DINHEIRO ? Como funciona a classificação de risco e a definição de notas da Standard & Poors?
DAVID BEERS ?
Os ratings, que são as notas, indicam a probabilidade de pagamento das dívidas dos países analisados. Mas esse conceito é estreito. O Brasil já reestruturou a dívida antes e por isso o rating ainda é alto. Ele se refere à probabilidade disso acontecer novamente. Mas é claro que levamos em conta avanços recentes. Analisamos indicadores como a relação entre a dívida e o PIB, o balanço de pagamentos e as contas externas. É um jogo de quebra-cabeça que precisa ser montado diariamente.

DINHEIRO ? O Brasil, hoje, encontra-se na categoria BB-. Ou seja: ainda enfrenta incertezas. Quando poderemos alcançar o grau de investimento?
BEERS ?
Essa é a pergunta que todos os membros do governo nos fazem. Não há certeza quanto a isso. Se forem mantidas as atuais políticas econômica, fiscal e monetária, isso poderia chegar dentro de três a cinco anos. Olhando para os números históricos, cerca de 77% dos países na categoria BB- chegam a um upgrade em três a cinco anos. Isso é o histórico. Não posso dizer que certamente acontecerá com o Brasil, mas é provável. Hoje, as perspectivas de o Brasil atingir o investment grade são as melhores que o país já teve. O problema que vemos é que ainda existem três áreas que o país ainda precisa aprimorar: o crescimento da economia e a sua relação com a dívida, o controle da inflação e a corrupção.

DINHEIRO ? O senhor pode detalhar isso?
BEERS ?
O Brasil precisa crescer. Para este ano prevemos um crescimento de 3%. E isso não deve mudar para os anos seguintes. A questão é que o país precisa acelerar investimentos. Isso atrairia mais dinheiro e poderia colocar o Brasil num patamar superior em menos tempo. Com relação à inflação, o Brasil tem altas taxas de juros. É claro que, hoje, pelo que conhecemos, não existem formulas mágicas e os juros têm se mostrado um instrumento eficaz nessa política. Mas, ccrescendo mais, os juros poderiam cair e a inflação se manteria num patamar aceitável.

DINHEIRO ? E a corrupção?
BEERS ?
Esse parece ser um problema endêmico. O Brasil perde muito dinheiro com a corrupção. Alem disso, organismos internacionais e até mesmo os financiadores privados são temerosos quanto à real utilização das quantias negociadas com seus parceiros locais. Acompanhei algumas pesquisas recentes e percebi que o combate à corrupção é um dos itens mais apreciados pelos eleitores. Talvez isso mude com o tempo. Talvez o Brasil se empenhe mais em lutar contra esse tipo de prática.

DINHEIRO ? O superávit primário tem sido muito criticado no Brasil. Como o senhor vê isso?
BEERS ?
Sem dúvida ele é elevado. Mesmo comparado aos outros paises com rating BB-, ele é alto. Mas isso é uma política elogiável. Qualquer esforço que se possa fazer para reduzir a incidência da dívida no PIB é visto com bons olhos. Discute-se hoje a possibilidade de aumentar o percentual. Pode ser. Talvez encurte o caminho para uma elevação no rating, mas não podemos nos esquecer dos investimentos. As pessoas costumam pensar que superávit primário não combina com investimento. Que o dinheiro que se economiza vem diretamente do cofre de investimento. Não é bem assim. Dá para conciliar as duas coisas se ambas forem bem feitas.

DINHEIRO ? Muitos economistas dizem que o Brasil tem perdido a chance de se firmar no cenário mundial e que o período de prosperidade está acabando. O senhor concorda com isso?
BEERS ?
O Brasil tem um conjunto forte em comparação a outros países situados no mesmo rating. As reservas internacionais continuam subindo, as exportações mostram um fôlego extraordinário e a política fiscal tem sido conduzida com uma austeridade invejável. Ao que me parece, o ministro Antonio Palocci tem conseguido afirmar sua posição sobre a necessidade de combater gastos desnecessários. Infelizmente, temos visto que o dinheiro que é liberado não tem sido utilizado. E aí voltamos ao ponto dos investimentos essenciais, que todo governo é obrigado a realizar. Quanto ao cenário mundial, é verdade que a maré de prosperidade tende a diminuir. Mas não acho que o Brasil esteja perdendo o rumo. Os títulos brasileiros têm tido uma ótima aceitação no mercado e em todos os círculos econômicos a política econômica tem sido louvada. O próprio secretário do Tesouro americano John Snow teceu comentários elogiosos sobre a habilidade de Palocci.

DINHEIRO ? Mas o ministro tem sofrido uma série de acusação de corrupção. Sua saída seria muito ruim?
BEERS ?
Ouvi uma frase do ministro que traduz exatamente o que penso. Não é um homem quem faz a política econômica, mas um governo. Por mais que ele possa sair, não haverá, na nossa visão, uma mudança relevante.

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“Palocci pode até sair, mas não vejo a política econômica mudando muito depois disso”

 

DINHEIRO ? Mas e o próximo governo?
BEERS ?
Sempre que as eleições se aproximam há uma turbulência. Mas acreditamos que as linhas mestras de um modelo econômico bem sucedido já foram estabelecidas no Brasil. Acho que hoje, para os brasileiros, talvez não seja tão óbvio por conta dos recentes escândalos políticos ou pela realização das eleições no ano que vem, mas já há um consenso sobre a política econômica. De qualquer forma, é elogiável a alternância de poder. Mostra que a democracia está bem fundamentada. É provável que tenhamos um tremor normal no mercado com a proximidade das eleições, mas não creio mais numa mudança radical. Nem o mercado acredita nisso.

DINHEIRO ? Poderemos ter uma elevação do rating, já que recebemos uma elevação da perspectiva de estável para positiva, até as eleições?
BEERS ?
É até possível, mas acho improvável. Levamos cerca de um ano e três meses para traduzir a melhora da perspectiva numa elevação do rating.

DINHEIRO ? O Brasil é vulnerável a choques externos?
BEERS ?
A grande mudança na economia brasileira nos últimos anos ocorreu nas contas externas. As necessidades brutas de financiamento externo são similares às dos países considerados mais seguros, assim como a dívida externa líquida do setor privado. Apesar disso, ainda há, sim, uma dúvida importante sobre como o país vai reagir a um cenário internacional mais adverso. É algo que ainda não podemos prever. De qualquer modo, o grande trunfo do Brasil vem do setor externo, que assistiu a uma reversão de um déficit em conta corrente de US$ 33,5 bilhões em 1998 para um superávit de US$ 15 bilhões.

DINHEIRO ? A S&P prevê que o Brasil tenha uma relação dívida/PIB pouco abaixo dos 50% no ano que vem. Ainda é alta. O que pode ser feito para reduzi-la?
BEERS ?
Não nos colocamos na posição de conselheiros. Não quero dizer o que o Brasil tem de fazer. Mas, como analista, acho que os governos têm de fazer escolhas e elencar suas prioridades. A resposta é clara: precisam ter altas taxas de superávit primário. Não existe outra forma de reduzir essa proporção. A não ser que o PIB cresça.

 

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“A Rússia tem um risco menor do que o Brasil porque zerou a sua dívida”

 

DINHEIRO ? E o que pode ser feito nesse sentido?
BEERS ?
O Brasil é um país marcado pela alta carga tributária. Isso afugenta investidores e inviabiliza projetos internos. O mercado de trabalho também precisa ser revisto. Vocês têm duas reformas engatilhadas, mas que estão paradas por falta de consenso político: a tributária e a trabalhista. Acho que o país deveria vir em primeiro lugar. Outra questão é a infra-estrutura. O Brasil ainda paga muito caro pela falta de logística. Sinceramente, não sei dizer como o Brasil tem conseguido recordes na exportação com uma malha logística tão ruim como a atual. As taxas de juros também inviabilizam esse fortalecimento da economia. Infelizmente, inflação não pode ser combatida com inflação. Não há, no mundo, outro remédio que não seja o das taxas de juros. Se vocês encontrarem algum, por favor, nos avisem.

DINHEIRO ? É difícil entender como o Brasil pode ter um rating pior que a Rússia, que decretou uma moratória recentemente. Como se explica isso?
BEERS ?
Você sabe o que eles fizeram depois da moratória? Aumentaram o superávit primário para mais de 8%! Passaram a pagar cada centavo da dívida que tinham. Reverteram todos os royalties obtidos com o petróleo para isso. Você sabia que, no próximo ano, eles terão a sua dívida zerada? Qual investidor não vai procurar um mercado como esse? É claro que o rating deles tem de subir! Há uma confiabilidade baseada em atitudes pregressas. A Venezuela, que tem um rating B+, é um exemplo ao contrário. Ela se beneficiou das mesmas altas do petróleo, mas preferiu fazer outras coisas com o dinheiro.

DINHEIRO ? E a Nigéria?
BEERS ?
Não analisamos o rating da Nigéria. O que acontece é que eles têm um risco-país menor que o do Brasil. Mas para entender isso, só com o pessoal da JP Morgan, que é o banco que produz as análises de risco para o mercado. Eu, pessoalmente, digo que lidamos com um processo mais delicado, mais primoroso nas análises econômicas e nos fundamentos de cada país. É um processo relativamente demorado. A análise de risco de mercado é mais ágil. Ela precisa ser direcionada diariamente ao investidor. Por isso ela é feita com base na movimentação dos títulos negociados no mercado internacional. São processos distintos.

DINHEIRO ? Mas é justamente essa distinção que leva a quadros curiosos como o do Brasil e da Argentina.
BEERS ?
No nosso rating, a Argentina está na categoria B- com leve perspectiva C. São três degraus abaixo do Brasil, que tem um rating BB- e tudo caminha para chegar ao grau de investimento BBB. Na análise de risco-país, no entanto, a diferença entre os dois é de cerca de 15 pontos. Realmente, isso confunde. Mas, repito, nosso processo é baseado numa análise estrutural da dívida, da capacidade do seu pagamento e da perspectiva de manter os fundamentos econômicos. Não se pode dizer, como andam dizendo aqui no Brasil, que se deveria seguir o mesmo caminho da Argentina e entrar num default. A economia argentina está crescendo a taxas de 7%, 8%? Verdade. Mas nem assim eles conseguiram eqüalizar o quadro de dez anos atrás. No ano que vem, eles voltarão ao patamar em que se encontravam em 2000. Não se pode dizer que seis anos de estagnação não signifiquem nada. O Brasil caminha para uma elevação no rating que a Argentina ainda vai demorar muito para alcançar.