Paulo Roberto Nunes Guedes sai menor do que entrou. Uma pena. Entre os mais renomados especialistas, colegas ou adversários, ele era visto como profundo conhecedor de sua área. E é. Construiu a imagem de ser o mais capacitado a ocupar o cargo que ocupou desde a redemocratização, nos meandros da década de 1980. Trazia numa mão a experiência e na outra um pacote de ideias para nos colocar de vez na modernidade. Faria isso conduzindo as reformas que em 500 anos de lideranças brancas, 200 anos de independência e 130 de República nunca conseguimos executar. Transformações que dariam base para acabar, de vez, com a brutal desigualdade que nos marca como Nação. Era a chance rara para este lugar disfuncional que chamamos de Brasil finalmente abraçar o liberalismo como dogma político-econômico. O tal liberalismo que aqui é tão mal compreendido, porque foi usurpado por monstrengos antiliberais como Jair Bolsonaro e o PL — aliás, acreditar que há liberalismo no PL é como acreditar que na gestão da Gaviões da Fiel há palmeirenses. O pacote de esperança no Guedes de 2018 carregou votos e incondicional apoio de uma parte considerável da intelligentsia econômica e do setor produtivo nacional para os lados de Jair Faz-Arminha Bolsonaro. Houve grave erro de Guedes aqui.

Formado em economia, ele fez mestrado e doutorado no berço mais dourado, a Universidade de Chicago. Era orgulhosamente um Chicago Boy. Criou um banco e uma renomada instituição de ensino — não é qualquer um que traz essas linhas no currículo. Foi ainda conselheiro de várias empresas. Intelectualmente independente, era crítico feroz dos planos econômicos furados que o Brasil pariu entre o meio dos anos 80 e o meio dos anos 90. Depois, tornou-se ácido e preciso ao enxergar com gravidade o avanço voraz da máquina pública, em número de gente e no endividamento. Acreditava ter uma saída para o País e queria conduzi-la. Um importante personagem que trafegou pelo grande jornalismo dos anos 1960-80, pelo setor produtivo multinacional, pelo setor financeiro e pelos gabinetes brasilienses o conhece de longa data. E me disse que Guedes sempre foi figura recorrente no desejo de comandar a economia brasileira. Sob qualquer Executivo. E não se deseja missão tão nobre sem que você escolha também os missionários. Houve grave erro de Guedes aqui.

Ao acreditar que um cara que nunca trabalhou no setor produtivo, nunca encarou o mundo privado, que fez dinheiro como funcionário púbico — ora numa medíocre carreira militar, ora numa medíocre carreira parlamentar ­— estaria a seu lado na missão foi de uma inocência juvenil. E Guedes não fez prevalecer a virtude sobre o vício. Foi o contrário. O vício desconstruiu a virtude. O ministro acreditava que faria as reformas (da Previdência, a Tributária e a mãe de todas elas, a Administrativa). Acreditava que haveria onda privatista. E acreditava que bastaria dar um tranco no Congresso, nos parlamentares que ele enxergava como parasitas, se esquecendo que o representante maior deles era seu chefe. Era obrigatório enxergar que não se fica ao lado de pessoas toscas e desprovidas de mérito como Ricardo Passa-a-Boiada Salles, Eduardo Não-se-Preocupem-com-a-Logística Pazuello ou Damares Ninguém-Nasce-Gay Alves. Não deveria ser possível que o doutor Chicago convivesse como colega ministerial de gente que afirmava que “é o momento de a Igreja governar”. John Locke morreu pela segunda vez ao ouvir isso. Nosso czar-ministro deveria saber que nada existiria de liberal naquele bando. Houve grave erro de Guedes aqui.

Ao não se levantar da sala e ir embora, ao não confrontar o chefe, ao acreditar que mudaria a cabeça de pessoas que não têm cabeça, ele jogou a própria história no ralo. Entrou na vibe assustadora e desprovida de elegância ao ofender a mulher do presidente francês, dar tranco em chineses sobre a Covid, reclamar de filho de porteiro em universidade e de domésticas na Disney. Guedes, é bom que o senhor saiba que será esse seu legado. Que desperdício! E economicamente deixará um PIB ridículo em quatro anos, desemprego ainda com 9 milhões de pessoas, renda média deteriorada, reformas não concluídas, déficits fiscais em vez de superávits. O senhor esqueceu qualquer leitura de Locke ou de Ludwig von Mises — mesmo sendo um Chicago Boy. E assim cometeu a maior bobagem de todo professor: esquecer o que é ser aluno. Houve grave erro de Guedes aqui.

Larry Kirshbaum é um grande editor e chegou a comandar a operação de publicações da Amazon. Sobre os momentos difíceis no início da empresa, ele deu uma declaração marcante e oportuna ao Brasil de hoje, ao Brasil deixado por Paulo Guedes. “Todos temíamos que o Sol não fosse nascer no outro dia, mas ele nasceu.” Professor Paulo Guedes, esta é a grande lição a aprender no seu adeus: a Ética precisa andar ao lado da Técnica e da Estética.

Edson Rossi é redator-chefe da DINHEIRO.