No primeiro ano do novo governo federal no Brasil, tivemos duas importantes reformas: o Arcabouço Fiscal e a Reforma Tributária, cuja primeira parte, referente ao consumo de bens e serviços, já foi votada e aprovada. Foram conquistas importantes, já que o primeiro ano de qualquer novo governo geralmente é o que traz mais capital político.

A atividade econômica do Brasil vem surpreendendo nos últimos quatro trimestres. No início de 2023, o consenso do mercado era um crescimento de 0,5% do PIB; esse mesmo consenso cresceu para 2,9% atualmente. Para 2024, esperamos que o PIB cresça 1,4%, mas com uma composição diferente, muito mais concentrada em gastos públicos e menos em consumo e investimento, pois com o aumento dos impostos, a renda disponível cai reduzindo as variáveis. A inflação também foi uma surpresa positiva em 2023. No início do ano, o consenso do mercado era de que a inflação ao consumidor girasse em torno de 6%. Fechou em 4,62%. Em 2024, devemos ver o processo de desinflação continuar, e como consequência, nossa previsão de inflação para o fim do ano é de 3,9%, ainda acima do centro da meta do Banco Central (BC).

O principal desafio para o cenário deste ano é a meta fiscal. O governo pretende equilibrar o orçamento apenas aumentando receitas, sem cortar despesas. O problema com essa estratégia é que as receitas não são fáceis de prever, pois dependem do nível de atividade da economia e outras variáveis que não estão sob o controle do governo. A expectativa é que o déficit primário (receitas menos despesas, excluindo despesas com juros) seja de 2% em 2023. Para 2024, o desejo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é obter déficit primário de 0%. O mercado, no entanto, o mercado estima em 1% de déficit. A condição de sustentabilidade da dívida pública estabelece que o montante dela não pode ser superior ao valor presente de todos os superávits primários futuros, ao longo de um determinado período. Nesse sentido, a geração de superávits primários é fundamental para garantir que tal condição seja satisfeita.

O atual déficit orçamentário impõe um limite para onde o BC pode chegar em termos de taxa de juros. Do lado positivo, a inflação mais baixa deve permitir que a flexibilização da política monetária continue. Por outro lado, a continuação dos déficits fiscais e o aumento da dívida em relação ao PIB impõem uma taxa de juros neutra mais alta. Vemos a atual taxa real neutra em torno de 4,5%, já considerando os desafios do lado fiscal. Supondo que a inflação fique (em 3,9%) acima do centro da meta, a taxa básica de juros nominal (Selic) pode chegar a um patamar de 8% em 2024. Se o processo de desinflação for interrompido por qualquer motivo, ou se a situação fiscal se deteriorar ainda mais, a Selic poderá interromper o processo de queda e terminar em torno de 9,5%.

Quanto ao desempenho da Bolsa em 2024 esperamos um ano bastante positivo por três motivos.
• Primeiro é o fato de que o Brasil é um dos mercados emergentes com empresas bastante sólidas e ainda muito baratas para o padrão internacional.
• O segundo motivo é a expectativa da continuidade do boom de Nasdaq, S&P500 e do mercado acionário americano.
• O terceiro motivo é relacionado à queda de juros doméstica, que deve favorecer a Bolsa, sobretudo os setores cíclicos (que acompanham o ciclo econômico, como o varejo). E vale mencionar que o diferencial positivo de juros em relação aos EUA (de cerca de 3% em termos reais) favorece a entrada de dinheiro no Brasil que é alocada em renda variável.

Muito embora o país tenha diversos problemas, a situação para 2024 é alentadora. Tudo mais constante, esperamos a continuidade da Reforma Tributária sobre os rendimentos e sua aprovação ao longo deste ano. Importa perceber que a queda da inflação se deu devido à subida de juros implementada pelo BC desde março de 2021. A independência do BC foi fundamental para garantir a continuidade do processo, mesmo com um presidente da República que se mostrou contrário a tal política. Em final de 2024, termina o mandato do atual presidente do BC. A escolha do novo presidente da instituição deverá ser a chance para Lula mostrar ao mercado que está comprometido com a estabilidade econômica. De outro modo, será interpretado que ele colocou um aliado no BC que seguirá suas ‘sugestões’ nos dois últimos anos de mandato, devendo assim, inflacionar a economia para garantir a reeleição. Em resumo, antes de olhar o cenário externo é preciso olhar para dentro.

Vitoria Saddi, PhD em economia pela University of Southern California, é estrategista da SM Futures. Atuou como economista-chefe da Roudini Global, do Citibank, da Queluz Asset e do Salomon Brothers