15/05/2024 - 11:07
Empresas europeias e dos EUA dominaram por décadas o mercado brasileiro. Hoje é a indústria chinesa que avança a passos largos. Para o Brasil, isso é vantajoso. Para a Europa, um problema.Observar o trânsito nas ruas brasileiras surpreende: há meros dois anos, carros chineses eram uma raridade. Hoje eles estão por todos os lados e em todas as variantes – dos modelos luxuosos aos populares, e nas versões elétrica, híbrida ou com motor de combustão.
As montadoras da China entraram em ritmo acelerado no mercado brasileiro de carros elétricos, deixando para trás as fabricantes de automóveis da Europa e da América do Norte, que por muitos anos ocuparam uma posição dominante no Brasil.
E isso não vale só para a indústria automobilística: as empresas chinesas também estão ocupando posições-chave em hidrogênio verde, na geração de energia limpa, na digitalização, nas telecomunicações e na pesquisa e desenvolvimento (P&D).
A China está seguindo uma nova política de investimentos no Brasil, garante o think tank Diálogo Interamericano (The Inter-American Dialogue). Os investimentos chineses não estão mais centrados na garantia de energia, alimentos e matérias-primas, como havia sido nos últimos 20 anos. “O foco está nos setores relacionados à inovação”, explica Margaret Myers, diretora para Ásia e América Latina do think tank. Com isso, eles concorrem sobretudo com empresas ocidentais.
Essa situação é ameaçadora para a economia alemã, que tem muito a perder. O Brasil é um dos locais mais importantes para a indústria alemã no exterior. São Paulo é considerada a maior cidade industrial alemã no exterior, com centenas de empresas alemãs.
No estado de São Paulo, a fabricante chinesa de automóveis Great Wall Motors comprou, há três anos, a nova fábrica da Mercedes-Benz em Iracemápolis.
No Nordeste houve mudanças parecidas: em Salvador, por exemplo, a Ford, a Siemens Energy e a General Electric (GE) fecharam suas fábricas nos últimos anos. Em parte, empresas chinesas assumiram o controle delas. “O Vale do Silício do Brasil está sendo criado aqui”, afirmou Stella Li, diretora para a América da fabricante chinesa de automóveis BYD, que está construindo sua fábrica onde antes ficava a da Ford.
Também na Bahia, a fabricante chinesa Goldwind construirá turbinas eólicas na antiga fábrica da GE. E a CGN Brazil Energy, também da China, quer produzir hidrogênio verde num enorme parque eólico.
Resta, claro, saber se tudo isso vai se concretizar, pois há anos o início da construção da ponte Salvador-Itaparica, por um consórcio chinês, tem sido constantemente adiada.
É certo, porém, que a invasão de empresas chinesas no Brasil tende a aumentar. Mesmo por razões geopolíticas: é previsível que os mercados dos EUA e da Europa se tornem ainda mais fechados para as empresas chinesas. O governo dos EUA acaba de aumentar de 25% para 100% o imposto de importação de carros elétricos da China.
Para o Brasil, a nova onda de investimentos da China é uma oportunidade. Mais concorrência no mercado interno é sempre bom: a oferta aumenta, os preços tendem a cair e empregos são criados.
E a interdependência entre Brasil e China no comércio já é enorme. Um número mostra isso de forma bem clara: o Brasil exportou mercadorias no valor de cerca de 105 bilhões de dólares para a China em 2023 – principalmente petróleo, soja e minério de ferro. Esse é o mesmo valor que a Alemanha vendeu em máquinas e equipamentos para a China. Mas enquanto a Alemanha tem um déficit comercial com a China, o Brasil está gerando grandes superávits.
A Alemanha e outros países europeus estão perdendo rapidamente importância econômica para o Brasil. O país está fornecendo cada vez menos para a Europa porque o mercado europeu está cada vez mais fechado. O Brasil é apenas o 31º no ranking de países dos quais a Alemanha mais compra. Na França e na Itália a situação não é muito melhor.
Não há dúvida de que o Brasil continuará a se direcionar tanto econômica quanto politicamente para a Ásia Oriental nos próximos anos, afastando-se cada vez mais da Europa.
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Há mais de 30 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente da América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.