preocupam em olhar para fora, se os Estados Unidos estão protegendo muito o aço deles. Quando os americanos impuseram alíquotas mais altas sobre o aço importado, houve um movimento fortíssimo das siderúrgicas dizendo que deveríamos responder na mesma moeda. A alegação era de que haveria uma explosão de importação de aço se não fossem impostas tarifas de 40%, iguais às que os Estados Unidos haviam estabelecido. Não houve nada disso, o que comprova que, com as margens que praticam no mercado interno, as siderúrgicas nacionais têm condições de sobra de enfrentar a concorrência externa.

DINHEIRO ? O aumento do custo do aço explica todos os reajustes nos preços dos carros?
MACIEL ? Não. Além da questão do aço, tivemos aumentos dos preços de várias commodities tradicionais, como borracha e alumínio, todos na casa de dois dígitos. Nesse caso, sim, foram altas puxadas pelos preços internacionais. Isso representa, facilmente, um aumento de 2% a 3% na estrutura de preços da indústria automobilística.

DINHEIRO ? Como enfrentar uma mudança tão brusca de direção?
MACIEL ? O que vamos fazer, na Ford, é acelerar algumas coisas. Vamos parar tudo o que não for prioritário e concentrar no lançamento de produtos. Vamos colocar mais dinheiro e modificar processos, trabalhar em paralelo em projetos que normalmente são feitos em seqüência, abrir um novo turno, acelerar o pessoal da engenharia. Tudo isso para ter produto e bater a concorrência.

DINHEIRO ? A Ford colocará novos carros no mercado ainda este ano?
MACIEL ? Vamos lançar produtos que ainda não temos em nossa linha e faremos melhorias importantes em produtos já existentes, como foi o caso do EcoSport 4X4. Estamos prevendo um crescimento, ainda que modesto, de nossa participação de mercado. A expectativa, de qualquer forma, é grande. Isso porque a economia brasileira normalmente se recupera muito rápido.

DINHEIRO ? As indústrias, nos últimos dez anos, fizeram investimentos calculando que o mercado brasileiro chegaria a 3 milhões de carros, mas, por um motivo ou outro, isso nunca se concretizou. Não seria a hora de assumir que não chegaremos a esse volume e rever os planos de negócios das montadoras?
MACIEL ? Nossos planos, de fato, sempre foram agressivos. Mas veja que em 1997, por exemplo, foram vendidos no País 1,9 milhão de veículos. Todo mundo investiu pesado porque havia a perspectiva da estabilidade que veio com o real e todos os indicadores mostram que o mercado pode ser muito maior. Hoje, temos cerca de dez habitantes por veículo, o que é muito pouco.

DINHEIRO ? A baixa renda do brasileiro não impede que esses indicadores melhorem?
MACIEL ? O brasileiro não tem renda e isso, realmente, é um entrave ao crescimento do setor, já que hoje o mercado é basicamente restrito aos carros populares, com margens muito pequenas. Mas é fato, também, que apesar dos grandes investimentos feitos, hoje quase todas as montadoras já estão adequadas, pelo menos em termos de pessoal, a um mercado de 1,5 milhão de unidades. Isso significa que, com exceção de uma ou outras empresa, não deve haver demissões. E as máquinas estão lá. Se houver demanda, é possível aumentar rapidamente a produção.

DINHEIRO ? Quanto pesou, para a indústria, a elevação das alíquotas da Cofins?
MACIEL ? Essa foi a maior paulada fiscal que já sofri em minha vida profissional. Eu nunca vi, de uma vez só, aumentar os impostos desse jeito. Como é uma coisa muito complexa de se enxergar dentro da composição de custos da indústria, tenho a impressão que o governo achou que ninguém daria a devida importância. É um absurdo. Há quem ainda diga que isso aí é só para serviço. Mas o serviço é vendido para quem? Hoje, mais de 30% de nossos custos são com pagamentos de serviços. Nós compramos energia, nós compramos frete, nós compramos planos de saúde…

DINHEIRO ? Qual é o impacto efetivo desse aumento nos custos?
MACIEL ? Nós fizemos os cálculos e dá mais de 2%. Nesse ponto também as siderúrgicas têm razão. O Benjamin Steinbruch me disse que, apenas na CSN, são R$ 150 milhões de reais a mais no custo em função do aumento de PIS-Cofins. Quando eu ainda trabalhava na Petrobrás, participei de meu primeiro debate com o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, com o Vicentinho, o Meneghelli, entre outros. O assunto era terceirização. Na época, as alíquotas de PIS e Cofins somavam 1,5%. Hoje, ficam em 9,4%. Ou seja, cada vez que você contrata qualquer serviço terceirizado para poder se concentrar em seu próprio negócio, paga quase 10% só de tributos.

DINHEIRO ? Isso coincidiu com o fim dos descontos de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para o carro popular…
MACIEL ? Exato. E ainda falam que o IPI de carro popular é subsidiado, que paga apenas 26,5% de IPI, enquanto que um
com motor 2.0 paga cerca de 40%.

DINHEIRO ? A arrecadação de impostos pelas montadoras caiu durante a vigência dos descontos no IPI?
MACIEL ? Não. Na verdade, a arrecadação geral de impostos cresceu. Se você olhar apenas o IPI, caiu um pouco. Mas como se paga mais de 30% de impostos em toda a cadeia produtiva, o aumento de volume de vendas compensa a perda com um tributo isolado. Com mais vendas, a arrecadação é maior, mesmo que a alíquota seja mais baixa. Como presidente da Ford na América do Sul, tenho visto isso em vários países da região. Não precisa comprar com Alemanha, Estados Unidos. Veja o caso do Chile. Eles vêm constantemente baixando os impostos, que hoje estão na casa dos 5% a 6% para a indústria, e a arrecadação sobe.

DINHEIRO ? No final do ano passado, a expectativa de todos era de crescimento econômico mais acelerado em 2004. O sr. está revendo suas projeções?
MACIEL ? Estávamos bastante otimistas e é incrível como, em tão pouco tempo, o cenário mudou. Fevereiro, por exemplo, tinha de ser um mês muito quente. Como o governo já havia anunciado que acabaria com o desconto no IPI no final do mês, a expectativa era
de que vendêssemos bastante antes disso. Mas, para começar, os juros não baixaram como a gente achava que iriam baixar e fomos forçados a fazer reajustes nas tabelas. Com essa combinação explosiva, a indústria ficou 7,9% menor que no ano passado. E nós estávamos apostando com 10% de crescimento. Portanto, estamos com 17,9% de diferença em relação ao que havíamos previsto em nosso planejamento.

DINHEIRO ? A exportação não compensa?
MACIEL ? Todos esses custos de que falamos antes foram repassados para os preços de exportação. Além disso, o real se valorizou em relação ao dólar. Assim, a competitividade de nossos produtos caiu sensivelmente. Mais da metade de nossas exportações são para o México e lá, ao contrário, a moeda se desvalorizou. Está tudo na contramão, fica difícil aumentar as exportações. O resumo da ópera é que o ano começou mal. Fazendo um paralelo com o lançamento do EcoSport 4X4, o governo, com a lama que apareceu pela frente, ao invés de acionar a tração nas quatro rodas, puxou o freio de mão.