O papel do “efeito surpresa”, com uma pane no meio da noite, que desestabilizou os pilotos, esteve no centro dos debates, nesta quinta-feira (13), do processo da fabricante Airbus e da companhia aérea Air France, julgadas por suas responsabilidades no acidente fatal do voo Rio-Paris.

Os pilotos do A330 que fazia o trajeto entre o Rio de Janeiro e a capital francesa não conseguiram controlar sua trajetória, resultando na queda da aeronave em 1º de junho de 2009, no oceano Atlântico, matando seus 228 ocupantes.

Após o congelamento das três sondas Pitot, que provocaram o desligamento repentino do piloto automático, o avião seguiu, assim, uma trajetória ascendente antes de perder sustentação em poucos minutos.

“Os dez primeiros segundos serão essenciais, pois vão condicionar o que virá a seguir. O efeito surpresa no meio da noite, os alarmes que se sucedem…”, resumiu um especialista em aeronáutica. “É aí que se inicia esta trajetória que, infelizmente, o piloto não vai modificar”.

Este “efeito surpresa” poderia ter sido previsto? A pergunta é crucial para determinar as eventuais responsabilidades no acidente da fabricante da aeronave e da companhia aérea que operava o voo.

Em suas conclusões, o primeiro colégio de especialistas nomeado durante a investigação apontou principalmente para o “procedimento”, ou seja, a conduta a adotar diante desta falha das sondas, que medem a velocidade do avião, inscrita no manual da Airbus.

Ele não estaria “especificamente adaptado”, pois estaria associado à “baixa altitude”: ou o AF447 estaria então em voo cruzeiro, em altitude elevada, e os pilotos, embora treinados, nunca adotaram este procedimento.

“É difícil dizer que vamos seguir os procedimentos em todos os casos”, afirmou um dos especialistas, em resposta a uma pergunta do tribunal.

“Por outro lado, a informação é algo que pode ser muito facilmente comunicada e achamos que a informação tem, apesar de tudo, um efeito imediato sobre o efeito surpresa. Se nós antecipamos alguma coisa, o efeito surpresa deixa de existir”.

Os especialistas interrogaram outros pilotos que conseguiram controlar esta pane e “apenas dois aplicaram o procedimento. Portanto, podemos dizer (…) que a uma altitude elevada, não é totalmente evidente (aplicar) diretamente este procedimento”.

– “Memorando ineficaz” –

Do lado da Air France, os especialistas destacaram que a empresa divulgou um “memorando tardio e ineficaz, apesar de um incidente significativo em 14 de julho de 2008” durante um voo Tóquio-Paris “e cinco casos registrados em seguida”.

As falhas nas sondas tinham se multiplicado ao curso dos meses precedentes ao acidente. A Air France havia solicitado reuniões com a Airbus e a Thalès, a fabricante das sondas e, em 6 de novembro de 2008, a empresa havia distribuído um memorando de segurança nos arquivos das tripulações.

“Todos os pilotos que nós entrevistamos e que controlaram este tipo de acontecimento não fizeram referência a este memorando”, explicou outro membro do colegiado.

“Temos a impressão de que os arquivos são sobrecarregados e que era mais um papel…”, afirmou um juiz que assessora o tribunal.

“Aí está. Um memorando (como este) é algo importante, trata da segurança dos voos, mas (…) não é um documento de consulta obrigatória, não temos certeza que a pessoa a leu”, respondeu o especialista.

Os especialistas também observaram, no entanto, que os informes sinalizando inicialmente os incidentes, os ASR (Air Safety Report), eram à época redigidos “de uma forma muito factual” e não transpareciam o “pânico” sentido.

Mais amplamente, a “periculosidade” real desta falha não é transmitida às autoridades, como o Birô de Investigações e Análises (BEA) ou a Agência Europeia de Segurança Aérea (AESA).

“Todo mundo” na “comunidade aeronáutica” ficou “surpreso com a trajetória do AF447”, resumiu um especialista. Após o acidente, “o treinamento mudou, toda a regulamentação mudou”.