19/09/2014 - 20:00
A fortuna do escritor americano Mark Twain oscilou ao longo de sua vida. Twain ficou rico com o sucesso de seus livros, mas investiu no projeto de uma máquina impressora mecânica que não deu certo e perdeu quase tudo. Genial frasista, uma de suas tiradas sobre o assunto ficou para a posteridade. “Abençoada especulação financeira”, escreveu ele. “Há pouco tempo eu não tinha um tostão, e agora me dou ao luxo de dever milhares de dólares.” Atualize-se a parcimônia dos zeros do início do século passado e teremos algo comparável ao “patrimônio negativo” de um bilhão de dólares atribuído ao ex-bilionário carioca Eike Batista por seus credores.
Batista declarou, na quarta-feira 17, ter voltado à classe média onde nasceu e reafirmou sua convicção de que conseguirá pagar cada centavo que deve. Não será fácil. Há vários pontos ainda nebulosos nas declarações de Batista e de Sérgio Bermudes, o experiente advogado do Rio de Janeiro que o assessora. Resta, ainda, saber se Batista usou ou não informações privilegiadas para vender suas ações antes da queda – ele afirma que as ações pertenciam a credores. Também estão pendentes as condições da doação de seu patrimônio imobiliário aos dois filhos – ele jura que a transferência foi um movimento “normal” de sucessão patrimonial.
No entanto, mesmo que o ex-bilionário consiga, como Mark Twain, gerar dinheiro para pagar cada um de seus credores, sua debacle estabelece limites definitivos à especulação financeira no Brasil. Batista foi revolucionário em vários sentidos. A capacidade de levantar bilhões de dólares no Brasil e no mercado internacional com empresas em fase pré-operacional, pouco mais do que meras promessas, foi algo inédito por aqui. No entanto, assim como conseguiu surfar na fase mais exuberante da história do mercado acionário brasileiro, ele bateu de frente com os limites desse mesmo mercado.
A enorme alavancagem financeira de suas empresas, em especial a petrolífera OGX, só se sustentaria em um cenário de juros baixos e de capital estruturalmente abundante. Essas condições, se existissem, se constituiriam numa porta de saída para os investidores que não desejassem mais acompanhar os riscos do Grupo X. A ausência desse recurso fez com que a deterioração das expectativas fosse acompanhada de uma destruição de valor sem precedentes na história brasileira. Decepcionados, os investidores procuraram liquidar suas posições a qualquer preço, o que precipitou a catástrofe no pregão.
Há duas maneiras de ver a OGX e as demais companhias de Batista. Por um lado , elas podem ser consideradas um rol de empresas pré-operacionais muito promissoras, mas extraordinariamente arriscadas. Nesse aspecto, seus investidores foram muito azarados, ao apostar em algo para o qual o mercado brasileiro ainda não estava maduro. Por outro lado, o Grupo X poderá ficar na história como o maior episódio de especulação financeira privada do Brasil, só comparável ao Encilhamento, a farra de especulação com títulos públicos promovida, na aurora da República, por ninguém menos do que Ruy Barbosa, mais tarde conhecido como “Águia de Haia”.
No dia seguinte à crise, procuram-se responsáveis e caçam-se os culpados. Resta saber se Batista fará como Mark Twain. Já sexagenário, o escritor lançou-se em uma interminável viagem fazendo palestras e vendendo seus livrinhos de modo a pagar tudo o que devia a seus credores, ainda que, por lei, já estivesse livre dessa obrigação. “Dívidas devem ser pagas”, escreveu ele em uma carta à filha. E, desta vez, o satirista falava mortalmente sério.