DINHEIRO ? O sr. assume o cargo após a saída de seu antecessor, Emerson Kapaz, apontado como integrante da Máfia dos Sanguessugas, que desviava recursos da Saúde. Isso aumenta a sua responsabilidade à frente de uma ONG que luta exatamente pela ética?
ANDRÉ FRANCO MONTORO FILHO
? Pode aumentar ou não. Mas o fato é que esse episódio foi um acidente de percurso na história da entidade. O Kapaz se desligou do cargo assim que o escândalo veio à tona, o que foi bom para ele e para a entidade. Na minha avaliação, isso não prejudicou em nada a credibilidade do ETCO.

DINHEIRO ? Mas um problema dessa magnitude arranharia a imagem de qualquer corporação. Não é pior quando envolve um instituto dedicado a promover as boas práticas de cidadania?
MONTORO FILHO
? Não é essa a minha percepção. As pessoas com as quais conversei não fizeram qualquer restrição à ONG. Enfrentamos uma situação delicada, mas que não chegou a contaminar nem o trabalho muito menos a imagem do ETCO.

DINHEIRO ? O sr., então, descarta a possibilidade de fazer uma campanha de esclarecimento, dirigida aos formadores de opinião ou à sociedade em geral?
MONTORO FILHO
? Isso não é necessário porque, repito, esse assunto está totalmente superado. Os princípios, as idéias e a missão do instituto sobrevivem às pessoas.

DINHEIRO ? O ETCO defende a livre concorrência, mas reúne empresas que têm posição dominante no mercado (Souza Cruz, Ambev e Coca-Cola), comumente acusadas de adotar práticas desleais. Isso não é um contra-senso?
MONTORO FILHO
? Nosso trabalho não sofre qualquer interferência dos fundadores. Na minha avaliação, o debate sobre posição dominante fazia mais sentido nas décadas de 50 e 60. Com a abertura da economia, a competição passou a ser global, reduzindo o poder de algum grupo manipular o mercado. Além do mais, todas as empresas ligadas ao instituto têm sua atividade submetida à fiscalização dos órgãos que controlam a concorrência.


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“É lamentável que muitos brasileiros achem normal comprar produtos falsos”

 

 

DINHEIRO ? Mas os distribuidores da Ambev já acusaram a empresa de usar seu poder para intimidá-los. Isso não é uma prática nociva?
MONTORO FILHO
? Se a Ambev ou qualquer uma das associadas tiver um comportamento que fira os princípios legais, não apenas o ETCO mas eu também serei contra. Mas quem tem de apurar isso é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica e a Secretaria Nacional de Direito Econômico.

DINHEIRO ? Desse modo não passa para a sociedade a impressão de que o ETCO se guia pelo dito popular segundo o qual casa de ferreiro espeto de pau?
MONTORO FILHO
? Acredito que não. Primeiro porque nossos associados atuam sob as regras vigentes. A própria criação da Ambev passou pelo crivo das autoridades e foi considerada legal do ponto de vista da concorrência. São companhias que agem absolutamente dentro da lei. E, caso cometam alguma infração, elas devem ser penalizadas. Isso vale para qualquer um. O fato de existirem denúncias ou alegações não significa que uma determinada empresa é de fato culpada. Sou partidário do princípio jurídico segundo o qual todos são inocentes até que se prove o contrário.

DINHEIRO ? E o que falta para o Brasil ser mais ético?
MONTORO FILHO
? Infelizmente falta muita coisa. Nosso foco aqui no instituto é o respeito à legislação tributária, trabalhista e previdenciária. O não pagamento de impostos e práticas como contrabando, adulteração de produtos e pirataria geram uma concorrência desleal que precisa ser combatida.

DINHEIRO ? Muitas empresas alegam que a teia tributária e fiscal é tamanha que induz à informalidade. O sr. concorda?
MONTORO FILHO
? É consenso entre os patrocinadores do instituto que a sonegação e a informalidade que existem no Brasil são decorrência de diversos fatores: carga tributária elevada, ineficiência do setor público e burocracia. Tudo isso acaba funcionando como um incentivo para que determinadas empresas caiam na ilegalidade. Com a redução da carga tributária poderíamos melhorar esse quadro. Contudo, eu acho que apenas isso não basta. Precisamos avançar na questão central que é a promoção da ética no sentido mais amplo.

DINHEIRO ? Por que o brasileiro médio considera normal adquirir produtos piratas e até mesmo roubados?
MONTORO FILHO
? Trata-se de um aspecto que é objeto de análises e estudos de escritores como Mário de Andrade, autor de Macunaíma, e economistas do calibre de Celso Furtado, que faz uma comparação entre a colonização do Brasil e dos Estados Unidos. Na visão de Furtado, a diferença está no fato de os americanos terem montado um Estado destinado a proteger e servir o cidadão. Enquanto por aqui, o governo sempre foi visto como um ente opressor e saqueador. Seja como for, é lamentável que isso aconteça.

DINHEIRO ? Seria, então, uma espécie de vingança do cidadão em relação ao status quo?
MONTORO FILHO
? Não sei se vingança é um termo apropriado. Mas claramente não vemos retorno dos recursos que repassamos ao Estado na forma de impostos. Também uma questão importante, que nos difere dos EUA e dos países da Europa, é que muitos brasileiros insistem em tomar carona no esforço alheio. Falo daquele sujeito que sonega deliberadamente para ter custo menor que os concorrentes, sabendo que mesmo sem pagar impostos ele continuará tendo acesso aos serviços de saúde, segurança e educação. Daí a importância de haver punições para aqueles que infringem a lei.

DINHEIRO ? Quais os prejuízos que as práticas desleais causam à sociedade?
MONTORO FILHO
? Somente nos setores de bebidas, fumo, fármacos e combustíveis os governos municipal, estadual e federal deixam de arrecadar entre R$ 8 bilhões e R$ 10 bilhões por ano. Apenas para efeito de comparação, esse montante equivale a tudo que a União dispõe para investir anualmente. Sem contar, é claro, prejuízos indiretos importantes como a piora do ambiente de negócios, que resulta no desestímulo a novos investimentos privados.

DINHEIRO ? Quais vitórias o ETCO conseguiu nesses cinco anos de existência?
MONTORO FILHO
? Participamos de esforços importantes como a instalação dos medidores de vazão nas empresas de bebidas. Isso teve impacto na arrecadação de impostos porque fez com que as empresas recolhessem o tributo sobre a produção efetiva. Outro item de destaque é a Nota Fiscal Eletrônica, usada por empresas de vários setores no Rio Grande do Sul, Ceará e São Paulo, por exemplo. É um instrumento que também reduz o custo da papelada para as corporações.

DINHEIRO ? O governo é frouxo no combate à sonegação?
MONTORO FILHO
? Mais do que frouxo, eu diria que o problema é que ele dispõe de uma estrutura arcaica. Precisamos de mecanismos inteligentes de arrecadação como a Nota Fiscal Eletrônica e o contribuinte substituto, que é quando uma grande empresa concentra o pagamento de impostos por toda a cadeia produtiva. E já existem avanços tecnológicos que permitem colocar em prática essas idéias.

DINHEIRO ? E qual seria o principal entrave à modernização da administração pública, a falta de vontade política?
MONTORO FILHO
? Acho que existem focos de resistência no Executivo, no Legislativo, no Judiciário e no Ministério Público. Em boa parte trata-se do medo de que a modernização reduza a importância de determinados setores. Também tem a ver com um componente da natureza humana que é a aversão à mudança. É por isso que defendo o envolvimento da população nessa luta. Afinal, todos nós pagamos a conta de serviços pouco eficientes prestados pelo governo.

DINHEIRO ? Como economista e ex-presidente do BNDES, como o sr. avalia o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado pelo governo?
MONTORO FILHO
? Sou do tipo que não acredita em pacotes. O que falta ao governo é disposição para o trabalho e capacidade de tocar a máquina com mais eficiência. Isso é que vai fazer o País crescer. O desenvolvimento é uma briga que se ganha no dia-a-dia, se aliando a gente competente, dedicada e honesta.


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“Para o PIB crescer 5%, como quer Lula, basta não fazer muita besteira”.

DINHEIRO ? Nesse cenário, é factível que o PIB cresça na faixa dos 5% ao ano como quer o presidente Lula?
MONTORO FILHO
? Isso depende em grande medida do mercado internacional. Se as condições continuarem favoráveis, o Banco Central poderá seguir baixando os juros. Com o câmbio estável, a inflação ficará no patamar atual. A partir daí, se não houver uma farra de gastos, a economia crescerá naturalmente. Sem a necessidade de qualquer pirotecnia. Basta não fazer besteira.

DINHEIRO ? E o que trava o crescimento do País?
MONTORO FILHO
? Posso citar a burocracia e a permanente mudança de regras que faz com que tenhamos uma carga tributária elevada e uma arrecadação ineficiente. E é uma pena que nada disso tenha sido contemplado no PAC. Também lamento que o combate à sonegação tenha ficado de fora.

DINHEIRO ? Recentemente, o músico Dado Villa-Lobos se disse uma vítima da pirataria, mas confessou que baixava música na internet sem pagar. A rede prejudica ou ajuda no combate à pirataria?
MONTORO FILHO
? Ela pode ser uma grande aliada, mas também uma vilã. Daí a necessidade de as pessoas terem consciência de seus atos. Também é preciso adotar mecanismos legais que inibam essas práticas, punindo os desvios e premiando o bom comportamento.

DINHEIRO ? Muita gente no Brasil tem dúvida, vale a pena ser ético?
MONTORO FILHO
? Sempre vale. Até porque, no mínimo, pode-se colocar a cabeça no travesseiro e dormir.