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EDEMAR E A SEDE DO SANTOS: O dono do banco chegou a ir a Brasília negociar um empréstimo de R$ 200 milhões para evitar a quebra. Instituição precisa de R$ 700 milhões para voltar a operar

 

Na sexta-feira 12, Rebeca Abravanel, de 23 anos, filha do apresentador de televisão Sílvio Santos, dono do SBT, passou a tarde na loja de presentes Mickey. Ali, no número 931 da badalada rua Oscar Freire, no bairro nobre dos Jardins, em São Paulo, a herdeira do Baú da Felicidade preparava a sua lista de casamento com Leonardo Cid Ferreira, também de 23 anos, filho mais novo do banqueiro Edemar Cid Ferreira. Rebeca escolheu uma centena de presentes. O mais caro: um faqueiro de prata, da francesa Christofle, de R$ 13,3 mil. Enquanto a noiva selecionava os objetos, uma outra lista era apresentada em Brasília para um time de funcionários do Banco Central. Exibia as dívidas que levariam à intervenção no Banco Santos, de Edemar, naquela noite. Às 22 horas deu-se o golpe. Alegando deterioração da situação financeira do banco, atraso no recolhimento de depósitos compulsórios e irregularidades na concessão de empréstimos, a diretoria de Fiscalização do BC assumiu o controle da instituição e fechou suas portas por tempo indeterminado. Os fiscais do BC revelaram ao País que, no balanço em que se via um patrimônio líquido de R$ 600 milhões, existia na verdade um rombo de R$ 100 milhões. E decretaram: o Banco Santos precisa de R$ 700 milhões para voltar a operar. Foi um baque. Com o País inteiro lançando olhares inquisitivos sobre o banqueiro ? que, juntamente com a diretoria no Santos, teve todos os bens tornados indisponíveis ?, não havia mais clima para festa. Numa difícil decisão para as famílias, o casamento, marcado para este domingo 21, foi adiado. A proclama pregada numa das paredes do 13º Subdistrito do Butantã, em São Paulo, agora informa que Rebeca e Leonardo se casarão em 18 de dezembro, na igreja evangélica Vida Nova, na Avenida Corifeu de Azevedo Marques, zona oeste.

Para Edemar, aquelas horas foram de duplo pesar. Primeiro veio o susto ao assistir, pela televisão, à notícia da intervenção em seu banco. Familiares relatam que, sentado no sofá de sua mansão no Morumbi, Edemar baixou a cabeça, ficou em silêncio, pasmo, e pouco depois, enfurecido. O telefone passou a tocar, mas ele falou com poucos amigos. Entre eles, o editor Pedro Paulo de Sena Madureira, o ex-senador Gilberto Miranda, o decorador Jorge Elias e Beatriz Pimenta Camargo, uma dama da alta sociedade paulistana. Em seguida veio a tristeza, e o sentimento de culpa, por se tornar um obstáculo no enlace do filho Leonardo. À DINHEIRO, fez sua única declaração após a ação do BC: ?Nem eu nem meus familiares tiramos dinheiro do banco antes da intervenção?, disse. Por mais que acreditasse, até o início daquela noite, na possibilidade de virar o jogo e evitar a intervenção, Edemar pressentia a tempestade chegando. Duas semanas antes, em jantar organizado em sua casa para personalidades das artes, os convidados estranharam o tom estranhamente emocionado do banqueiro na hora das despedidas. Vários deles receberam um abraço apertado e um ?muito obrigado por tudo o que fez por mim esses anos todos?. Só os mais próximos sabiam, mas Edemar já estava jogando as últimas cartadas para salvar seu banco.

 

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PEDIDO DE SOCORRO
Na quarta-feira 10, 48 horas antes da intervenção, Edemar pediu socorro ao amigo José Sarney. Em nome do velho pupilo, não raro tratado como filho, o senador não hesitou em telefonar para o presidente Lula, tentando ganhar tempo para o Banco Santos. Disse que havia três pretendentes interessados na compra da instituição e explicou que Edemar precisava de mais alguns dias para fechar o negócio. O relógio, porém, não foi contido. No dia seguinte Edemar fez uma tentativa desesperada. Voou para Brasília, onde encontrou-se com Sarney e foi recebido pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Na reunião, o banqueiro solicitou um empréstimo emergencial de R$ 200 milhões para estancar a fuga de capitais do Santos. E voltou a pedir mais prazo. ?Preciso de mais uma semana?, disse a Meirelles. ?Estou negociando com o Bradesco.? Edemar pretendia vender o controle do Santos e, embora tivesse sido alertado pelo BC de que a situação era crítica, voltou convicto de que não haveria intervenção.

PERDAS DE R$ 30 MILHÕES AO DIA
Àquela altura, porém, o volume de saques atingira a marca dos R$ 30 milhões ao dia. Horas mais tarde, um relatório secreto da Trevisan, auditora do banco, pousava em mesas graduadas do BC, com uma informação nova e estarrecedora: o rombo no Santos superaria o R$ 1 bilhão. Era o segundo e mais duro relatório da auditoria ? que em junho substituíra a Ernst & Young na função. Já em julho a Trevisan havia feito ressalvas a notas explicativas do balanço do Banco sobre a aquisição de uma empresa abarrotada de créditos fiscais por R$ 277 milhões, considerada arriscada. Com o novo documento nas mãos, o BC considerou que a hemorragia tornara-se terminal. Estava selada a primeira intervenção em um banco brasileiro desde 1998.

OS SAQUES DO SENADOR
O próprio José Sarney, presidente do Senado, antevendo a ameaça e temendo por sua poupança, retirou os recursos que mantinha no banco. ?Eu, como centenas de correntistas, em face dos rumores publicados na imprensa e existentes na praça so-
bre o Banco Santos, transferi meus depósitos?, admitiu, em nota divulgada na quinta-feira 18. O dinheiro de depósito do senador, segundo relatou na nota, era fruto da venda de sua fazenda Pericumã para o Banco do Brasil. O movimento de Sarney e de dezenas de outros clientes foi o reflexo final de uma sucessão de eventos decisivos contra a saúde do banco nos últimos meses. Três desses eventos ocorreram quase que em simultâneo. No mais importante deles, o BNDES retirou do Banco Santos, em janeiro deste ano, a condição de sexto maior agente repassador de recursos a empresas. De uma só tacada, a instituição de Edemar ? especializada no mercado corporativo ?, que respondia por R$ 1,15 bilhão do volume de créditos distribuídos pelo BNDES, viu sua posição reduzida em dez vezes. Já as agências classificadoras de risco Fitch Ratings e Standard & Poors rebaixaram as notas do banco, alertando investidores para o aumento exponencial do volume de créditos de alto risco.

 

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MESA DE OPERAÇÕES DO SANTOS: R$ 600 mi em saques

 

O RISCO SISTÊMICO
O Banco Central, por sua vez, enviou uma força-tarefa para acompanhar a instituição de perto em período quase integral. A presença constante de técnicos do BC na sede do banco alimentou boatos no mercado financeiro, que acabaram funcionando como uma espécie de senha para a sangria nos cofres do banco. O Banco Santos mergulhava de cabeça no redemoinho do risco sistêmico. A partir dali, como ocorre em todas as circunstâncias de ?risco sistêmico? ? expressão criada ainda na gestão do ex-ministro Pedro Malan para definir a ameaça que paira sobre as instituições financeiras a partir da suspeita de fragilidade de suas contas ?, o Santos se viu diante de uma corrida de saques que perdurou por meses, ceifando mais de R$ 600 milhões de seu caixa. ?Os técnicos do BC entraram no banco, reclassificaram os créditos de forma drástica e não foram nada discretos. Nenhuma instituição resiste a um movimento como esse?, resume Sérgio Bermudes, advogado contratado para defender o Santos.

Nem a operação de entrada da instituição no varejo armada pelo novo presidente, Ricardo Gribel, que tomou posse em setembro, encontrou tempo hábil para ser acionada. Gribel planejava disputar com os grandes bancos a clientela de pessoas físicas de alta renda, apostando em tecnologia e bom marketing de relacionamentos. Mas mal teve tempo de pôr seus planos na rua. Analistas de mercado dizem que a própria entrada do executivo no Banco Santos há cerca de um ano ? primeiro como consultor direto da presidência e, depois, no comando oficial da instituição ? teria sido imposta por credores que exigiam o afastamento de Edemar e uma nova forma de gestão para recuperar o banco. Gribel, um profissional testado pelo mercado, com passagens pela Visa e pelo Banco Real, é tido como um executivo prático e imaginava que a saída pelo varejo seria a tábua de salvação. ?Fizemos o que era possível, mas houve uma pressão muito grande sobre o caixa e o banco não resistiu ao volume de saques dos últimos dias?, disse o executivo à DINHEIRO.

Enquanto a diretoria do Santos buscava soluções, o BC apertava o torniquete. No dia 15 de outubro, Osvaldo Watanabe, chefe do Departamento de Supervisão Direta do BC, enviou correspondência para o banco com uma espécie de ultimato oficial, exigindo a capitalização da instituição e deixando velada a ameaça de intervenção. Vinte dias depois, na manhã de 5 de novembro, o diretor de Fiscalização do BC, Paulo Sérgio Cavalheiro, recebeu um relatório definitivo sobre a deterioração do caixa da instituição. O presidente do Banco Santos, Ricardo Gribel, foi então chamado ao escritório do BC em São Paulo e recebeu nova correspondência com advertências. Tecnicamente, não havia mais o que fazer. A boataria atingia seu ápice e a corrida bancária estava perto do fim.

A CONTA DO PT
Quem ficou para trás nessa carreira viu seu dinheiro retido junto aos escombros do Banco Santos. A lista de clientes e investidores pegos de calças curtas pela intervenção é encabeçada pelo Partido dos Trabalhadores, que possui uma conta na instituição com recursos que serviriam para a compra de uma nova sede em São Paulo. Os valores ali mantidos foram motivo de confusão ao longo da semana. Logo após o anúncio da intervenção, o presidente do PT, José Genoino, deixou escapar uma cifra de R$ 500 mil. Depois, desmentiu a informação. Na quinta-feira, a assessoria do partido informou que o saldo da conta é de R$ 47.548,48. Levantou-se, então, a suspeita de que, informado sobre a deterioração das contas do banco, o partido teria retirado a maior parte dos recursos. Seu tesoureiro, Delúbio Soares, garante, porém, que nenhum saque foi feito nesta conta desde a sua abertura. No caso do PT, a explicação para a preferência pelo Banco Santos pode ser a longa amizade entre Edemar e Delúbio. Do mesmo modo, o banqueiro sabidamente tinha bom trânsito com os fundos de pensão, o que ajuda a entender o alto número de investidores desse tipo com capital retido no Santos. A própria caixa de previdência dos funcionários do Banco Central (Centrus) tinha R$ 34 milhões ali aplicados.

O EMPRÉSTIMO DA EX-MINISTRA ZÉLIA
O infortúnio da intervenção, porém, não depende de coloração política. A crise do Banco Santos atingiu, por exemplo, a ex-ministra Zélia Cardoso de Mello. No primeiro semestre deste ano, a empresa japonesa Orix Trade Capital, para a qual Zélia presta assessoria, organizou uma operação de empréstimo sindicalizado de US$ 30 milhões para o Banco Santos. Com a intervenção, os recursos desses investidores estão indisponíveis. ?Não fui responsável por essa operação?, garantiu Zélia à DINHEIRO. ?Observei à distância.? O maior tombo já conhecido entre os grandes clientes do Santos é o do Tribunal de Justiça de Goiás, que ficou com R$ 65 milhões bloqueados no banco. O Banco do Brasil chegou a ter R$ 50 milhões ali aplicados, mas sacou boa parte dos recursos antes da intervenção, deixando apenas o equivalente a R$ 3 milhões em títulos da dívida brasileira. No Paraná, a Fundação Copel (dos funcionários da companhia energética estatal) micou com R$ 35 milhões, e a Fundação Itaipu (dos empregados da usina binacional) perdeu outros R$ 18 milhões, apesar das ordens de abandonar o navio disparadas dias antes pelo governador Roberto Requião. Dezenas de prefeituras estão nessa situação. Uma delas, de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, tem 18% dos recursos do fundo de aposentadoria de seus funcionários, no total de R$ 21 milhões, aplicados em fundos de investimento da Santos Asset Management. Preocupadíssimo, o prefeito da cidade, Paulo Julião, esteve na sede do banco na quarta-feira 17, em busca de informações. ?Ouvi uma conversa de que o banco não ia bem, mas me pareceu fofoca de concorrente?, diz Julião. ?Lamento não ter sacado o dinheiro a tempo.?

Do outro lado do balanço financeiro, na lista dos maiores devedores do Banco Santos, o Grupo Caoa, do empresário Carlos Alberto de Oliveira Andrade, aparece com destaque. Revendedor Ford e representante da Hyundai no País, Andrade consta na contabilidade do banco como responsável por uma dívida atrasada de mais de R$ 100 milhões. Mas a história não é simples como parece. Em troca de taxas de juros favorecidas, a Caoa afirma ter aceitado, em diversas ocasiões, ofertas de empréstimos condicionadas à compra de debêntures de empresas do grupo. Funcionaria assim: a cada dez reais supostamente emprestados, apenas dois ficavam com a empresa. Os oito restantes eram devolvidos no ato da assinatura do contrato para a compra de debêntures. O que Andrade teria descoberto depois é que os juros eram cobrados sobre o valor total do empréstimo, elevando sua dívida a valores astronômicos. ?Estávamos preparando uma ação contra o Banco Santos quando veio a intervenção?, afirma Fábio de Oliveira Luchesi, advogado da Caoa.

AS OPERAÇÕES CASADAS
O caso da Caoa não é isolado. Outros empresários também afirmam ter recebido ofertas de empréstimos em troca da compra de papéis do banco ou da Procid, a holding não financeira que controla o Santos. Somente o escritório paulista Salgado Setubal, Ruschmann, Soriano de Oliveira e Woiler Advogados tem quatro operações do tipo nas mãos e outras dez possíveis causas em estudo. Esse tipo de operação casada, apelidada no mercado de ?Zé com Zé?, seria uma forma de demonstrar ao BC que a carteira de empréstimos do banco estava crescendo. O sistema de contra-
partida teria sido adotado até mesmo quando se tratava de repassar verbas do BNDES. Os recursos eram oferecidos em valores superiores aos solicitados, sob a condição de que parte do dinheiro fosse aplicado em CDBs do banco ou notas promis-
sórias de uma offshore (firma de investimentos fora do País) do grupo. Manobras controversas para queimar etapas e atingir objetivos não são novidades na longa carreira de Edemar Cid Ferreira. Filho de uma família de classe média da cidade paulista de Santos, Edemar trabalha no mercado financeiro desde os 18 anos, quando passou em terceiro lugar em um concurso do Banco do Brasil disputado por 23 mil candidatos. Passados cinco anos ? boa parte deles vividos fora do Brasil, graças a bolsas de estudo ?, o bancário deu lugar ao empreendedor. Com dinheiro empres-
tado por seu pai, Edemar comprou, em 1969, a carta patente de uma corretora que passou a se chamar Santos Corretora de Câmbio e Valores, em homenagem a sua cidade. Naqueles primeiros anos, sua especialidade era assessorar empresas dispostas a instalar-se no Norte e Nordeste do País, em busca de incentivos fiscais.

 

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PRÉDIO DA SANTOS ASSENT MANAGEMENT: CVM suspendeu movimentação de fundos do banco

 

A AMIZADE COM OS SARNEY
Foi assim que conheceu José Sarney e sua filha Roseana. E, através deles, a colega de colégio e até hoje melhor amiga de Roseana, Márcia, filha do ex-senador Alexandre Costa, mentor político de Sarney. Edemar e Márcia casaram-se pouco tempo depois, estreitando as relações familiares ? quando vão ao Maranhão, os paulistas hospedam-se na casa dos Sarney na praia do Calhau; em São Paulo, Roseana é hóspede certa da mansão dos Ferreira. A proximidade com o poderoso clã maranhense foi crucial para os ambiciosos planos de Edemar. Em 1988, no penúltimo ano de Sarney na Presidência da República, a corretora deu origem ao Banco Santos, que logo de início cresceu com a captação de recursos dos fundos de pensão estatais. Com a chegada da Era Collor, muita gente previu dificuldades para o recém-criado Banco Santos. Mas, com boas relações com o tesoureiro de Fernando Collor, Paulo César Farias, porém, o crescimento se manteve. Edemar acabou tendo seu nome ligado ao de PC Farias na CPI que levou ao impeachment do presidente. Na ocasião, Edemar contratou o advogado Márcio Thomaz Bastos, atual ministro da Justiça, para defendê-lo. Nada se provou contra ele, mas sua imagem foi danificada. Era hora de se reinventar.

A saída encontrada por Edemar para sair daquele inferno astral foi criar uma segunda identidade pública paralela à de financista pouco ortodoxo, a do banqueiro mecenas. Em 1993, ele assumiu a presidência da Fundação Bienal, responsável pela Bienal de São Paulo, e iniciou um bem-sucedido trabalho de revitalização da entidade, que andava financeiramente mal das pernas. A partir de 1997, com a criação da BrasilConnects, especializada na organização de grandes eventos artísticos, Edemar ganhou autonomia de vôo e transformou-se num dedicado padrinho das artes plásticas no Brasil. Aos poucos, sua imagem foi sendo associada a um mundo de arte, vinhos, coleções de objetos raros e celebridades. Começava a era do glamour. E nascia um modus operandi sintetizado em uma frase do próprio Edemar: ?A cultura é um abre-alas. A gente vem atrás fazendo negócio?.

A alta exposição do banqueiro no mundo das artes também lhe rendeu alguns notórios inimigos. A mais famosa é Milu Villela, herdeira do Banco Itaú e desafeta de Edemar pelo menos desde o ano 2000, quando ele barrou sua candidatura à presidência da Bienal. Anos atrás, Milu teria feito uma descrição desabonadora de Edemar para o curador de um importante museu de Nova York que negociava uma exposição com a BrasilConnects. O negócio empacou e o banqueiro, furioso, abriu uma ação contra Milu na Justiça americana, cobrando indenização de US$ 10 milhões. Em resposta, a acionista do Itaú teria ordenado uma investigação da vida de Edemar, gesto copiado pelo banqueiro. As ameaças mútuas acabaram arrefecendo e o processo, retirado por Edemar.

A VIDA NO PALÁCIO
A ligação com as artes elevou Edemar ao mundo das celebridades. Nada, entretanto, chamou tanta atenção para o banqueiro como a megamansão que ele ergueu na parte mais alta do Morumbi, bairro nobre da Zona Sul de São Paulo. A casa tem 4.100 metros quadrados distribuídos por cinco pavimentos. Para construí-la, Edemar comprou as casas vizinhas pagando de três a quatro vezes o valor de mercado para ganhar tempo e foi demolindo tudo para abrir espaço. O pé direito do andar térreo, que abriga duas galerias de arte (uma delas com capacidade para receber 250 pessoas), tem nada menos que 9 metros. Só o closet de Márcia tem 43,5 metros quadrados. Mas o que impressiona mesmo os convidados é o heliponto com teto retrátil. Todo este palácio contemporâneo é habitado apenas por Edemar, Márcia e os dois filhos do casal, Eduardo e Leonardo ? além do buldogue Clóvis. Há, é claro, o corpo de serviçais, que soma cerca de 50 trabalhadores ? entre eles um chef suíço que fala cinco idiomas ? divididos em dois ou três turnos diários. Edemar mudou-se para a casa em setembro passado. Em seus planos constava uma grande festa de inauguração, para mais de mil convidados. Acossado pelo Banco Central, ele desistiu da idéia, ciente de que a hora não era adequada para ostentações. Uma semana antes da intervenção, promoveu um jantar para vinte convidados. A fatura do buffet, de R$ 58 mil, foi parar no banco.

VENDA OU LIQUIDAÇÃO?
Passado o choque inicial pela intervenção, Edemar decidiu que não joga a toalha. Com sua mansão transformada em quartel-general, luta para salvar seu banco ? ?com ele no comando, se possível; sem ele, se necessário?, nas palavras do advogado Sérgio Bermudes. Sua rotina nos últimos dias foi marcada por reuniões e longas horas ao celular. À exceção dos advogados, pouquíssima gente é admitida. Os porteiros já foram avisados de que o patrão não está de bom humor ? pela primeira vez desde que se mudou para lá, entrou e saiu de casa sem cumprimentar os funcionários ? e todo o trabalho tem de ser feito sem falhas. Na quinta-feira, uma farmácia das imediações fez pelo menos três entregas na mansão. Neste mesmo dia, Edemar mandou de volta para casa todos os funcionários que normalmente ficam à sua disposição, como assessores e secretárias. Comentários sobre o que se passa lá dentro são estritamente proibidos. O chefe do time de funcionários informou a todos que a rotina da casa será mantida e ninguém será demitido.

Na quarta-feira, Edemar recebeu o próprio interventor e teve com ele uma conversa amena, que revelou uma bem-vinda lista de afinidades entre os dois. Mas não havia solução à vista para o banco. Os advogados do banqueiro ventilam a hipótese de venda da instituição, enquanto o mercado especula sobre possíveis compradores. Na semana passada falou-se em Bradesco, Itaú e Santander. Os três negam interesse. Edemar estaria também conversando com Sílvio Santos, dono do Banco Panamericano, que pode se animar com a incorporação do Banco Santos ao grupo que leva o nome de ambos ? ampliando o casamento das famílias para além do matrimônio de Leonardo e Rebeca. Para a maioria dos analistas do mercado, porém, há um espectro mais forte rondando o Santos: o da liquidação, destino de dez entre dez bancos brasileiros que sofreram intervenções e não foram adquiridos por concorrentes maiores. Seja qual for seu destino, a outrora glamourosa instituição de Edemar perdeu o brilho. Quem passa à noite pelas avenidas em torno de sua sede, antes iluminada de cima a baixo, hoje vê um banco às escuras.

Colaboraram: Aline Lima, Carlos Sambrana, Geraldo Magella e Miriam Kenia

 

O ENIGMA DO MECENAS
O que pode acontecer com os eventos culturais e as
milionárias exposições promovidas pelo banqueiro

 

POR fábio altman e marco damiani

Todo mecenato começa a ruir em virtude de alguma crise econômica. Foi assim com Florença, durante o Renascimento, quando a descoberta da América abriu novas portas de comércio e a Itália perdeu a primazia. A falta de dinheiro rapidamente manchou as artes, e deu-se um período de decadência. Evidentemente Edemar Ferreira não é um Medici, e a BrasilConnects, seu braço cultural, está longe da amplitude artística florentina, mas uma pergunta não quer calar: qual será a repercussão do tombo financeiro em sua atividade como mecenas? ?Nada vai mudar em nosso trabalho?, disse à DINHEIRO Emílio Kalil, presidente da BrasilConnects. ?Não há verba do Banco Santos, não dependemos dele.? A BrasilConnects e o Santos são figuras jurídicas independentes. Naturalmente, a instituição financeira sempre socorreu a empresa de eventos quando os patrocínios demoravam a aparecer. Hoje, contudo, a reputação lhe assegura andar pelas próprias pernas. ?Estamos a todo vapor na montagem da mostra ?Brésil Indien?, no Grand Palais de Paris, em março do ano que vem?, diz Kalil. ?É simples: temos um grande amigo, nosso conselheiro, nosso farol em dificuldades ? mas os problemas passarão.?

Direto ao ponto: a boa imagem de Edemar no mercado de arte, não só no Brasil mas também na Europa e Estados Unidos, ajudou a lavar os rolos do banqueiro. Ele foi responsável pela vinda ao País de exposições magníficas como a ?Guerreiros de Xi?an e os Tesouros da Cidade Proibida? (817 mil visitantes) e ?Picasso na Oca? (1 milhão de pessoas). Montou, em 2000, a ?Mostra do Redescobrimento?(1,7 milhão de visitantes, 17 mil peças e custo de US$ 40 milhões). Calcula-se que, apenas em mídia expontânea, a BrasilConnects amealhou RS$ 120 milhões com suas criações. ?Edemar valorizou nossos artistas aqui e lá fora, profissionalizou as exposições, produziu um novo e histórico patamar?, diz a marchand Nara Roesler, de São Paulo. Paralelamente, como colecionador, construiu rica reputação. A ?Cid Collection?, como é conhecida, tem 10 mil objetos. Uma das peças de resistência é o lote de 6 mil fotografias. Há poucos meses ele comprou uma vasta coleção de cerâmica marajoara, do Amazonas, peças feitas no período pré-colombiano, por US$ 1 milhão. Adquiriu, também, uma tela do americano Frank Stella por US$ 750 mil. Foram necessárias 19 pessoas para instalar o quadro de quinze metros de comprimento num dos corredores da mansão dos Jardins, em São Paulo. ?É indício da megalomania de Edemar?, diz um galerista paulistano. Kalil tem outra impressão. ?Dizem que a casa dele é absurdamente grande, afrontosa?, afirma. ?Mas cabe lembrar que a mansão é gigante para abrigar uma coleção valiosa, um patrimônio que veio para o Brasil, aqui ficará e, no futuro, poderá ser admirado?.