26/11/2003 - 8:00
DINHEIRO ? O senhor concorda com as pessoas que dizem que a taxa de juro real de equilíbrio tem de ser em torno de 10% ?
LUIZ FERNANDO FIGUEIREDO ? Um juro real de 10% não é uma situação de equilíbrio. Nem no Brasil, nem em lugar nenhum do mundo. Se o Brasil tiver de carregar uma taxa real de 10% ao longo dos anos, em termos reais, está tudo errado. Seria o único lugar do mundo assim. O Brasil não é tão diferente, nem tão pior para ter uma taxa real de juros desse tamanho. Acabei de voltar da China e a taxa nominal de juros lá é 2%. E não é só lá. No ano passado, o México foi de -2,7%; na Venezuela, -1,78%; e no Chile foi de 1,23%. O Brasil também pode ter uma taxa pequena.
DINHEIRO ? Como se descobre a taxa de juros adequada?
FIGUEIREDO ? É preciso testar. Abaixar a taxa de juros e ver o que vai acontecer. Provavelmente, ela é muito menor do que 10%. Talvez seja 5%, ou menos até, mas isso nós não sabemos. Por isso nós temos que testar qual a taxa mínima de equilíbrio. Não tenho nenhuma crítica ao BC. Esse é um processo que já está acontecendo. O que é importante é que nós temos que chegar lá. Se o Brasil não puder ter uma taxa real menor, algo está errado.
DINHEIRO ? E por que só agora o País pode ter uma taxa menor?
FIGUEIREDO ? O Brasil mudou muito. Do ponto de vista externo, o País tem uma fragilidade muito menor do que antes. Nós saímos de um déficit de conta corrente da ordem de 4% do PIB para um superávit em conta corrente este ano. Internamente, o Brasil não corre risco de inflação. Isso porque o desemprego está maior e quem está empregado teve a renda achatada. Outra mudança importante é a institucional. O novo governo está se mostrando absolutamente responsável. Isso é um avanço enorme para quem planeja um investimento de longo prazo.
DINHEIRO ? O risco-país é um reflexo da taxa de juro elevada?
FIGUEIREDO ? É claro. A taxa real de juros alta faz com que o risco seja mais alto. Se o Brasil tivesse uma taxa real de juros menor, o custo da dívida seria menor, a capacidade do País pagar sua dívida seria maior e o risco seria mais baixo.
DINHEIRO ? Qual o potencial de crescimento da economia brasileira?
FIGUEIREDO ? É difícil precisar, já que a economia é muito dinâmica. Mas esse número está agora entre 3% e 4% do PIB ao ano. Existe uma coisa que os economistas chamam de hiato do produto. Traduzindo para o português é quanto o Brasil poderia ter crescido e não cresceu. É aquele espaço que a economia tem para crescer sem gerar problemas e sem precisar de investimento. Em 2001, o hiato era negativo. O Brasil crescia mais do que o potencial. Hoje, nós crescemos bem menos que o potencial. Segundo um estudo da FGV, nós podemos crescer dois anos a 4% sem nenhum problema maior.
?A crise de 2002
foi por causa da insegurança em relação ao governo que viria?
DINHEIRO ? O Brasil já pagou este ano R$ 120 bilhões em juros. Não é demais?
FIGUEIREDO ? Não podemos considerar este ano como normal porque o Brasil enfrentou um monte de crise. Só relembrando: em 1995 foi a crise do México; em 1997 foi a vez da Ásia; em 98, a Rússia. Em 1999 foi a nossa própria crise. Em 2001, foi a Argentina, o apagão e o 11 de setembro. E em 2002 tivemos as eleições, na qual o Brasil perdeu totalmente o crédito. Todos esses anos nós vivemos em crise. Não dá mesmo para ter um juro baixo em um cenário desse.
DINHEIRO ? Como você avalia a estratégia de recompra de papéis cambiais pelo BC?
FIGUEIREDO ? É muito, muito positiva. Primeiro porque diminui o risco cambial da dívida. E segundo porque o Tesouro está comprando dólares para saldar seus compromissos. É muito correto. Cada vez que o Tesouro rola menos dívida atrelada ao câmbio, menos risco o País corre. O mercado está vendo muito mais positivamente isso. O governo em geral está indo muito bem. Sou um fã do Henrique Meirelles. Fiquei três meses no governo Lula e foi muito bom. Tive muitas boas surpresas.
DINHEIRO ? É possível liquidar toda a dívida cambial?
FIGUEIREDO ? Isso vai acontecendo ao longo do tempo. Não sei se é necessário. O que é razoável é ter um número pequeno da dívida, cerca de 10%. Não tem o menor problema. Não precisa ser zero, também não deveria ser 30% da dívida.
DINHEIRO ? Muita gente acredita que um real mais desvalorizado impulsionaria ainda mais as exportações brasileiras…
FIGUEIREDO ? Desvalorizar mais? Quem
falou que a gente é capaz de desvalorizar mais? Não acredito que o Brasil seja capaz
de desvalorizar muito mais em termos reais. Um pouco mais pode ser. Talvez 10%, 15%. Mais que isso talvez não seja sustentável
a longo prazo. Pode gerar inflação. O câm-
bio brasileiro já está bem desvalorizado. Se não fosse assim, não teríamos todos os meses uma surpresa em termos de balança comercial.
DINHEIRO ? O Brasil não pode ter uma piora nas contas externas quando a economia voltar a crescer?
FIGUEIREDO ? O que aconteceu é que o Brasil de 94 a 99 ficou com um câmbio muito valorizado. Depois de 99, houve um esforço enorme por parte das empresas para aumentar o volume de exportação. É uma mudança estrutural que veio para ficar. Isso não depende de um câmbio 5 ou 10% mais ou menos desvalorizado. Na verdade, nós passamos por uma mudança cultural. Muita gente que nunca havia exportado passou a exportar. Você encontra um monte de brasileiros em qualquer lugar do mundo tentando vender produtos brasileiros no exterior. Coisa que cinco anos atrás não acontecia. É um processo que simplesmente ainda está começando. Agora, com o País crescendo, não tem o menor problema que o resultado da balança comercial seja menor.
?Gente que nunca havia exportado passou a exportar. É uma mudança cultural?
DINHEIRO ? Estamos assistindo a um novo ciclo virtuoso na economia mundial?
FIGUEIREDO ? Sem dúvida. E o mais importante é um ciclo de crescimento que está começando com baixíssima alavancagem. O Nasdaq chegou a quase 6 mil pontos, agora está a 1 mil. Os ativos todos estavam inflados e tiveram que desinflar. Foi um processo
de limpeza. Nesse processo, alguns países conseguiram sobreviver, como o Brasil. Outros saíram do mapa econômico e financeiro,
como a Argentina. O pano de fundo hoje é bastante positivo.
Tanto os EUA, a Europa e a Ásia ? incluindo o Japão, por incrível
que pareça ? estão em processo de crescimento.
DINHEIRO ? Como o Brasil pode se aproveitar desse novo ciclo virtuoso?
FIGUEIREDO ? O Brasil está pronto, não tem nada que atrapalhe.
Nos anos em que não houve crise no mundo, como 1996 e 2000, a economia cresceu bastante. Não vejo razão para achar que vai ter crise daqui para a frente. A única questão que tem de ser resolvida é a do marco regulatório. Isso é um problema. Sem isso, o Brasil pode sofrer a falta de investimentos.
DINHEIRO ? Como você reage as freqüentes críticas de José Dirceu em relação à herança herdada do governo FHC?
FIGUEIREDO ? O meu comentário é que esse governo está indo muito bem. Está fazendo um ótimo trabalho. Tem problemas como todos os governos têm. Na verdade, o que aconteceu no segundo semestre de 2002 é que o País teve uma perda total de crédito, tanto interno como externo. Não por conta do governo que existia e sim por conta do governo que iria chegar. Só não vê isso quem não quiser.
DINHEIRO ? Qual foi o momento mais complicado no BC?
FIGUEIREDO ? Do período que eu estive lá, o mais complicado foi no ano passado. Literalmente a coisa não estava mais nas nossas mãos. Estava nas mãos dos candidatos. Chegou um momento em que as pessoas compravam títulos públicos até a eleição. Depois, as pessoas não compravam mais nada. Existia uma enorme diferença de preço entre um título que vencia em 2002 e 2003. Como é que se faz? A gente não tinha todo o caixa do Tesouro para repagar toda a dívida. Algum grau de rolagem tinha que fazer. Foi um esforço de conscientização feito pelo governo com os candidatos para que eles dessem sinais mais claros de como seria a política econômica. Quando o próprio PT começou a dar demonstrações muitos claras que seria responsável, rapidamente a coisa se estabilizou.
DINHEIRO ? A implantação da marcação a mercado foi um momento pessoalmente complicado para você.
FIGUEIREDO ? Não foi uma decisão minha. No Brasil, quem fala é que é o culpado. E eu fui considerado culpado por isso. Mas foi uma discussão do BC, do Ministério da Fazenda, do governo como um todo. Todos sabiam que haveria um grande impacto, mas era melhor fazer naquela época do que esperar um problema lá na frente. E a marcação a mercado protegia o pequeno investidor muito mais do que o grande. Os grandes sabiam que estava abrindo um deságio nos títulos públicos, mas o fundo não estava refletindo isso. Aqueles grandes investidores podiam sacar com a cotação cheia. O pequeno que estava desatento ia perder. Nós demos uma chance aos fundos de fazer uma coisa suave. Não deu certo, tivemos que fazer na hora. Até porque se o deságio dobrasse ou triplicasse imagina o tamanho do problema. Aí tivemos que tomar uma decisão.
DINHEIRO ? Quando você foi para o BC não se sentiu pressionado a beneficiar instituições com as quais você trabalhara antes?
FIGUEIREDO ? É a mesma coisa que ser convidado para a Seleção Brasileira. Quando você vai para o Banco Central, é como se fosse uma missão. Não se trata de beneficiar. Qualquer atitude você beneficia e atrapalha pessoas do mesmo mercado. Alguns estão comprados e alguns estão vendidos. Não importa isso. Quem é o patrão do governo é a sociedade. Toda vez que a sociedade sai prejudicada de alguma forma, é nosso patrão que ficou descontente ou saiu prejudicado.
DINHEIRO ? Agora você está do lado da banca privada. É complicado operar contra o BC?
FIGUEIREDO ? A questão é que o trabalho no BC é muito difícil. Quando estamos aqui fora, a gente acha que quem está lá tem dez possibilidades para escolher. Mas quando você está lá, descobre que são apenas duas. E às vezes as duas são ruins. Você sabe que a sua decisão é ruim e tem de escolher a menos pior. É um trabalho muito duro. Eu tenho orgulho enorme como brasileiro e cidadão de ter passado um tempão lá. Mas é muito mais fácil estar do lado de cá.