A busca é feita pelo cheiro, pelo olhar atento que percorre a superfície da lama fétida, em busca de algum sinal de corpo humano, ou do que restou dele. Os brigadistas apontam para algo no meio do barro. Acompanho de longe, ao lado da casa engolida pelo rejeito. Dali, não consigo ver nada além de entulho. “É um corpo. Vamos até lá”, diz um deles. Na equipe, são 11 brigadistas em ação. Dois deles entram no mato e voltam carregados de galhos para lançar sobre o barro mole. Fazem uma ponte improvisada até o que parece ser parte de alguém.

Um brigadista se volta para mim. Penso que serei expulso. A área foi isolada e não há mais ninguém ali. Ele pede ajuda. “Ei, você, me dá essa madeira aí no canto, rápido”, diz, apontando um pedaço da porta que restou de um guarda-roupas. Entrego a madeira. Eles a lançam sobre o barro.

Caminhar na lama ainda é impossível. Dois dias após a enxurrada de rejeitos da barragem varrer o Córrego do Feijão, o barro ainda segue mole. Um passo em falso e você afunda até as canelas, sem conseguir sair. Para a equipe de brigadistas, na região o limite do salvamento são cinco, seis metros lama adentro. “Qualquer coisa além disso é risco de não conseguir voltar”, diz um deles. “Procuramos sobreviventes, sempre. Mas aqui, a verdade é que estamos nos guiando pelo cheiro dos corpos ou pelo o que conseguimos ver.”

Andando sobre as madeiras, chegam ao que seria um corpo. É. Com luvas, um deles se abaixa e passa a recolher os órgãos de alguém. Vísceras, estômago, fígado. Roupa. Em fila indiana, passam de mão em mão o que encontraram e depositam sobre uma manta metálica.

Recolhem o material e somem na mata. O deslocamento de vítimas achadas perto de estradas é feito por ambulâncias. Em áreas mais remotas, há apoio de helicópteros, que não param de cruzar o céu. Olho para o horizonte do mar de lama. Ao longe, nos cantos da vegetação, é possível ver mais mantas metálicas espalhadas, aguardando para serem recolhidas. “É melhor você ir agora”, me diz um dos brigadistas. “Essa região ainda não está segura e foi isolada. O solo ainda está muito movediço.”

Me despeço e saio pela mata. Toda a área foi cercada pela polícia e a entrada pelas estradas está proibida. Meu acesso à equipe de brigadistas se deu casualmente, quando entrei por uma estrada de terra que seguia até o Rio Paraopeba, outra vítima da catástrofe. Sítios e chácaras que não foram inundados estão vazios, com portas trancadas. A polícia ronda a região, por causa de saques.

Uma dessas casas é a chácara “Recanto Feliz”, número 126, bem na beira da estrada interditada pelo mar de rejeitos. Sobraram sinais da felicidade. Brinquedos de crianças largados no sofá. Na pia, louça suja de almoço feito dois dias atrás. Na varanda, uma casinha de madeira para as crianças com vista para o que era o córrego. Não há mais vista. Nem crianças. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.