08/06/2011 - 21:00
Houve uma época, não muito tempo atrás, em que todo o noticiário envolvendo o Brasil e o Fundo Monetário Internacional (FMI) era sinônimo de crise. O País era uma das nações que, ano sim; outro também, batiam à porta do Fundo de pires na mão, pedindo dinheiro para fechar suas contas. Nos últimos anos, felizmente, o Brasil saldou a fatura. Não apenas pagou sua dívida, como virou credor e no ano passado conseguiu, inclusive, aumentar sua cota como acionista da instituição.
Recuperado da crise internacional, passou a cobrar dos países ricos a reforma do sistema financeiro. Mas foi na semana passada, em Brasília, que ficou evidente o novo momento brasileiro no cenário internacional, com a visita de dois candidatos à direção-geral do órgão, depois da renúncia do francês Dominique Strauss-Kahn, acusado de tentativa de estupro contra uma camareira de hotel.
Na segunda-feira 30, a ministra da Economia da França, Christine Lagarde, desembarcou em Brasília para uma visita de menos de oito horas. Almoçou com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, encontrou-se com o do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, e com o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, deu algumas entrevistas e embarcou de volta a Paris. Foi sua primeira viagem como candidata. Nesta semana, ela continua a campanha, visitando China, Índia e Oriente Médio.
“Se o Brasil me apoiar, isso irá significar que a minha candidatura é universal ” Christine Lagarde, ministra da Economia da França
Na quarta-feira 1º, foi a vez de Agustín Carstens, presidente do Banco Central do México, desembarcar no Brasil para uma visita de cortesia de dois dias. Carstens não foi recebido na Fazenda com almoço, mas ganhou uma entrevista coletiva, ao lado de Mantega, na sede do ministério. O candidato ouviu também o ministro da Fazenda discorrer sobre a “importância de um candidato de um país emergente”.
Na quinta-feira 2, a presidente Dilma Rousseff recebeu um telefonema que anunciava um terceiro candidato ao posto de número um do FMI. O presidente da África do Sul, Jacob Zuma, consultou a presidente sobre uma possível candidatura do ex-ministro das Finanças do país, Trevor Manuel. Não é o voto brasileiro que atrai a atenção dos pretendentes, já que o voto de cada país é proporcional ao capital investido no Fundo.
O do Brasil representa apenas 2,79% do total – enquanto os Estados Unidos têm 16,8% e o Japão, 6,25%. O que trouxe, na verdade, os candidatos a Brasília é a influência do País, especialmente a que pode ser exercida sobre os outros emergentes. “Se o Brasil me apoiar, isso irá significar que a minha candidatura é universal”, disse à DINHEIRO Christine Lagarde, justificando o beija mão a Mantega.
Em Brasília, o mexicano e a francesa pediram voto do jeito tradicional: com o discurso que o eleitor quer ouvir. Declararam-se a favor do aprofundamento das reformas internas no FMI, que no ano passado aumentou a participação proporcional dos países emergentes. Desde a crise de 2008, sob o comando de Strauss-Kahn, o fundo tornou-se uma espécie de órgão executivo das políticas discutidas no G20, grupo que reúne tanto países em desenvolvimento, quanto emergentes. Christine e Agustín aproveitaram suas visitas, ainda, para defender o direito de os países exercerem algum controle sobre a entrada de recursos estrangeiros, como quer o governo brasileiro.
Cartens foi até mais incisivo na abordagem do assunto. “É preciso ter mais flexibilidade, pois os próprios países sabem o que é melhor para eles”, disse o candidato mexicano à DINHEIRO. “O Brasil está em condições de adotar o controle de capitais.” Dias antes, Christine também já havia feito elogios ao País. “Observo que o Brasil tomou medidas muito apropriadas e não se engajou em controle excessivo, tomando, inicialmente, as medidas corretas do ponto de vista macroeconômico e prudencial”, disse a ministra francesa.
Embora lisonjeado por tanta deferência, Mantega fez jogo duro. Em público, não declarou apoio a nenhum dos candidatos. Disse que vai esperar até a próxima sexta-feira 10, data limite para a apresentação de candidaturas, e que vai votar em ideias, não em nacionalidades. “Queremos alguns compromissos, como a continuação das reformas, a nova reforma das cotas em 2014, a manutenção da agenda internacional alinhada com o G20 e o aumento do número de brasileiros na direção do Fundo”, afirmou o ministro da Fazenda.
Nos bastidores, o governo brasileiro considera que a vitória de Christine favorece o Brasil, já que ela teria mais força para levar adiante as reformas. Além disso, o pleito de ter mais brasileiros na cúpula da instituição ficaria mais difícil de ser atendido com um mexicano na direção-geral. Apesar de que, até agora, apenas os europeus tenham declarado voto em Christine, a ministra francesa é considerada favorita e deve manter a tradição de um europeu na direção do Fundo.
“Devemos aprender com países que estão em dificuldade”
Christine Lagarde, ministra da Economia da França
Por que o Brasil deveria apoiar a sua candidatura?
Eu ficaria muito orgulhosa se o Brasil me apoiasse. Número um: porque mostraria que minha candidatura é universal. número dois: porque significaria que eu fui capaz de ouvir, compreender e apreciar as preocupações do Brasil. E três: porque o Brasil estaria considerando que eu tenho as habilidades, expertise e competência necessárias para gerenciar a instituição.
Se eleita, vai fazer avançar a agenda de reforma no sistema financeiro?
Meu plano é perseguir a reforma, e continuar na mesma trilha que o ex-diretor-geral anterior iniciou durante seu mandato.
Qual a sua posição sobre controle de capital?
Devemos ser capazes de aprender com a expertise e experiência de países que estão experimentando grandes dificuldades, no momento, com o fluxo maciço e abrupto de capitais. Eu observo que o Brasil tomou medidas muito apropriadas e não se engajou em controle excessivo de capitais, tomando, primeiro, as medidas corretas, do ponto de vista macroeconômico e prudencial, em vez de se valer de controle de capitais.
“É preciso flexibilidade. Os países sabem o que é melhor para eles”
Agustín Carstens, presidente do Banco Central do México
Por que o Brasil deveria apoiar a sua candidatura?
Porque precisamos de uma representação maior dos países emergentes e da região. Brasil e México têm visões parecidas, por isso, estou pedindo o apoio do Brasil.
O ministro Guido Mantega disse que quer mais brasileiros no comando do FMI. É possível conseguir isso com um mexicano como diretor-geral?
Há muitos outros cargos. É indispensável que o Brasil tenha maior participação, inclusive no capital. Ele é o décimo maior cotista, mas está sub-representado.
O senhor vai trabalhar pelas reformas no sistema financeiro?
É preciso avançar e aprofundar as reformas, para que a estrutura do Fundo reflita melhor a situação econômica atual. Há um desalinhamento de forças na composição atual. Os emergentes e especialmente os latino-americanos precisam aumentar sua participação na governança do Fundo.
Qual a sua opinião sobre controle de capitais?
É preciso ter mais flexibilidade. São os próprios países que sabem o que é melhor para eles. O Brasil é que sabe. Eu acho que o Brasil está em condições de adotar o controle.