DINHEIRO ? Como a economia brasileira pode voltar a crescer mais rapidamente? 

PAULO LEME ? O País deslanchou nos últimos anos, com o aumento de renda, expansão do crédito, financiamento externo e elevação dos preços de commodities. No entanto, qualquer processo de crescimento demanda novas injeções de energia. A primeira fase foi relativamente mais fácil, utilizamos a capacidade ociosa da indústria, absorvemos o desemprego. Pegamos os balanços dos bancos, das empresas, das famílias, que estavam zerados, e aumentamos o endividamento. Só que, claro, há limites para esse ciclo. Alguns indivíduos e empresas estão próximos de seus limites, outros não. De qualquer maneira, já não é tão fácil usar o mesmo mecanismo. O crédito saiu de 25% do PIB para 50% num período relativamente curto. Agora, é hora de reforçar a competitividade da economia.


DINHEIRO ? Quais são os desafios pela frente?

LEME ? O maior desafio, é claro, é o da infraestrutura, que nos próximos anos vai demandar até US$ 1 trilhão em investimentos. A poupança interna será insuficiente e será necessário capital externo. Para atrair esse dinheiro, é preciso ter regras do jogo claras e previsíveis. Outra questão muito importante é a qualificação de mão de obra. Com o desemprego muito baixo, há uma clara escassez de mão de obra qualificada em muitos setores. É importante melhorar a qualidade do ensino e até incentivar a entrada de imigrantes qualificados. Essas pessoas trazem dinamismo à economia. Quem tem coragem e determinação de sair do seu país ajuda no crescimento. Tivemos essa experiência no século 20, com as imigrações japonesa e italiana, que contribuíram para a produtividade da agricultura brasileira. 

 

DINHEIRO ? Como se obteria o aumento da competitividade da economia?

LEME ? Acho que é importante fazer reformas estruturais, principalmente microeconômicas, para reduzir entraves burocráticos, por exemplo. A competitividade não é uma questão cambial, é muito mais que isso. É preciso mudar a estrutura de custos, começando pela carga tributária e pelos encargos trabalhistas. Há, ainda, o custo dos insumos, que não é baixo no Brasil, como no caso da energia elétrica. Precisamos reduzir as ineficiências. Quando você olha o tempo que se perde no trânsito para ir ao aeroporto de Guarulhos, ou considera as dificuldades para abrir uma empresa, alugar um imóvel, abrir uma conta em banco, isso é um desperdício de crescimento. Não podemos nos dar a esse luxo. A economia mundial não terá tão cedo outro ciclo próspero como o do qual nos beneficiamos na década passada até 2007. O processo de desalavancagem na Europa, Estados Unidos e Japão será longo e penoso, o volume de comércio não vai crescer no mesmo ritmo, nem os preços das commodities. Sem esses motores, temos de estimular o crescimento, atraindo os investimentos e aumentando a produtividade. 

 

DINHEIRO ? Mas como fazer reforma tributária, evitando déficit público? 

LEME ? A economia precisa de uma redução linear de impostos, para liberar recursos para o setor privado investir, e não de mudanças pontuais num espaço limitado. O único jeito de fazer isso sem desequilibrar as contas públicas é cortar gastos. O ideal é privilegiar os investimentos públicos e reduzir a despesa corrente. 

 

DINHEIRO ? Essa necessidade de trazer recurso externo para a infraestrutura é o que explica a aposta do Goldman no Brasil agora? 

LEME ? Sem dúvida. Nos últimos três ou quatro anos, muito dinheiro veio para o Brasil, uma média de 4,5% do PIB, algo como US$ 115 bilhões por ano. Até agora, uma parte desse dinheiro financiou também o consumo. Mas é fato que hoje vemos uma enorme demanda no Exterior para participar desses investimentos em infraestrutura no Brasil. Isso é muito interessante para um banco de investimentos global como o Goldman Sachs. Fundos soberanos do Oriente Médio ou da Ásia são nossos clientes e nos procuram para participar desse processo. Nós assessoramos, por exemplo, o investimento de US$ 2 bilhões do Mubadala, de Abu Dhabi, na EBX [holding do empresário Eike Batista]. Os investidores estrangeiros financeiros reagiram à alta do IOF e à crise na Europa e se retraíram. Mas os que planejam investimento direto, seja em telecomunicações, agricultura ou serviços, continuam muito otimistas. 

 

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Lloyd Blankfein, CEO do Goldman, aposta no Brasil e na China.

 

DINHEIRO ? Quem mais está disposto a apostar nesse tipo de investimento?

LEME ? Não só fundos soberanos e de private equity, mas empresas, muitas delas que nunca tiveram um contato com o Brasil, mas querem investir agora. Para garantir a entrada destes recursos, é preciso ter as regras do jogo claras, previsibilidade tributária. E também facilitar a execução das obras. A questão ambiental é importante, sem dúvida, mas os processos atrasam investimentos até por alguns anos. Há grande interesse e o Brasil está bem posicionado, mas não existe nada assegurado na vida. Vejo alguma preocupação re­­cente com a redução do crescimento e a inadimplência em algumas carteiras de crédito. 

 

DINHEIRO ? Como o Goldman pretende crescer no Brasil? O CEO Lloyd Blankfein diz que os mercados emergentes vão responder por 80% do crescimento do banco… 

LEME ? O banco decidiu se concentrar nos países emergentes, que são a área dinâmica da economia mundial, especialmente nos Brics. Nesse grupo, o foco é na China e no Brasil, pela qualidade das instituições, dos setores público e privado. Os bancos de investimento brasileiros são muito competentes, têm grande capacidade de emprestar e uma capilaridade impressionante na economia. Mas temos uma grande vantagem, que é a de mobilizar os recursos lá fora para esse ciclo brutal de investimentos. O Goldman Sachs tem relacionamentos de longa data com estes grandes investidores, enquanto os bancos brasileiros ainda estão no processo de formação dessas relações. Também esperamos distribuir ativos brasileiros, ações ou títulos de dívida, no Exterior, não só nos EUA e na Europa, mas na Ásia e no Japão. Vemos ainda uma transformação importantíssima do mercado financeiro brasileiro, na qual poderemos atuar usando nossa experiência no exterior. Com a redução sustentada da taxa de juros, os investidores terão de procurar não só a bolsa, mas também ativos de crédito. Isso vai desenvolver muito o mercado de títulos corporativos, que hoje ainda tem uma negociação muito pequena no mercado secundário. O mercado imobiliário também vai crescer muito, o crédito já aumentou, mas deve haver mais securitização, com a transformação dos empréstimos em títulos negociáveis, que alavanca recursos para o setor. 

 

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Os produtores de Abu Dhabi financiam projetos no Brasil.

 

DINHEIRO ? Esse tipo de instrumento não saiu chamuscado da crise financeira americana?

LEME ? A securitização continua sendo importante, desde que seja feita de forma inteligente e eficiente. É preciso tomar cuidado com a qualidade dos produtos e a sua venda a investidores que conheçam bem o risco. 

 

DINHEIRO ? Quais são os planos de expansão do banco no Brasil?

LEME ? Nós abrimos o banco aqui em 2007, depois de considerar algumas associações e desistir da abertura um tempo antes, em 2002, por causa da turbulência da época. Nos últimos cinco anos, crescemos rapidamente, já temos 300 funcionários. Vamos aumentar significativamente as operações, contratando e aumentando o capital da instituição, hoje de R$ 420 milhões. O banco já é forte na área tradicional de investimentos, como a assessoria a fusões e aquisições, e em trading de renda fixa, câmbio e juros. Agora estamos reforçando as áreas criadas mais recentemente, de gestão de recursos e administração de fortunas, contratando muita gente. Nossa preferência é ter um banco predominantemente de brasileiros, que são mais de 95% dos funcionários.

 

DINHEIRO ? Desde a crise americana o Goldman foi alvo de muita polêmica. O banco saiu da crise ileso, mas tem sido criticado por suas conexões políticas, por escândalos de insider trading e até por ex-funcionários como o executivo Greg Smith. Como isso impacta o banco? 

LEME ? Você mencionou a capacidade do Goldman de atravessar momentos difíceis, e essa crise certamente foi a pior que já vi na minha carreira. O banco tem os melhores profissionais de gestão de risco, que o posicionaram de maneira correta. Mas nem sempre você está preparado para todos os choques que atingem uma empresa. É o caso desses problemas que envolvem a reputação da companhia, sem entrar no mérito das questões. Acho que não tínhamos o mesmo grau de preparo e velocidade de resposta exigido pela mídia. Vemos isso como um desafio, e estamos dedicando tempo e talento necessários para reconquistar o espaço na opinião pública. Eu trabalho no Goldman há 19 anos, tenho orgulho dos princípios éticos do banco e vejo uma discrepância entre a informação que eu tenho e a que eu leio nos jornais. É incômodo, mas temos de lidar com isso como um desafio.