07/06/2000 - 7:00
O homem de aço está vulnerável. Depois de três semanas de intensas negociações, Benjamin Steinbruch, o ex-playboy que se tornou todo-poderoso da Companhia Siderúrgica Nacional e da Vale do Rio Doce foi forçado a passar a presidência do Conselho de Administração da mineradora para Roger Agnelli, presidente da Bradespar, e obteve de seus sócios assinaturas num contrato para começar o descruzamento das participações acionárias do setor siderúrgico. Na quarta-feira 31, após um dia inteiro de reuniões e uma noite mal dormida, Steinbruch sucumbiu à pressão da Previ e da Bradespar e jogou a toalha. É o primeiro sinal concreto, desde que venceu Antônio Ermírio de Moraes no leilão da Vale em 1997, de que ele não exibe mais o poder de articulação que o alçou à condição de símbolo do empresariado brasileiro, um modelo de modernidade a ser seguido. ?Quem era o Benjamin? Um herdeiro da Vicunha, uma empresa têxtil problemática, que um dia comprou a CSN com moedas podres?, diz um economista que o conhece bem. E completa: ?Ele comprou a Vale com a ajuda de bancos e fundos de pensão. Mas alguns passos mal dados atrapalharam seus planos de ser um tycoon brasileiro?.
E quais foram os maus passos? ?Um deles foi o sonho de montar um império minero-siderúrgico, aproveitando as sinergias entre Vale e CSN. Não conseguiu e perdeu prestígio?, diz o economista. Não faltam no Brasil exemplos de empresários que quiseram abraçar o mundo, foram ao Olimpo e, em menos de uma década, começaram a difícil escalada para baixo. Benjamin era o símbolo da nova geração há pouco menos de seis anos. Agora, aos 46 anos, chega a dizer que já fez muito e que quer servir de exemplo para futuros empreendedores. ?O problema de Steinbruch é que ele encara a siderugia como mais um negócio para ser comprado e vendido na primeira boa oportunidade?, diz o presidente de uma grande empresa do setor.
O fato é que Steinbruch não esperava a derrota na Vale. Não pensava que suas diferenças com os sócios Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil) e Bradespar (empresa de participações do Bradesco) fossem capazes de tirá-lo da presidência do Conselho de Administração. As relações entre eles vinham, digamos, se arrastando desde a compra da Vale, em 1996. Comandantes do fundo de pensão e do banco não concordavam com os métodos de trabalho, interesses e ambições de Steinbruch. E ainda traziam mágoas da CSN, onde sentiam-se mal representados, mesmo tendo 31,7% de participação, contra 16,3% da Vicunha, empresa da família de Steinbruch. A explicação é que a Vicunha está na CSN desde a sua privatização e é majoritária no bloco de controle, o que justifica tal mecanismo de comando. Bradesco e Previ esperavam que a situação fosse mudar no ano passado, com o vencimento do acordo de acionistas. Mas Steinbruch renovou automaticamente o acordo e manteve o comando. Por isso, Bradesco e Previ resolveram dar a CSN todinha para ele. E tirar a Vale. Foi um duro golpe para o barão do aço. O homem respira poder e está sempre sonhando em multiplicar seus domínios. Em Brasília, essa fama já correu mundo. O deputado Delfim Netto (PPB-SP) costuma dizer que às vezes ele parece querer crescer além das possibilidades. Para ilustrar bem o estilo do dono da CSN, vale uma breve história. O deputado Aloizio Mercadante (PT-SP), que foi colega de Steinbruch na faculdade, conta que certa vez seu filho Pedro achou na rua US$ 300. Disse que iria ficar com US$ 100, dar US$ 100 à irmã e US$ 100 ao avô. Steinbruch, que acompanhava a família Mercadante na ocasião, disse: ?Pedro, você deveria ter guardado os US$ 300, investido e dividido com a irmã e o avô somente os lucros?. Steinbruch sonha alto até de brincadeira.
Ele sempre sonhou, por exemplo, com um império minero-siderúrgico nacional, em que estariam entrelaçadas empresas como Acesita, Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST), Vale e CSN e o que mais ele pudesse arrastar para seus domínios. Eram planos ambiciosos. Em 1997, o empresário queria participar da privatização da Siderúrgica Del Orinoco (Sidor), maior usina de aço da Venezuela. Os sócios Previ e Bradespar vetaram a operação. No ano seguinte, quando Steinbruch veio com a idéia de comprar a CST, a Previ ? que detinha ações na empresa ? fechou a porta e preferiu negociar com a francesa Usinor. ?Benjamin ainda tentou comprar a Acesita, mas todo o plano dele foi por água baixo?, diz Carlos Antônio Magalhães, consultor da Sirotsky & Associados. Amigos próximos do empresário dizem que ele não engole até hoje a atitude dos sócios. Talvez tudo isso explique o clima tenso nas reuniões dos últimos dias na sede da Vale.
No encontro da quarta-feira, além de definir a sucessão, os sócios assinaram um memorando, uma espécie de protocolo de intenções que define o que o mercado já sabia: o grupo Vicunha, de Steinbruch, vai ficar com as participações da Previ e da Bradespar na CSN e a Previ e a Bradespar vão comprar a parte da CSN na Vale. ?O grupo Vicunha vai concentrar seus negócios em siderurgia. A Previ e a Bradespar saem da CSN e ficam com a Vale?, disse Steinbruch após o encontro dos sócios na sede da mineradora, no centro do Rio de Janeiro. Só depois de assinado o acordo, o empresário concordou em deixar a presidência do Conselho. O que ele fez, na verdade, foi capitalizar a saída da maneira mais honrosa possível. Afinal, ele perde espaço no cenário empresarial, mas abre caminho para consolidar seu poder na CSN. O descruzamento de posições no setor só vai acontecer de forma efetiva dentro de 60 ou 90 dias, segundo o mercado. Ele não falou em valores ? justamente a pedra no sapato das negociações. ?Chegamos a um preço convergente, mas não podemos abrir. É um valor bastante positivo para todos os envolvidos?, diz Steinbruch. Mas o mercado calcula que o empresário precisará desembolsar entre US$ 1 bilhão e US$ 1,1 bilhão para comprar o naco da Previ e Bradespar na CSN. E que sua participação na mineradora exigiria dos compradores entre US$ 1,3 bilhão e US$ 1,5 bilhão. Em tese, Steinbruch sairia no lucro. Acontece que parte do que irá receber servirá para pagar dívidas da CSN e parte será distribuída entre os acionistas. Steinbruch ficará com algo em torno de US$ 600 milhões nas mãos. Por isso terá de recorrer ao financiamento para comprar a parte dos sócios. Diz o mercado que metade da dinheirama que Steinbruch precisa deverá vir do BNDES e de um consórcio de bancos privados, liderado pelo BankAmerica, com captação no Exterior. O presidente do BNDES, Francisco Gros, não esconde que é a favor desse financiamento, sob o argumento de que a reestruturação do setor siderúrgico é estratégica para o País.
À primeira vista, pode parecer que Steinbruch saiu derrotado. Ele, é claro, não concorda. E alguns analistas de mercado acham que Benjamin, depois do descruzamento ? ficará com 51% da siderúrgica ? terá possibilidade de recuperar seu título de barão da siderurgia em pouco tempo. De qualquer forma, para alguém que comprou pouco menos de 10% da siderúrgica em 1993, sua posição não é de todo má. A CSN está prestes a iniciar uma expansão internacional, que vai incluir a compra de uma usina no Exterior e a construção de uma planta industrial em Itaguaí (RJ).
Além disso, o setor, segundo um analista, entrará numa fase de criação de grandes grupos. ?A CSN tem muitas opções de crescimento. Uma delas é se juntar à Usiminas. Isso a tornaria a quinta maior siderúrgica do mundo?, diz o analista. Não é só a Usiminas que poderia estar nos planos. A européia Arbed, controladora da Belgo-Mineira, é claramente interessada em participar da CSN, assim como o grupo Gerdau. O próprio Steinbruch diz que logo depois de desembrulhar o pacote das participações acionárias cruzadas, a CSN estará aberta a associações.
Se a CSN ainda está em compasso de espera pelos grandes acontecimentos, do outro lado, o da Vale, o clima é de euforia. Não só pela vitória na sucessão da presidência do Conselho, mas pelos acordos firmados ao longo da última semana. Na mesma quarta-feira tensa de reuniões, enquanto Benjamin e os sócios duelavam a portas fechadas, os executivos da Vale alinhavavam o maior acordo da história da companhia. Naquele dia, a Vale desembolsou R$ 978 milhões pela Samitri, pertencente à Arbed. Passou a ter 24% do mercado mundial de minério de ferro. De quebra, levou a Samarco (produz pelotas de minério de ferro) e firmou uma parceria com a australiana BHP, sua maior concorrente no mundo. Foi um golpe de mestre, mais um passo para a consolidação da Vale como um dos maiores grupos privados do País. Benjamin Steinbruch perdeu. Resta saber se terá fôlego para levantar a CSN.