29/06/2007 - 7:00
JARAMILLO: com aquisição, ativos do Santander passariam a R$ 278 bilhões
Dois eventos dramáticos tomaram conta da sala de concertos “de doelen”, em Roterdã, na quinta-feira 20. De manhã, durante longas quatro horas e quinze minutos, os diretores do ABN Amro Bank detalharam a 578 acionistas as duas bilionárias propostas de aquisição, recebidas do inglês Barclays e de um consórcio formado pelo escocês Royal Bank of Scotland, o belga Fortis e o espanhol Santander. O destino dos 16 altos executivos do banco holandês ali presentes – dentre eles o brasileiro Marcus Vinícius Pratini de Moraes, membro do Supervisory Board – será decidido nas próximas semanas pelos senhores e senhoras da platéia. Terminada a assembléia extraordinária do ABN Amro, os girassóis foram retirados e o palco foi preparado para receber, à noite, o bailarino espanhol Jesús Herrera. A música e a dança flamenca soaram como um prenúncio do resultado: a vitória do consórcio, que jogaria no colo do Santander o Banco Real (comprado pelo ABN Amro em 1998) e mudaria o cenário da competição no mercado bancário brasileiro.
Os espanhóis já consideram o negócio como favas contadas. Durante a visita oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Espanha, na semana passada, o presidente do Santander, Emilio Botín, adiantou que o consórcio levará a melhor na disputa com o Barclays. Somente uma grande tragédia, como “um tsunami”, poderia impedir esse desfecho, disse Don Emilio a Lula na manhã do sábado 15, em Madri, no Palácio de Moncloa, em reunião com empresários e o primeiro-ministro José Luís Rodríguez Zapatero. Estavam presentes o ministro Miguel Jorge – que antes de assumir a pasta do Desenvolvimento, Comércio e Indústria trabalhava no Santander – e o presidente do banco espanhol no Brasil, Gabriel Jaramillo. Não é comum que grandes negócios deste tipo, que também envolve dois outros grandes sócios, sejam anunciados por um deles antes da assinatura do último acionista vendedor. O ABN Amro tem o controle pulverizado em centenas de acionistas, inclusive poderosos fundos de hedge, e os prazos para que aceitem ou não as propostas vencem em 4 de outubro (caso do Barclays) e 5 de outubro (consórcio). Cantar vitória antes disso pode ser prematuro. Porém, tudo indica que o trio de bancos tem mais munição para vencer.
FÁBIO BARBOSA, PRESIDENTE DO BANCO REAL E DA FEBRABAN: “Sou apenas um empregado. Aguardo a decisão dos acionistas”
O consórcio conseguiu derrubar na quinta-feira a óbvia preferência que o board do ABN Amro tem pela proposta de fusão com o Barclays. De sua cadeira, em frente à de Pratini de Moraes, o presidente Rijkman Groenick não deixou dúvidas de sua escolha pessoal: “Este banco deve perder sua identidade? A fusão com outra instituição seria melhor no longo prazo. Particularmente, esta é minha posição”. Fatiar o banco nunca foi uma estratégia e, portanto, a diretoria não poderia endossar a proposta do consórcio, argumentou. Porém, como esta é financeiramente melhor, Groenick e seus colegas optaram pela neutralidade e não recomendaram aos acionistas nenhuma das duas ofertas. Ambas foram dissecadas pelo diretor financeiro Huilbert Boumeester. Quando chegou a vez de mostrar o resumo da proposta do consórcio, acabou a luz e a transparência sumiu das grandes telas do palco. “Estamos sob muita pressão”, afirmou, com um sorriso nervoso. Há bons motivos para isso. Todos ou quase todos podem perder seus empregos caso o banco, fundado em 1824 pelo rei Willem I, seja desmembrado. Se o dinheiro fala mais alto que a tradição, o fim do ABN Amro pode ser a opção dos acionistas.
Em valores correntes, a proposta do consórcio é pagar 37,88 euros por ação do banco holandês, acima dos 32,63 oferecidos pelos ingleses. Além de o valor superar em 16,1% a oferta do Barclays, a oferta tem um componente adicional: seria paga quase totalmente em dinheiro, enquanto o concorrente pretende fazer troca de ações. Se levarem a melhor, o RBS, o Fortis e o Santander desembolsarão quase US$ 100 bilhões (R$ 200 bilhões) e fatiarão o ABN Amro. Nesse cenário, o Banco Real seria incorporado pelo Santander e criaria um novo gigante financeiro. Combinado com o Real, o Santander poderia passar da sétima para a terceira posição no ranking de bancos no Brasil, à frente do Itaú. Um verdadeiro tsunami na competição local, que ameaça os atuais líderes e poderá desencadear uma nova corrida pela compra de outros bancos pelo Bradesco e pelo Itaú. “É uma fusão entre duas empresas grandes e vai ter volume. A concorrência é importante porque sempre que tem concorrência a gente se preocupa mais um pouco”, disse à DINHEIRO Márcio Cypriano, presidente do Bradesco, na tarde da quinta-feira, após uma apresentação a analistas de mercado em Brasília.
“O maior ameaçado pode ser o itaú”
O Real se encaixa perfeitamente na estratégia do Santander de crescer rapidamente no mercado brasileiro. Com 1.980 agências e postos de atendimento e 13,8 milhões de clientes (o dobro do Santander), é um banco que contribui com 20% da rentabilidade global da matriz holandesa. Bem estruturado e organizado, é complementar ao Santander. Quando adquiriu o Banespa, o espanhol ganhou uma rede bem robusta no Estado de São Paulo. Das 2.026 unidades atuais, 1.400 são paulistas. Com o Real, os canais de distribuição passam a ter mais força em todo o Brasil, com uma distribuição de agências, correspondentes e postos de atendimento bancários mais uniforme. “Para o Santander, essa aquisição é importante para virar um dos grandes bancos no Brasil”, afirma Catarina Pedrosa, analista-chefe do Banif Investment Bank. Nos últimos meses, a possibilidade de compra pelo Santander azedou o clima corporativo e muitos funcionários, temendo as eventuais demissões, buscaram empregos em outras instituições. O presidente do Real, Fábio Barbosa, que também preside a Febraban e tem seu emprego ameaçado, evita comentar o assunto. “Sou apenas um empregado. Aguardo a decisão dos acionistas”, tem dito aos interlocutores.
Os grandes bancos nacionais não ficarão parados. Itaú e Bradesco podem voltar as baterias para o Unibanco. A casa dos Moreira Salles é sempre vista como “a noiva cobiçada”, para usar uma expressão do falecido banqueiro Pedro Conde, cujo BCN foi sócio do Barclays no Brasil e acabou sendo comprado pelo Bradesco. A noiva, assim, ficará bem mais cara – isso, se estiver à venda, o que o banqueiro Pedro Moreira Salles não admite.