20/08/2020 - 12:01
Ex-presidente do IBGE, Roberto Olinto diz que será um “escândalo inaceitável” se o governo decidir adiar o censo demográfico para 2022, de forma a irrigar o Ministério da Defesa com mais recursos. Para ele, o risco de fazer a pesquisa em ano de eleição é usá-la para fazer propaganda do governo. “Ter o censo também é fazer a defesa do País”, diz Olinto, que tem 39 anos de vida dedicados ao IBGE, onde foi coordenador das contas nacionais por 10 anos, diretor de pesquisas de 2014 a 2017 e depois presidente entre 2017 e 2019. Agora pesquisador associado da Fundação Getulio Vargas (FGV), ele avisa que o adiamento da pesquisa trará consequências graves para os municípios e o planejamento do País. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Como ex-presidente do IBGE, como o sr. recebeu a informação de que o censo pode ser adiado para sobrar recursos para o Ministério da Defesa?
Na minha opinião, é um escândalo inaceitável, rompe qualquer protocolo de produção de estatística mundial de qualidade. O adiamento de 2020 para 2021 era necessário e compreensível por causa da pandemia e exigiria contato físico intenso, com entrevistas longas. É muito mais estratégico para a Defesa ter o conhecimento do País com um censo do que comprar armamento. Ter o censo também é fazer a defesa do País. É melhorar a capacidade de ter informações militares. Vai ter o geoprocessamento do País inteiro.
Qual o maior problema?
Há dois problemas sérios. O primeiro é que o IBGE não teve orçamento para fazer a contagem da população que deveria ter sido feita em 2015. Agrava muito a situação. Quando eu era presidente, lutamos muito para essa questão do censo porque já estávamos com problemas das estimativas populacionais. Tanto que, hoje, a distribuição do FPM (Fundo de Participação dos Municípios) está congelada esperando o censo de 2020. Houve um acordo para evitar exatamente problemas de distorções do FPM, por causa da população dos municípios se congelou sem perdas. Isso foi feito no último ano do meu mandato como presidente. E esperaria o resultado de censo 2020 para recalcular os indicadores dos municípios. Isso é muito grave porque o censo de 2022 só vai ter resultado em 2023. Vai ter 13 anos sem nenhuma informação demográfica. Os modelos vão perder aderência, coerência.
Os municípios e os Estados serão afetados?
Os municípios perdem mais. Tudo que depende de população tem um problema sério. Os municípios são afetados se tem a diferença de uma pessoa. Pode perder ou ganhar participação do FPM. É muito sensível. Tem um segundo problema. Não se faz censo em ano eleitoral. É muito sério fazer um censo que vai a campo em agosto, setembro e outubro e ter eleições em outubro.
Por quê?
O risco é usar o censo para fazer propagando do governo. Vai ter a propagando do censo. Ele necessita uma propaganda muito forte para as pessoas abrirem a casa. Ainda mais agora com a covid. Isso pode ter uma contaminação com a propaganda política do governo. Como vai escrever isso no colete dos recenseadores? Como controla? Os recenseadores podem ser pressionados por prefeitos. E já são normalmente para contar mais gente. Não se deve fazer quando se tem uma eleição. Não tem como controlar. Não adianta o IBGE dizer que não vai ter problema porque vai ter.
Quando foi o último adiamento?
Em 1990, teve adiamento de um ano por causa do governo Collor. Foi feito em 91.
Mas não tem como blindar o IBGE dessa questão política?
Apesar da atual direção, o IBGE tem um corpo técnico extremamente competente. Volta e meia se cria problemas porque o corpo técnico não aceita interferência, como qualquer instituto de estatística do mundo. Não há como fazer algum tipo de manipulação dos dados sem que se torne um grande escândalo. A respeitabilidade do IBGE é incontestável.
Qual a importância do censo para a definição de políticas públicas?
O adiamento é um erro. Dois anos de atraso têm impacto fortíssimo. O Brasil está passando por uma crise por causa da covid, mas está também há alguns anos com problemas de planejamento econômico, e o censo é fundamental para mostrar como estão as coisas. Sem o censo, o planejamento fica capenga.
Afeta até o desenho dos programas de transferências de renda?
Fazer um Bolsa Família ou qualquer programa de transferência de renda necessita de informações do censo. É um apagão. Não consigo compreender o que seria estratégico dentro do Ministério da Defesa do que ter um censo demográfico. Não faz o menor sentido. Falando linguagem de estrategista.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.