Serviço de internet via satélite é fundamental para o esforço de guerra da Ucrânia. Bate-boca entre Trump e Zelenski elevou temor entre ucranianos de que Musk possa bloquear acesso do país.A Rússia passou a sistematicamente destruir a infraestrutura ucraniana, incluindo o fornecimento de eletricidade e internet, logo após o início da invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022.

A ajuda para os ucranianos veio do espaço: já em março de 2022, logo após os primeiros ataques russos, o então vice-primeiro-ministro ucraniano, Mykhailo Fedorov, pediu via Twitter (hoje conhecido como X) ao empresário Elon Musk para desbloquear seus satélites da Starlink para a Ucrânia. Musk respondeu, também via Twitter: “A Starlink está ativa, sistemas de recepção adicionais estão a caminho”.

Desde então, esse serviço de internet via satélite fornecido pela empresa SpaceX, de Musk, tem sido um pilar central para o esforço de defesa da Ucrânia. A Starlink é usada sobretudo por drones ucranianos, mas também por aplicativos para comunicação ou para identificação de alvos que fazem uso da internet.

Mas já em setembro de 2022 a confiança dos ucranianos em Musk sofreu um profundo abalo. Em meio ao primeiro ataque ucraniano de drones contra a frota russa do Mar Negro na Crimeia, o contato de rádio com todos os drones caiu repentinamente, e o contra-ataque falhou. Um ano depois, descobriu-se que o próprio Musk havia ordenado aos engenheiros da Starlink que desligassem o sistema.

Musk ainda mais poderoso

A liberação de uso da Starlink para a Ucrânia ocorreu por meio de mensagens no X (então ainda chamado Twitter), sem qualquer debate público e sem qualquer controle pelo Parlamento ucraniano.

Hoje Musk é um assessor do presidente americano, Donald Trump, e tem poderes muito mais amplos do que então. Ao mesmo tempo, não está sujeito a qualquer controle parlamentar direto nos EUA. A Starlink lhe pertence, e é ele quem decide qual uso fará desse sistema de satélites.

Não se pode nem mesmo descartar que, em algum momento, ele decida vender o Starlink para quem pagar mais. Esse sistema de comunicações via satélite, estrategicamente importante para a Ucrânia, poderia cair em mãos erradas, por exemplo, as de Estados totalitários ou inimigos.

Relatos na imprensa internacional de que a Starlink seria desligada se a Ucrânia não assinasse o acordo com os EUA sobre minerais – publicados antes do bate-boca entre os presidentes Volodimir Zelenski e Donald Trump na Casa Branca – foram chamados de mentiras por Musk.

Caro e com disponibilidade limitada

Seja como for, a Ucrânia e seus aliados estão buscando ativamente alternativas militarmente viáveis ao sistema de Musk. Mas os sistemas de comunicação via satélite fornecidos pela Suécia e pela Alemanha não conseguem preencher a lacuna que um desligamento da Starlink criaria.

No entanto, considerações econômicas também podem desempenhar um papel nas decisões de Musk. Ele investiu muito na rede Starlink e não quer assustar possíveis interessados em usá-la.

Só cerca de 4 milhões de pessoas usam a Starlink em todo o mundo. O serviço está disponível na América do Norte, na América do Sul, na Europa, em partes da África Subsaariana, no sul da África, em alguns países asiáticos, na Austrália e na Nova Zelândia – ou seja, não exatamente em áreas estruturalmente fracas, onde a internet via satélite é realmente necessária.

A atual disponibilidade provavelmente se explica com os elevados custos da internet via satélite da Starlink: no Brasil, só a antena custa R$ 2.000. E a taxa de uso mensal começa em R$ 184, sem os impostos, segundo o site da empresa.

Clientes de grande porte da Starlink, como Polônia, Itália, Indonésia e Groenlândia, estão cada vez mais desconfiados da confiabilidade do sistema, que é sujeito aos humores do seu proprietário.

No caso da Ucrânia, é possível imaginar um cenário em que a disponibilidade da Starlink seja gradualmente restringida, inicialmente para áreas menos sensíveis aos esforços de guerra, como o uso civil, depois para partes das comunicações militares e, finalmente, para uso na linha de frente, até o governo ucraniano ceder à pressão dos EUA.

Como funciona a Starlink?

A Starlink cria um acesso à internet transportando dados via laser, à semelhança de um cabo de fibra óptica. Só que essa transferência ocorre entre satélites. Para esse propósito, Musk vem há anos construindo uma rede de satélites.

Até 31 de janeiro de 2025, a empresa espacial de Musk, a SpaceX, já havia lançado um total de 7.770 satélites da Starlink em órbita baixa da Terra. O objetivo é expandir a rede para até 42 mil satélites.

Para receber os dados transmitidos pelos satélites é necessário um dispositivo receptor no solo, que atua como um roteador e faz a conexão com o satélite mais próximo. O receptor alinha automaticamente a antena receptora, que é semelhante a uma antena parabólica de TV, a um satélite disponível e a conexão com a internet é estabelecida.

A internet via satélite é relativamente fácil de usar. A rapidez é impressionante. Os satélites da Starlink orbitam a Terra a uma altitude que varia de 328 a 614 quilômetros, o que é significativamente menor do que os satélites dos concorrentes.

Os satélites da atual líder de mercado, a Hughesnet, orbitam a Terra a uma altitude de 35 mil quilômetros. Como consequência, a transmissão de dados é cerca de dez vezes mais demorada do que com a Starlink.

Órbita terrestre entupida de satélites

Claro que todos esses satélites entopem a órbita terrestre. Em novembro de 2024, eles eram mais de 13 mil. Destes, cerca de 8.600 pertencem aos EUA.

A rede completa da Starlink deverá ter até 42 mil satélites. Isso também coloca em risco outros satélites e ainda dificulta as observações astronômicas a partir da Terra.

Os satélites da Starlink já estão sendo responsabilizados pela maioria das quase colisões com outros satélites. E quando um satélite muda automaticamente sua trajetória para evitar uma possível colisão, isso pode desencadear uma reação em cadeia fatal.

Outro problema é a vida útil relativamente curta dos satélites Starlink, que param de funcionar após cerca de cinco anos. Mesmo que eles queimem e se desintegrem em grande parte ao reentrarem na atmosfera da Terra, novos satélites precisam ser constantemente lançados ao espaço para evitar lacunas na rede.