03/10/2014 - 20:00
Um antigo ditado do Hemisfério Norte diz que os investidores devem vender as ações em maio para recomprá-las em novembro, quando se inicia um novo ciclo de alta das bolsas e o inverno se aproxima. No Brasil, não existe uma correlação semelhante, a não ser durante o período eleitoral. É quando a temperatura esquenta e a bolsa de valores oscila conforme as pesquisas de intenção de voto. Além do Ibovespa, o principal índice da BM&FBovespa, as ações de empresas de capital misto, como a Petrobras, que tem o governo federal como seu principal acionista, ficam mais suscetíveis à especulação do que aos seus fundamentos econômicos.
Neste ano, as empresas estatais com ações no mercado de capitais também refletem esse cenário, principalmente aquelas que têm sede em Estados nos quais a corrida eleitoral deve acabar no primeiro turno. As seis companhias analisadas pela Mirae Corretora, que seguem esses critérios, estão em baixa. A situação mais emblemática para o investidor está em Minas Gerais. A Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) acumulam baixas expressivas em setembro. O valor da ação das duas companhias públicas recuou quase 22%.
O motivo para as quedas acentuadas dos papéis foram as declarações de Fernando Pimentel, candidato do PT ao governo mineiro, que lidera as intenções de voto. No último debate antes das eleições de 5 de outubro, ele disse que o Estado vive um problema grave em relação à energia elétrica: é a mais cara do País, com um Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de 30%. “Estamos assistindo às fábricas e empresas deixarem Minas. Isso tem de ser revisto. Sem causar prejuízo à Cemig, vamos reduzir o imposto, porque, em Estados como o Rio de Janeiro, o ICMS é de 18%”, afirmou Pimentel.
Essa foi a segunda vez que o ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio mencionou mudanças na gestão da companhia. Anteriormente, ele afirmou que prepara uma série de ajustes, que incluiria a redução das tarifas. Isso seria uma revisão do que ele chamou de “busca por resultados para os acionistas em detrimento de um serviço público de maior qualidade”. Os planos de Pimentel levaram os analistas às calculadoras. Para o JP Morgan, se o PT ganhar no primeiro turno em Minas, o resultado tende a ser negativo para a Cemig, já que conduziria a empresa a uma gestão “com uma estratégia de baixo retorno”, nas palavras do analista Marcos Severine.
Na mesma esteira de baixa da Cemig está a Taesa, companhia de energia elétrica, na qual a Cemig detém 43,36% do seu capital. A Copasa sofreria por uma possível política social. “Existe um processo regulatório menos maduro nas companhias de saneamento do que nas elétricas, o que aumenta ainda mais a insegurança”, afirma Karina Freitas, analista da corretora Concórdia. “A sensação do mercado é que o novo governo será diferente dos anteriores”, afirma Adriano Moreno, presidente da AZ FuturaInvest, referindo-se aos ex-governadores Aécio Neves e Antonio Anastasia, ambos do PSDB, que deram as cartas entre 2002 e 2014.
“Eles deram autonomia às estatais. O receio de que isso não se repita faz com que haja essa oscilação”, diz. Mesmo com essas ressalvas, o Goldman Sachs mantém a sua recomendação de compra para o papel da Cemig, com preço-alvo de R$ 21,50 até setembro do ano que vem. A ação preferencial encerrou o pregão de quinta-feira 2 cotada a R$ 14,60. Para a Copasa, que apresentou resultados do segundo trimestre abaixo das expectativas, as projeções do preço-alvo foram reduzidas de R$ 42 para R$ 40. O papel foi negociado a R$ 31,47 na quinta-feira 2.
As ações da Sabesp, a quinta maior companhia de saneamento do mundo, são penalizadas tanto pela corrida eleitoral como pelos seus problemas de gestão. O governador Geraldo Alckmin, do PSDB, deve ser reeleito no primeiro turno. “Com a manutenção do governo do Estado, as dúvidas que surgem estão ligadas à política de desconto e aos investimentos na Sabesp”, diz Karina, da Concórdia. Segundo a última projeção, de 25 de setembro, caso não chova em São Paulo nos próximos meses, o volume do Sistema Cantareira chegará ao fim em 21 de novembro, e 6,5 milhões de pessoas ficarão sem água.
Esses fatores levaram Felipe Mattar, analista do Goldman, a reduzir o preço-alvo das ações da empresa de R$ 28,30 para R$ 27. Na quinta-feira 2, o papel havia sido negociado a R$ 19,34. A maior desvalorização de uma ação ligada ao governo de Estado está em Santa Catarina. As Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc) perderam quase metade do seu valor durante o governo de Raimundo Colombo (PSD), que lidera as pesquisas de intenção de voto. Embora nenhum candidato tenha falado em privatização da Celesc durante suas campanhas, existe a possibilidade de que o próximo governador entregue a companhia para a iniciativa privada.
Em 2010, a Assembleia Legislativa aprovou uma emenda constitucional que diz que a privatização da Celesc só pode acontecer caso seja aprovada em um referendo popular. Os problemas na prestação de serviços são o calcanhar de aquiles da Celesc, que tem nota 1,03, numa escala de zero a dez, no site Reclame Aqui. As eleições colocaram todas as empresas num ambiente glacial. A partir da segunda-feira 6, o derretimento das ações pode ser interrompido e o investidor poderá encontrar um negócio sólido, com a chance de conquistar bons dividendos ou acumular um bom retorno em médio e longo prazos. Mas é preciso analisar com cautela para não voltar ao mesmo processo daqui a quatro anos.