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“Quase todos os fornecedores de Pitta continuarão sem receber. Não temos dinheiro”

 

 

 

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“A estabilidade custou muito caro. Só Gustavo Franco achou que precisava pagar”

 

 

 

DINHEIRO ? Qual é a situação do caixa da Prefeitura?
JOÃO SAYAD ?
Bastante difícil. Encontrei apenas R$ 2,2 milhões, um número muito diferente dos R$ 70 milhões que o ex-prefeito Celso Pitta anunciou. Além disso, descobrimos um volume de atrasados muito grande, da ordem de R$ 1 bilhão, por serviços fornecidos à Prefeitura que não foram pagos pela administração anterior.

DINHEIRO ? O que o sr. vai fazer com essa dívida?
SAYAD ?
Nós não podemos considerar como obrigações a serem pagas por nós serviços que foram prestados para a administração anterior. A Lei de Responsabilidade Fiscal considera crime você ter contratado uma despesa sem ter o dinheiro em caixa. O que o governo anterior fez foi baixar um decreto para cancelar os empenhos para os quais não tinha caixa para pagar. É uma interpretação literal da lei, mas que apesar de literal e absurda pode ser feita. Se não tem caixa, não pode ter restos a pagar.

DINHEIRO ? Visto desse ângulo, o decreto de Pitta acabou resolvendo um problema para a administração do PT, certo?
SAYAD ?
Nós vamos ser obrigados a aplicar esta lei e esta interpretação bárbara, no sentido oposto ao que é civilizado, porque senão nós também seremos cúmplices desse crime, o de contratar serviços sem ter dinheiro para pagar.

DINHEIRO ? Quais fornecedores continuarão sem receber?
SAYAD ?
Quase todos. O pagamento das empresas de lixo está atrasado, há falta de estoques na Saúde, nos Transportes e não temos recursos para os precatórios. Além disso, a dívida com o Tesouro Nacional não foi paga. Uma administração que arrecada R$ 7 bilhões, quando não paga R$ 1 bilhão, deixa dívidas em todos os lugares.

DINHEIRO ? O que o sr. está dizendo é que a Prefeitura adotou uma moratória e vai dar o calote em seu credores?
SAYAD ?
Não é nem calote, nem moratória. É apenas a Lei de Responsabilidade Fiscal da qual não podemos fugir. Ninguém pode ser contra uma lei com esse nome, mas a verdade é que ela não contemplou de forma adequada um dispositivo para períodos transitórios. Levada ao pé da letra, a Lei de Responsabilidade Fiscal pode até facilitar uma má administração.

DINHEIRO ? O sistema não vai entrar em colapso com a falta de pagamentos?
SAYAD ?
Estamos tentando manter a ordem. Vamos conversar com os credores e procurar recompor as finanças municipais. No momento, estamos esperando um interpretação legal deste decreto do ex-prefeito para começar as negociações.

DINHEIRO ? O sr. conduzirá as negociações?
SAYAD ?
Não exatamente. As secretarias é que vão negociar com seus credores. Minha função é analisar os casos e propor soluções, provavelmente, a longo prazo.

DINHEIRO ? São Paulo tem uma dívida de R$ 18 bilhões com o governo federal, para ser paga em 30 anos. Essa o sr. paga?
SAYAD ?
Temos de honrar esses compromissos, sob pena de as condições de pagamento piorarem. A verdade é que toda nossa capacidade financeira foi gasta no túnel do Ibirapuera, na Avenida Águas Espraiadas e nos precatórios. Contudo, o problema não é a dívida, mas como e para o que ela foi usada. O governo (Ernesto) Geisel, por exemplo, contratou uma dívida de US$ 100 bilhões cujos ativos acabaram de ser privatizados pela venda da Eletrobrás, Telebrás, Siderbrás etc. O dinheiro usado estava nessas empresas, podíamos ver onde foi aplicado. Em relação à dívida municipal, do lado do passivo temos R$ 18 bilhões, e do ativo um buraco sob o Ibirapuera, precatórios mal negociados e uma avenida. É uma dívida ruim, mas que temos de pagar.

DINHEIRO ? Do que é possível escapar?
SAYAD ?
Tenho na minha mesa, neste momento, uma ordem para o pagamento de uma indenização imobiliária de R$ 100 milhões. Isso é igual a US$ 50 milhões. Pergunto: você conhece um imóvel em São Paulo que valha US$ 50 milhões? Eu não conheço. Não existe. Está na cara que é um valor mal negociado. Isso eu não pago, vou recorrer, pedir a ajuda da OAB e de outros órgãos para averiguar valores e, até mesmo, nos ajudar a voltar atrás nessas decisões judiciais.

DINHEIRO ? Com a entrada do IPTU entre janeiro e março, vai dar para respirar?
SAYAD ?
São, realmente, meses de boas entradas de recursos, mas também de muitos pagamentos, então a retirada é pequena. A questão é que a desorganização na Prefeitura não é só financeira, mas na própria máquina, nos escalões administrativos. Aqui na Secretaria de Finanças os principais técnicos foram alijados da administração. Não havia política de pagamentos, que eram decididos, talvez, politicamente. É por isso que, agora, tudo recai sobre o secretário.

DINHEIRO ? Durante toda a gestão anterior se falou que existiam caixinhas no pagamento a fornecedores. O sr. descobriu situações de roubo? Há impressões digitais?
SAYAD ?
A gente ouve falar que havia caixinha, que teve corrupção, mas não é nossa tarefa investigar. Isso é para o Ministério Público e o Tribunal de Contas, aos quais prestaremos todas as informações pedidas.

DINHEIRO ? Pouco antes de sair, Pitta rebaixou a alíquota de recolhimento de Imposto Sobre Serviços (ISS) de 5% para 0,75%. Isso representa R$ 300 milhões a menos por ano. O que o sr. acha dessa medida?
SAYAD ?
Inaceitável. A alíquota do ISS foi praticamente exterminada no final do mandato. Vamos entrar com um agravo na Justiça, já que o pedido de liminar, que visava a ação direta de inconstitucionalidade, foi negado pelo presidente do Tribunal de Justiça.

DINHEIRO ? É possível fazer um comparativo entre o quadro que o sr. encontrou na administração Franco Montoro, eleito para o governo de São Paulo em 1982 para suceder Paulo Maluf, com a situação atual?
SAYAD ?
A herança que o Maluf deixou para o Montoro também era muito grave, porém menos grave que a atual por várias razões. A primeira é que a Secretaria da Fazenda foi menos afetada, estava mais organizada. E eram só quatro anos de gestão Maluf. Desta vez foram oito, quatro com ele e quatro com Pitta. Naquela época, nós tínhamos grandes dívidas, como a deixada pela Paulipetro, de US$ 500 milhões. Nós conseguimos contestar na Justiça. Agora, nossos problemas são mais espalhados.

DINHEIRO ? Como a Prefeitura vai sair dessa?
SAYAD ?
Com o nosso empenho e o crescimento da economia, que vai aumentar a arrecadação.

DINHEIRO ? O sr. concorda com a política econômica do governo federal?
SAYAD ?
De 1994 a 99, a administração da economia foi muito ruim. O preço pago pela estabilidade foi muito caro, não precisava. Só duas pessoas acham que precisava: o antigo presidente do BC e mais alguém. Então, quando se fala em saneamento financeiro da União, eu discordo. Que saneamento financeiro foi este que criou dívida sem contrapartida de ativos? Eles passaram quatro anos com superávit primário, portanto não há justificativa, a não ser a política monetária equivocada da época. Hoje, não. A situação mudou. Vamos melhorar, mas com um custo do passado e com uma imensa vulnerabilidade financeira.

DINHEIRO ? A prefeita Marta Suplicy ainda não conseguiu nenhum tipo de ajuda do governo federal. De um encontro com o ministro Paulo Renato, da Educação, saiu frustrada.
SAYAD ?
Não acho que o relacionamento com o governo federal, e nem com o governo estadual, seja difícil. Não estamos decepcionados nem abatidos com as declarações do ministro Paulo Renato, mesmo porque há um certo exagero da imprensa.

DINHEIRO ? Qual?
SAYAD ?
São Paulo não está pedindo ajuda financeira. O governo federal não é banco, nem o estadual. E nem nós somos tomadores de empréstimos. O que estamos fazendo não é pedir, mas discutir a inclusão do município em programas federais e estaduais.

DINHEIRO ? Na hora de negociar com tucanos, pertencer a um governo do PT não dificulta as coisas?
SAYAD ?
Pode ser, mas isso não nos atemoriza. Não temos nenhuma expectativa pessimista.

DINHEIRO ? Quando os programas sociais do PT, como o renda mínima, vão começar?
SAYAD ?
Este ano. Pretendemos atender pelo menos 20% da população. Em termos de valores para o programa teremos algo como R$ 60 milhões em 2001.

DINHEIRO ? E quanto aos empréstimos no exterior?
SAYAD ?
A Lei de Responsabilidade Fiscal limita a nossa capacidade de endividamento. A nossa, dos nossos filhos, netos e bisnetos. Só podemos contrair novas dívidas quando a dívida atual de R$ 18 bilhões virar R$ 8 bilhões e nós tivermos pago R$ 10 bilhões. Existem no Banco Mundial programas que não são de empréstimos, como verbas para a área de combate a corrupção, que estamos nos capacitando para aderir.

DINHEIRO ? O sr. pretende seguir carreira política?
SAYAD ?
Não vejo nenhum horizonte político nem sou filiado a partido político, o que não significa que não serei.

DINHEIRO ? É difícil trabalhar com o pessoal do PT?
SAYAD ?
Embora até petistas digam que é difícil, está sendo muito produtivo. Estou muito satisfeito e otimista.