25/10/2025 - 6:56
Partido do presidente chega na disputa com o objetivo de inflar sua reduzida base parlamentar. Oposição, porém, ganha força em meio a escândalos de corrupção, queda de popularidade e pressões econômicas.Os argentinos vão às urnas neste domingo (26/10) para uma eleição parlamentar que renovará metade da Câmara dos Deputados e um terço do Senado do país. O pleito deve definir o futuro político do presidente Javier Milei, cuja governabilidade, já frágil, se vê ameaçada por denúncias de corrupção e pela queda de sua popularidade.
Em 21 de agosto, a deputada Marcela Pagano, que há dois anos havia sido eleita pelo partido de Milei, A Liberdade Avança, deixou a sigla governista e lançou nas redes sociais uma série de denúncias contra o governo que implicam diretamente a irmã do presidente, Karina Milei.
Áudios vazados, que ainda passam por verificação judicial, indicam que Karina, que também é secretária-geral da Presidência, estaria envolvida em um esquema de proprina em negociações envolvendo empresas farmacêuticas. Ela nega as acusações.
Para Pagano, o escândalo é um indicativo de que o Executivo argentino ignorou as necessidades da classe média e de grupos desfavorecidos, como pessoas com deficiência e aposentados, além de não exonerar os supostos envolvidos em casos de corrupção, conforme prometido por Milei.
“Eu estava convencida de que poderíamos promover uma mudança real, mas, infelizmente, o projeto saiu dos trilhos”, afirma Pagano à DW. Ela acredita que o “milagre argentino”, que muitos economistas em todo o mundo elogiaram devido à queda maciça da inflação no governo Milei, cobra um preço alto.
“Mais de 25 mil pequenas e médias empresas tiveram que encerrar ou suspender suas atividades devido à falta de demanda e ao aumento dos custos energéticos. O poder de compra a partir dos salários formais caiu cerca de 20% em termos reais, enquanto os rendimentos informais e as pensões mínimas perderam mais de 30% do seu valor em relação à inflação”, relata Pagano.
Os custos sociais do ajuste fiscal proposto por Javier Milei também pressionam sua popularidade, que antes superava 50%. Às vésperas da eleição, apenas 39,9% dos argentinos aprovam sua gestão, enquanto 55,7% a desaprovam. Os resultados podem derrubar os votos em seus apoiadores.
O apoio popular era justamente o principal pilar de governabilidade de Milei. Com uma base legislativa menor que a da oposição peronista, o presidente tem recorrido a decretos e vetos para implementar sua agenda. A expectativa é que as eleições legislativas ampliem o número de deputados alinhados ao governo, mas analistas avaliam que as dificuldades econômicas e políticas devem continuar impedindo que Milei conquiste uma maioria estável no Congresso.
Tratamento de choque com efeitos colaterais
Aparentemente, os efeitos colaterais do tratamento de choque na economia são maiores do que a cura em si. Milei impôs medidas drásticas ao país, que tinha uma dívida externa de 278 bilhões de dólares (R$ 1,5 trilhão): demitiu dezenas de milhares de funcionários públicos, extinguiu ministérios e cortou subsídios para medicamentos, eletricidade, água, gás e transporte público, alguns dos quais essenciais à vida em sociedade.
O símbolo dessa política radical de austeridade é uma motosserra, com a qual ele personifica o corte do Estado. De fato, há resultados além do controle da hiperinflação. Milei conqistou o primeiro superávit orçamentário desde 2010, por meio de um ligeiro boom nas importações e lucros recordes para empresas exportadoras dos setores de mineração e energia.
No entanto, os sucessos macroeconômicos não mudaram a vida da parcela mais pobre da população. A frase “meu mês acaba no dia 20” tornou-se um dito popular para muitos argentinos, pois o salário simplesmente não é suficiente para os dez dias restantes.
Especialistas estimam que um em cada dois argentinos precisa recorrer às suas poupanças todos os meses para conseguir pagar as contas. Os motivos: um peso argentino supervalorizado, com preços semelhantes aos dos EUA e da Europa, e o aumento do desemprego, salários congelados e aluguéis elevados devido à liberalização do mercado imobiliário.
“Muitas pessoas estão trabalhando ainda mais, outras estão adiando as compras que pretendiam fazer para o futuro. As famílias estão se endividando. Estamos há dois trimestres em recessão, o que levou a uma queda no consumo”, afirma o analista político Sergio Berensztein.
Trump tenta ajudar Milei
Devido à crise econômica, Milei pediu ajuda a um de seus maiores amigos políticos dentro da ultradireita: o presidente dos EUA, Donald Trump, que, em troca, elogiou Milei como seu “presidente favorito”. Washington quer montar um pacote financeiro em forma de swap cambial no valor de 20 bilhões de dólares (R$ 107 milhões) para a Argentina.
Mas não sem interferir na campanha eleitoral: “Se ele ganhar, continuaremos com ele. Se não ganhar, vamos embora”, disse Trump na última semana, vinculando a ajuda financeira ao sucesso de Milei nas eleições parlamentares deste domingo.
Pode ser por pouco: as pesquisas preveem uma disputa acirrada entre o partido de Milei, A Liberdade Avança, e os peronistas do Fuerza Patria, que voltaram a se destacar principalmente depois da vitória nas eleições provinciais de Buenos Aires no início de setembro.
Os peronistas também contam com o fato de que a euforia dos jovens eleitores, alguns dos maiores apoiadores do atual governo, diminuiu, derrubando sua popularidade.
Muitos jovens se dizem desiludidos com o desempenho do presidente: “Em 2023, a eleição presidencial foi decidida pelos votos dos jovens. Embora Milei ainda possa contar com um grande apoio entre eles, isso já não acontece mais na mesma medida”, afirma Berensztein.
De modo geral, mais homens do que mulheres votaram em Milei: “No interior do país, ele ainda é visto como uma voz contra o sistema, embora nunca tenha visitado muitas dessas províncias”, diz.
Campanha prejudicada por escândalos
O resultado da eleição parlamentar também depende da capacidade do presidente – que em uma de suas mais recentes e memoráveis aparições na campanha eleitoral se apresentou como um astro de rock – de se livrar dos escândalos de corrupção que abalam seu governo.
Ao escândalo que envolve sua irmã, apelidado de “Karinagate”, se somou o caso de José Luis Espert, um
correligionário de Milei acusado de ligações com um traficante de drogas.
“O resultado das eleições parlamentares não é tão decisivo quanto a forma como o governo lidará com o resultado. É claro que é importante para Milei vencer as eleições, mesmo que seja por uma pequena margem, para ganhar capital político e frear o ímpeto dos peronistas”, afirma Berensztein.
“Mas uma vitória não resolve os problemas da Argentina. Milei precisa aprender a construir pontes e, acima de tudo, mudar seu estilo confrontador”, conclui.