03/08/2025 - 10:00
Para cada 1.000 funcionários em cargos operacionais, a probabilidade de chegar à diretoria é de 5,4 para homens brancos, 2,8 para mulheres brancas, 0,8 para homens negros e apenas 0,5 para mulheres negras. O dado sobre desigualdade de gênero e raça é um dos vários compilados por Regina Madalozzo em seu livro Iguais e diferentes: Uma jornada pela economia feminista, finalista no Jabuti Acadêmico na categoria de Economia.
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Após um pedido de um editor por um livro com texto fácil como sua fala, Madalozzo reuniu em Iguais e diferentes diversas pesquisas sobre como as desigualdades são formadas e quais seus impactos na economia. Em entrevista à IstoÉ Dinheiro, a especialista afirma enxergar uma situação complicada, com ações insuficientes para o tamanho das desigualdades no país.
“Esse sentimento de não estar participando de um processo justo faz com que muitas vezes as pessoas escolham trabalhos ou oportunidades que não seriam as melhores”, diz Madalozzo. A economista tem a impressão de que, após uma efervescência no debate sobre o tema, as desigualdades foram colocadas de lado, porém suas consequências seguem.
De acordo com a autora, reduzir a violência contra a mulher aumenta as chances de crescimento econômico de um país. No livro, ela cita um dado do Banco Mundial que estima que o custo da violência doméstica representa de 1,2% a 2% do Produto Interno Bruto (PIB).
Na conversa com a IstoÉ Dinheiro, a economista comenta como funciona seu campo de estudo, o papel de governos e empresas no combate à desigualdade, políticas públicas recentes e como foi a elaboração de seu livro.
Confira os principais trechos da entrevista:
O livro contrapõe em vários momentos a economia neoclássica. Como podemos entender esta posição de uma economia feminista em relação ao atual paradigma econômico?
Eu vejo a economia feminista como uma alternativa de ampliação para o que é proposto pela economia vigente, que é a economia neoclássica. A economia neoclássica trabalha com os cálculos e um determinismo.
A economia feminista mostra que esse determinismo tem um precedente, e que há um ambiente que torna as conclusões um pouco mais incertas. O olhar da economia feminista é para os efeitos, principalmente nas mulheres, que criam discordâncias em relação a algumas conclusões que a gente chegaria pelo método neoclássico.
O termo interseccional aparece algumas vezes no livro, assim como análises sobre desigualdades para além do gênero. Como a economia feminista pode ajudar a olhar para a sociedade como um todo?
O que a gente faz para um ser humano tem um efeito completamente diferente do que para outro ser humano. A gente é atravessado por essas interseccionalidades: gênero, raça, classe social, orientação sexual.
Então, quando eu faço uma política pública, se eu não prestar atenção nos efeitos dessas interseccionalidades, é claro que essa política não vai ter o efeito que eu queria. A importância da economia feminista está em ampliar o olhar para essas diferenças e tratar cada uma em sua essência.
Um exemplo: quando a gente fala em mão de obra de mulheres, nós temos mulheres de diversas classes sociais com possibilidades diferentes. Existem mulheres que não tem uma outra pessoa para compartilhar o cuidado do filho, nem tem dinheiro para pagar uma pessoa. Outras mulheres vão trabalhar tranquilas com uma pessoa para cuidar da roupa, uma que cuida da comida, uma que cuida do filho, que não precisa se preocupar com nada.
Como é que eu posso tratar essas duas pessoas como mão de obra feminina do mesmo jeito? Então, a economia feminista ajuda a gente apurar o olhar para esses detalhes, que não são tão detalhes assim.
Quando se inicia este estudo da economia feminista?
Os tópicos estudados pelo campo da economia feminista e a forma de abordar esses temas podem ser encontrados em textos bastante antigos. Mas a disciplina de economia feminista começa a aparecer na década de 70 do século passado e “economia feminista” como campo de estudo mais bem definido surge somente na década de 1990.
A própria associação internacional, a International Association for Feminist Economics (IAFFE) começou como uma rede de pesquisadoras (muitas eram mulheres) em 1990 e somente em 1992 foi constituída como associação.
Mas eu não fixaria uma data para o início de falar de economia feminista, até porque a nomenclatura é uma questão até hoje. Tem muitas mulheres que estudam economia feminista, mas não usam o nome porque nem sempre “feminista” é uma palavra que as pessoas aceitam bem.
Qual o papel dos governos, empresas e das pessoas na solução do problema da desigualdade?
É um trabalho em conjunto. O governo é responsável por criar um ambiente que seja possível a gente tratar dessas desigualdades. Vamos pensar na questão de economia do cuidado: as mulheres são muito mais responsáveis pelo cuidado do que os homens, no sentido de ter a responsabilidade, não que elas são responsáveis como valor.
Quando você tem uma diferença tão grande de licença maternidade e licença paternidade, sem a intencionalidade, parece que você está reforçando: as mulheres são responsáveis por cuidar dos filhos, os homens não.
Estudos mostram que, quando participam da infância das crianças, os pais ficam mais sensíveis às questões de gênero, porque eles estão estavam lá no dia a dia. Agora, se eu acho que a responsabilidade dos pais é trabalhar e trazer dinheiro para casa, como é que eu vou cobrar deles que participem da vida dos filhos?
Então eu tenho que equiparar, encontrar uma forma de tratar essas licenças de um jeito que incentive os homens a participarem mais do cuidado de criança, de casa, de fazer doméstico. O governo é responsável por esse ambiente que ele ajuda a criar.
As empresas são responsáveis por pensar nessas pessoas, em como elas podem contribuir para fazer a desigualdade diminuir também. São passos às vezes difíceis. Teve tanta discussão sobre a Lei da Igualdade Salarial, sobre como é ruim divulgar a média de salários. Mas aí descobrimos que tem sim diferença de salários entre homens e mulheres com mesmas funções nas empresas. Então, vamos investigar o que que está acontecendo.
Nós como indivíduos e como famílias somos responsáveis por todo o mecanismo. Somos nós indivíduos que estamos dentro das empresas, que estamos dentro do governo. É a nossa educação, a nossa socialização, é a forma como a gente atua que vai fazer diferença. Como é que a gente educa as crianças? Como é que as escolas estão tratando esses assuntos?
O CPNU adotou um sistema de equidade na quantidade de homens e mulheres que avançarão para a segunda fase. Qual sua avaliação sobre a medida? E como empresas privadas podem trabalhar para ampliar a igualdade em suas contratações?
A gente espera que essa nova política seja temporária, que daqui a um tempo talvez a gente não precise desse reforço. É quase que uma política de cotas, porque ela é necessária pois não se está dando igualdade de condições para todo mundo. Você não deu a condição lá atrás, mas você está dando aqui na frente.
Nas empresas a gente não trabalha com cotas, geralmente a gente trabalha com metas e geralmente atrelada a remuneração. Assim, as pessoas vão procurar as melhores pessoas para ocupar aquela vaga. Se dentro dessa empresa você tem metas de ter uma participação mais igualitária entre homens e mulheres, você trabalha no desenvolvimento das mulheres da mesma forma que você trabalha no desenvolvimento dos homens. Aí você cria oportunidade.

Não se trata de, como eu já escutei várias vezes, estar “abaixando a barra”. O melhor exemplo que eu vejo disso é política de cota em universidade. Você admite estudantes que não tiveram a mesma condição de ensino até o momento do vestibular e dá a oportunidade deles se desenvolverem. No final, eles abandonam menos a faculdade e a média de notas deles, em vários estudos, aparece mais elevada do que as notas dos não cotistas.
Quais os principais efeitos da desigualdade hoje no país?
A gente deixa de crescer o quanto a gente poderia, porque tem uma diferença de participação no mercado de trabalho, tem uma locação das pessoas que não necessariamente é a mais eficaz. Aí você deixa de ter pessoas competentes que poderiam ajudar as empresas e o crescimento do país. Você torna o sistema injusto.
Esse sentimento de não estar participando de um processo justo faz com que muitas vezes as pessoas escolham trabalhos ou oportunidades que não seriam as melhores. Por exemplo, alguém poderia ser uma excelente diretora de uma empresa grande, mas decide empreender em algo para diminuir esse sentimento de não ser tratada de forma igualitária com o homem.
A gente perde também perspectiva de futuro. Na política, por exemplo, abaixa a participação de mulheres, porque o tratamento que elas recebem é muito mais agressivo do que dos homens. E sem a participação das mulheres na política, a gente também não muda o país.
O livro repetidas vezes busca também desmitificar supostos determinismos biológicos em homens e mulheres. Como esta discussão da economia feminista lida com as pessoas trans?
É uma questão super importante e até eu acho uma falha no meu livro que eu falo muito pouco sobre esse tema. Embora um tema com uma urgência para o estudo, os estudos sobre pessoas trans ainda são escassos em comparação com os estudos sobre mulheres.
O que eu percebo é que os estudos sobre pessoas trans são desenvolvidos especialmente dentro de departamentos internacionais de “women studies”, algo ainda insípido no Brasil, com foco em questões que também fazem parte do universo da discriminação contra mulheres, mas agora com um olhar mais focado e aprofundado para a gravidade do assunto para pessoas trans. Para citar uma pesquisadora proeminente, eu citaria Susan Stryke.
Nós reportamos aqui na IstoÉ um encolhimento de iniciativas empresariais para igualdade racial e de pessoas LGBTQIA+. O combate à desigualdade de gênero apresenta um recuo semelhante?
A minha impressão é que a gente parou de avançar com relação à pauta de gênero antes mesmo do que a gente está parando a questão racial e LGBT. A gente começou a discutir ela antes, e também pausamos antes. Olha quanto tempo demorou para aprovar a lei de cotas para mulheres no conselho de empresas com participação estatal!
As pessoas pensam que já sabem de tudo sobre desigualdade de gênero e não precisam aprender mais nada. Homens pensam que agora o trabalho está com as mulheres e elas que têm que fazer alguma coisa. Aí a gente parou de avançar.
Eu vejo que o recuo antecedeu a todos os outros, infelizmente. Todas essas questões são extremamente importantes, mas infelizmente eu também noto um retrocesso.
Alguns exemplos citados no livro foram retirados da cultura pop. Foi uma tentativa de tornar o assunto digerível para um público mais amplo?
Quando me chamaram para escrever o livro, um dos pedidos dos editores foi que eu escrevesse do jeito que eu falo. Meus textos acadêmicos não são assim. São tão chatos quanto qualquer outro texto acadêmico.
Mas quando eu falava, participava de podcasts, de entrevistas, eu falava de um jeito que os editores elogiaram, que era o jeito que as pessoas conseguiriam entender. Então, veio do pedido deles para que eu fizesse esse esforço. E foi de fato um esforço. Uma coisa é falar, outra coisa é escrever.
Mas é legal, porque as pessoas conseguem assim ver que a economia não é um uma coisa horrorosa. Tem muita coisa legal para estudar e que influencia a vida da gente muito intimamente. Qualquer decisão que a gente toma é uma decisão econômica também.