16/05/2007 - 7:00
Há uma galeria de mulatas seminuas no pequeno corredor que leva ao escritório do empresário Edemar Cid Ferreira, em sua mansão no bairro do Morumbi, em São Paulo. Grandes fotos emolduradas sobre o Carnaval carioca compõem a exposição em cartaz na casa do ex-banqueiro. Nas salas, há pilhas e mais pilhas dos livros de arte que ele patrocinou enquanto esteve à frente da Brasil Connects e da Fundação Bienal. Num pequeno quadro, há também uma nota falsa de um dólar com o rosto do presidente americano, George W. Bush, e a frase “One Deception”. Encastelado nesse ambiente, Edemar trabalha quase 12 horas por dia. Reúne-se com advogados, estuda os seus processos e aconselha-se com os empresários que continuaram amigos, mesmo após a quebra do Banco Santos, em novembro de 2004. Obstinado, Edemar prepara o revide contra aqueles que considera seus algozes: os diretores do Banco Central responsáveis pela intervenção. “Eles estão numa posição delicada porque o patrimônio do Santos hoje é positivo”, é o que o ex-banqueiro tem dito aos confidentes mais próximos.
DINHEIRO visitou sua intimidade. Ouviu amigos, colaboradores e advogados daquele que foi o grande mecenas e um dos empresários mais poderosos do País.Seu novo retrato revela um homem ferido por duas prisões, mas ainda vaidoso e apegado aos rituais de poder dos tempos áureos do Banco Santos. Todos os dias, Edemar se veste impecavelmente, em ternos risca de giz, antes de descer do quarto ao escritório. Mantém uma alimentação frugal e, a cada três horas, seu mordomo lhe serve porções de frutas. Edemar continua vivendo como banqueiro e acredita piamente que será capaz de renascer das cinzas, mesmo tendo sido acusado de causar um rombo de R$ 2,9 bilhões na praça, que gerou processos por gestão fraudulenta, formação de quadrilha, evasão de divisas e desvio de recursos públicos – no momento mais dramático de sua vida, no Natal de 2006, ele dividiu a cela de um presídio com seu filho Rodrigo.
Edemar, no entanto, já não olha para trás. E tem conseguido colher suas primeiras vitórias jurídicas nos processos em que os clientes do Banco Santos questionavam o valor de suas dívidas em função de uma suposta “reciprocidade” que havia nos empréstimos. Em síntese, dizia-se que o banco desviava recursos públicos, fazendo repasses do BNDES. Numa operação de crédito, o tomador era “forçado” a pagar um pedágio, comprando debêntures de empresas ligadas a Edemar. Nessa “reciprocidade”, uma empresa que tomasse um crédito de 100 levava 80 ou 70 para o seu caixa e aplicava o restante nas tais debêntures – no entanto, continuava devendo os mesmos 100. Por isso, os clientes foram à Justiça. Até agora, porém, nenhum tribunal acolheu os argumentos dos devedores. Num dos acórdãos, de um litígio entre a Frangosul e o Banco Santos, o juiz foi claro: “Não pode queixar- se do ato que o prejudica, como emanado de erro e coação, o homem instruído, que vive em meio civilizado e dispõe de meios e recursos para informar- se da ilegalidade desse ato.”
O SEU CASTELO PARTICULAR: Edemar vive na mansão que teria custado mais de US$ 50 milhões
Decisões como essa são hoje a grande esperança de Edemar. Com elas, ele espera mudar a situação patrimonial do Banco Santos. Em novembro de 2004, data da intervenção, os técnicos do BC fizeram provisões para quase 85% dos créditos da instituição, como se quase nada pudesse ser recuperado. Foi assim que o rombo veio à tona, provocando a falência e as ações criminais contra Edemar e sua família. Os acórdãos, no entanto, indicam que todos aqueles que investiram em debêntures para ter acesso aos empréstimos do BNDES sabiam exatamente o que estavam fazendo. E os créditos que estão registrados nos balanços do Banco Santos, diz Edemar aos amigos, são de empresas sólidas, que deveriam pagar o que está escrito nos livros. A esse respeito, o próprio representante dos credores, Jorge Queiroz, questionou a falta de providências de cobrança por parte do BC.
Foi por isso que Edemar veio a público recentemente, contestando a proposta de acordo que o interventor nomeado pelo Banco Central no Banco Santos, Vânio Aguiar, fez aos credores. Ela consiste em receber os créditos com 75% de deságio. “Está acontecendo uma barbaridade”, disse Edemar ao jornal Folha de S.Paulo. “Os devedores têm experiência no mercado, não são ingênuos e não foram enganados quando compraram as debêntures.” Operações de reciprocidade são comuns no mercado financeiro. Já houve casos até de empréstimos imobiliários da Caixa Econômica Federal em que os gerentes pediam aos mutuários da casa própria que mantivessem aplicações na instituição. Outras instituições solicitavam – e ainda solicitam – investimentos em seus CDBs. O problema é que, no Banco Santos, isso aparentemente ocorria em escala oceânica.
Em sua cruzada contra a proposta de acordo feita pelo liquidante Vânio Aguiar, Edemar citou várias empresas que estariam sendo beneficiadas de forma indevida. Entre elas, mencionou nomes como AES Eletropaulo, Hering, Via Veneto e Sodexho.Segundo seus advogados, o prejuízo supostamente causado pelo BC não pára por aí. “O que provocou a corrida dos depositantes ao Banco Santos foi a fiscalização ostensiva do Banco Central”, diz seu advogado Sérgio Bermudes. À época, Tereza Grossi respondia pela área de fiscalização do Banco Central. Hoje, ela faz parte do conselho de administração do Itaú, cuja maior acionista, Milú Villela, é notória desafeta de Edemar – os dois já travaram disputas intensas no mundo das artes plásticas. De acordo com o advogado Bermudes, Edemar também poderá acionar na Justiça o Banco Central e a União, em função dos lucros cessantes que foram causados pela fiscalização quase escancarada, seguida de intervenção no Banco Santos.
Dias atrás, Edemar também abriu uma nova frente de combate. Enviou a um pequeno grupo de amigos um estudo feito pelo consultor Carlos Daniel Coradi sobre a história e as causas da crise do seu banco. O trabalho aponta que o Santos foi a instituição financeira de maior crescimento no Brasil e que seus balanços foram sempre aprovados sem ressalvas por empresas como KPMG e Ernst & Young, ao longo dos anos. Além disso, os custos operacionais eram baixos, a inadimplência era mínima e a rentabilidade situava-se acima da média, ao redor de 21% ao ano. Isso fez com que a Procid, empresa de Edemar que controlava o banco, amealhasse dividendos de US$ 120 milhões entre 1996 e 2004, que teriam sido, segundo Coradi, reinvestidos no banco. Por fim, Coradi também atribui a quebra à “fiscalização ostensiva”, que teria provocado saques de R$ 700 milhões no banco. “A postura do BC reflete a coerência de sua política, qual seja, abater o Banco Santos”, escreveu Coradi. “Ao provocar a corrida dos clientes, o Banco Santos seria obrigado a requerer o redesconto, o BC iria negá-lo e quebraria o banco, como efetivamente o fez.” Procurado pela DINHEIRO, Coradi não quis comentar o estudo que fez sobre o Banco Santos. Apenas assegurou tratar-se de um trabalho “independente”. O estudo conclui que, ainda hoje, haveria um patrimônio positivo da ordem de R$ 279 milhões.
Fechado em sua mansão, Edemar vem reunindo pólvora para a guerra contra o Banco Central, mas ele também já traçou planos mais nobres para o futuro. O ex-banqueiro está criando uma ONG que irá trabalhar na ressocialização de presos. No ano passado, Edemar esteve encarcerado durante mais de 100 dias e viveu experiências marcantes. Ele conviveu com traficantes, assassinos e autores de pequenos furtos. Em várias ocasiões, Edemar deu consolo a essas pessoas e garante jamais ter caído em depressão. “Eu sempre soube que aquilo que eu vivia era passageiro”, tem dito aos amigos. A grande angústia do preso, segundo o ex-banqueiro, é o distanciamento progressivo dos seus laços afetivos, que se soma a uma sensação crescente de culpa. E é justamente para sustentar e manter o vínculo com as famílias que eles organizam quadrilhas que agem de dentro dos presídios. Isso teria, segundo Edemar, uma “função social”. Com a sua ONG, o banqueiro pretende levar oportunidade de trabalho aos criminosos dentro das cadeias, para que eles enviem dinheiro para os parentes, reduzam as suas penas e vislumbrem um futuro melhor. Edemar, que costuma lembrar que até Santo Agostinho já foi preso, também tem enxergado um horizonte melhor para si, quando abre as janelas do seu imenso castelo.