Em um canto remoto da Amazônia, ecologistas brasileiros estão tentando ter sucesso onde a falta de governo se mostrou desastrosa. Eles estão administrando uma área protegida de forma a acolher tanto a população local quanto os cientistas envolvidos na preservação da maior floresta tropical do mundo.

A meta é ambiciosa: opor-se às forças que destruíram 10% da floresta em menos de quatro décadas para criar algo que possa ser reproduzido em outras partes da Amazônia.

Tudo começou com uma expedição de quatro meses ao longo do rio Juruá, em 2016. Os pesquisadores visitaram cerca de 100 comunidades que, à primeira vista, pareciam semelhantes: fileiras de casas de madeira sobre palafitas perfiladadas nas margens do rio e de lagos. Mas eles ficaram impressionados pelo contraste nas condições de vida.

Para entender o que eles viram, é importante saber que 29% da Amazônia, uma área com mais do dobro do tamanho do estado de Minas Gerais, são terras públicas não destinadas ou terras sem informação disponível, segundo um estudo do Imazon – Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia.

Essas áreas têm se mostrado as mais vulneráveis ao desmatamento. Os grileiros expulsam as comunidades tradicionais de suas terras e depois desmatam, na esperança de serem reconhecidos como proprietários pelo governo, o que frequentemente acontece.

“É muito desigual. Tem (a Reserva Extrativista) Médio Juruá, uma potência, e tem áreas do Rio Juruá que parece que estão 40 anos atrás”, disse à Associated Press o ecólogo tropical João Vitor Campos-Silva.

Os pesquisadores sabiam que o trecho do rio conhecido como Médio Juruá, próximo à cidade de Carauari, tem uma organização social impressionante, e que as pessoas fazem o manejo sustentável da pesca e da extração de produtos da floresta, como o açaí. A designação da terra aqui é “reservas extrativistas”, áreas protegidas onde os moradores têm autorização para pescar, extrair produtos não madeiráveis e fazer alguns cultivos.

Fora dessas reservas, porém, em muitos lugares, as pessoas recebem ordens de proprietários de terra autoproclamados, segundo Campos-Silva. Comunidades inteiras são impedidas de ter acesso ao lagos até mesmo para pescar e alimentar suas famílias. Os ribeirinhos não são donos da terra, e não sabem quem é.

“Começamos a pensar que talvez fosse interessante um modelo de conservação baseado em escala de bacia”, onde as comunidades pudessem coletar produtos florestais, pescar, e proteger a floresta, em vez de se mudar para a cidade ou recorrer a atividades ilegais, como a extração não autorizada de madeira ou a sobrepesca.

Elas então criaram a organização sem fins lucrativos Instituto Juruá e adquiriram 13km de terreno de floresta ao longo do rio Juruá. A área abriga 20 lagoas, algumas delas com bom potencial para criação do valioso pirarucu, o maior peixe de água doce com escamas do mundo, que pode pesar até 200kg.

O objetivo, diz Campos-Silva, é promover a ciência de alta qualidade, baseada na atuação coordenada com as pessoas da região.

No entorno das terras do Instituto há 12 comunidades de ex-seringueiros. Eles são chamados de ribeirinhos, para diferenciá-los dos povos indígenas.

No passado, a possibilidade de ganhar a vida com as seringueiras atraiu seus antepassados para a Amazônia. Atualmente, sua principal fonte de renda é o pirarucu. O controle da pesca se mostrou sustentável, revivendo uma espécie que estava em declínio e gerando renda sem necessidade de desmatar a floresta, com tudo que isso representa para a perda de biodiversidade.

A floresta amazônica cobre uma área com o dobro do tamanho da Índia, armazena imensas quantidades de carbono e é uma proteção crucial contra as mudanças climáticas. Impulsionado pelos grileiros, o desmatamento atingiu recentemente a maior alta em 15 anos, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que deixou o cargo em janeiro. A destruição na Amazônia oriental foi tão extensa que ela se tornou uma fonte de carbono, em vez de um sumidouro de carbono.

Para envolver as comunidades ribeirinhas na governança, o instituto criou um comitê gestor e lançou uma série de audiências públicas chamadas “comunidade dos sonhos”, onde as pessoas podiam priorizar as melhorias que mais desejavam.

Para evitar possíveis preconceitos de gênero e idade, eles trabalharam em três grupo: mulheres, homens, e jovens, conta Campos-Silva.

A presidente da associação comunitária ribeirinha, Fernanda de Araújo Moraes, diz que o principal objetivo é evitar que os ribeirinhos se mudem para as cidades amazônicas, onde o desemprego é grande entre os trabalhadores menos qualificados e a violência é generalizada em razão do narcotráfico.

Em sua comunidade de Lago Serrado, onde 12 famílias moram em palafitas, homens e mulheres listaram o fornecimento de energia 24 horas por dia como maior prioridade. Atualmente, só há energia durante três horas por dia. Os jovens escolheram treinamento de pesca.

Moraes acredita que esse tipo de colaboração seja o caminho mais rápido para o progresso. “Queremos melhorar a vida das pessoas, e o Instituto quer a mesma coisa”, disse ela, sentada no chão de sua casa, cuidando da filha pequena. O governo, segundo ela, nem sempre está de acordo.

“Isso é uma coisa que não existe para nós aqui na Amazônia, no Brasil, não existe em lugar nenhum. Se der certo, e vai dar, chamará a atenção de muita gente”, disse o morador José Alves de Morais, em uma entrevista à beira do lago, atrás da comunidade.

Morais é um dos monitores da lagoa, vigiando invasores que possam pegar peixes ou cortar árvores. Sua família espera participar da gestão de pesca do pirarucu do Instituto, que aguarda aprovação federal.

Na frente científica, o Instituto construiu um flutuante e uma casa de madeira para que até 20 pesquisadores possam passar temporadas no rio Juruá. Um deles está estudando o macaco uacari. Outros estão pesquisando o que torna os arranjos sociais bem-sucedidos na região. Eles criaram um programa chamado Cientistas da Floresta, que ensina alunos do ensino médio a fazer coleta de campo e sistematização de dados, e preparar relatórios.

A iniciativa é liderada por Carlos Peres, nascido no Pará e professor de ecologia de conservação tropical na Universidade de East Anglia, no Reino Unido. Em abril, esse trabalho, que começou como um experimento, recebeu reconhecimento de uma organização suíça sem fins lucrativos: ele e outros três cientistas receberam o prêmio Frontiers Planet, que vem acompanhado de US$1,1 milhão (R$5,5 milhões). O dinheiro será reinvestido no projeto, que já recebeu apoio da organização Synchronicity Earth, da National Geographic e da Rolex, por meio da iniciativa Perpetual Planet Project.

O estudo vencedor usou dados coletados durante a viagem de 2016. Realizado em coautoria com Campos-Silva e outros pesquisadores, ele descobriu que as comunidades que vivem dentro das áreas protegidas desfrutam de melhor acesso a saúde, educação, energia elétrica e saneamento básico, além de renda mais estável, que as comunidades nas áreas não destinadas. Descobriram ainda que apenas 5% dos adultos dentro das áreas protegidas desejam se mudar para uma cidade, em comparação com 58% dos adultos nas áreas sem proteção.

O artigo defende que, em países tropicais com recursos limitados, é possível alcançar a conservação e beneficiar comunidades locais ao mesmo tempo, colocando mais poder em suas mãos.

Peres, o diretor científico do Instituto, diz que espera inspirar soluções em toda a região amazônica, ao integrar saberes tradicionais com a ciência dos modelos ocidentais.

“Não temos todas as respostas”, diz. “Mas pelo menos temos a ousadia de tentar avançar em varias questões.”