Ganha um vídeo de hiena quem aqui não usou a expressão de Adam Smith sobre a mão invisível (do mercado). Pois ela não existe. Ou não existe exatamente assim. Mr. Smith até escreveu em seu clássico A Riqueza das Nações (1776) “he intends only his own gain, and he is in this, as in many other cases, led by an invisible hand to promote and end which was no part of his intention” (numa tradução livre, “cada indivíduo busca apenas seu próprio ganho, e neste, como em outros casos, é levado por uma mão invisível a promover um objetivo que não fazia parte de sua intenção [inicial]”). O que quase ninguém cita é a frase seguinte: “Nor is it always the worse for the society that is was no part of this” (“Nem sempre isso é ruim para a sociedade…”). Vamos combinar que ela significa igualmente “nem sempre isso é bom para a sociedade”. Smith parecia ser mais ponderado do que foi vendido nos dois séculos e meio seguintes.

Ok, tendo a comprar uma briga que nem quero, mas boa parte dos economistas sempre curtiu pagar de filho das chamadas ciências duras. Erro! A Economia está dentro da área de humanas da mesma maneira que “ensino a distância” não tem crase. O reino da matemática é outra coisa — para tanto sugiro buscar no Google sobre o russo Grigori Perelman e a Conjectura de Poincaré. A personificação pop dos economistas-cientistas é a Escola de Chicago. Vale uma explicação: nem todo economista de Chicago segue a escola de Chicago, da mesma maneira que nem todo filme feito em Hollywood é hollywoodiano. O ponto é outro. Muitos tratam a economia de forma binária. Ou é, ou não será. Sem matizes. E a hegemonia pendeu para o mantra ‘Estado-zero-ou-nada’. Como se o oposto fosse intervenção estatal e economia planificada. Calma, lá. Sugiro ler Thaler, Nobel de Economia em 2017.
Mas antes de falar de Thaler vale citar Gates, Fraga e Keynes.

Em setembro, o bilionário Bill Gates — por cujas portas há um patrimônio de US$ 106 bilhões — disse à Bloomberg que duvidava que os Estados Unidos adotassem um imposto sobre a riqueza. “Mas eu não seria contra”, afirmou. O mais recente relatório de sua fundação diz que “não existe uma bala de prata que faça com que geografia, gênero e outros fatores aleatórios parem de ser importantes”. Caso usassem essas frases na boca de Piketty, Boulos ou Irmã Dulce ruiria o mundo. Bobagem. Momentos de crise pedem soluções menos binárias. A declaração, insisto, é de Bill Gates. Por que ele diz isso? Porque seu próspero país (#não contém ironia) vive um momento em que o 0,1% da população mais rica controla mais riqueza do que em qualquer época desde 1929.

O que Gates propõe tem eco, de certa forma, no que diz Armínio Fraga. O ex-presidente do Banco Central escreveu na Folha de S. Paulo, domingo 27, que “temas sociais e de costumes afetam sim a economia, por meio de seu impacto sobre o debate público, o ambiente de negócios e a qualidade de vida em geral”.
É aqui que entra o americano Richard Thaler. Ele é um dos raros vencedores do Nobel que vem da economia comportamental, área fortemente lastreada na psicologia — apenas 6% de todos os premiados são desse segmento. Para Thaler, dados que em tese não parecem racionais, que ele chama de FSIs (Fatores Supostamente Irrelevantes), costumam ser decisivos para predições econômicas. Em resumo, seres humanos não agimos racionalmente.

Parece tola e óbvia essa constatação, mas nem economistas ou médicos costumam acreditar que as pessoas farão o que esses profissionais dizem para não fazermos. E fazemos. Pior. Nossas elites também agem assim. Pelos mais diversos motivos. O principal é o mind set binário. ‘Se o que penso é o certo todo o meu oposto é o errado’. De certa forma Keynes, em The General Theory of Employment, Interest and Money (1936), antevia o comportamento ao escrever que “a sabedoria mundana ensina que é melhor para a reputação falhar convencionalmente do que ter êxito sem ser convencional”. Aparentemente, Smith, Keynes, Gates, Fraga e Thaler estão no time dos não convencionais. Os que não acreditam que respostas para soluções complexas virão de muros binários.