29/11/2020 - 16:00
A ideia original do PSDB no dia 15 de novembro, data do primeiro turno das eleições municipais, era que Bruno Covas participasse de uma entrevista coletiva apenas com jornalistas depois de anunciado o resultado da primeira etapa. Por causa da pandemia do novo coronavírus, o comando da campanha pretendia, com isso, apenas cumprir o ritual para as câmeras, em vez de fazer uma grande festa, como reza a tradição tucana.
Mas com as pesquisas de boca de urna apontado um crescimento de Guilherme Boulos (PSOL) acima do esperado, os tucanos mudaram de ideia, e o presidente do partido da capital, Fernando Alfredo, fez uma convocação de última hora para a “militância” comparecer ao diretório.
Diante da perspectiva de um segundo turno contra Boulos, de fato concretizada, o PSDB estabeleceu a mobilização de rua como prioridade para conter eventual nova onda da esquerda na capital paulista.
Estratégia
Do ponto de vista estratégico, as linhas gerais da narrativa da campanha de Covas no segundo turno foram definidas ainda durante a apuração, no apartamento do coordenador do grupo, Wilson Pedroso. Covas foi obrigado a sair de sua zona de conforto para enfrentar uma aliança combativa de esquerda. A ideia de colar a pecha de radical e extremista em Boulos foi o caminho escolhido para apresentar Covas como um nome moderado, agregador e “de centro”.
“A estratégia deles foi alimentar a polarização. A postura do PSOL nas redes sociais não foi diferente da que eles criticam no bolsonarismo”, disse o publicitário Felipe Soutello, coordenador de comunicação da campanha tucana. “Bruno entrou com 26 representações judiciais e direitos de resposta e teve 14 favoráveis. Boulos entrou com 20 e perdeu todas.”
Para fazer frente à estratégia do PSOL de dar protagonismo a ex-prefeita Luiza Erundina, candidata a vice de Boulos, a campanha de Covas escalou a também ex-prefeita petista Marta Suplicy, que ganhou até um carro adaptado para fazer campanha na periferia sem correr o risco de ser contaminada pelo coronavírus. “Marta representa simbolicamente que nossa candidatura está no campo progressista”, disse Pedroso. Antes da campanha, Marta tentou ser vice do tucano, mas as negociações não avançaram.
Caminhadas
Em tempos de pandemia e exaltação às estratégias digitais, Covas adotou uma campanha à moda antiga. Aqueceu a atuação presencial nos 56 diretórios zonais do partido, fez carreatas e caminhadas com até 1.800 pessoas. Apesar do desgaste provocado pelas imagens de aglomeração, a ideia foi mostrar volume para fazer frente ao crescimento de Boulos nas pesquisas. Nas agendas, Covas fez uma campanha formatada para as redes de TV, com caminhadas tão rápidas que, em alguns bairros, não chegavam a completar um quarteirão – menos de 15 minutos.
Um dos temas que perseguiram Covas no segundo turno foi a decisão do governo estadual de adiar para o dia 30, seguinte ao segundo turno, o anúncio de possível mudança de fase no Plano SP, que pode endurecer as regras da quarentena. O candidato do PSDB se esforçou para minimizar os riscos de uma segunda onda.
“Não vamos fazer discurso alarmista em véspera eleitoral, superestimando esses dados. Também não vamos fazer discurso de que a pandemia acabou. A gente continua a enfrentar esse desafio”, repetiu.
A campanha de Boulos também atacou o candidato a vice de Covas, o vereador Ricardo Nunes (MDB). O discurso adotado foi o de que Nunes não foi condenado a nada. O prefeito chegou a perder a paciência ao falar sobre isso em uma entrevista na rádio CBN.
Em tratamento contra um câncer no trato digestivo, Covas teve de fazer sessão de imunoterapia em plena reta final da campanha. “Deu tudo certo e estou liberado”, disse ele na quarta-feira. No mesmo dia, anunciou que vai pagar o auxílio emergencial municipal de R$ 100 no início de dezembro, em parcela única, via contas dos beneficiários – não sem antes ressaltar que o projeto, aprovado pela Câmara Municipal, foi uma iniciativa do vereador petista Eduardo Suplicy.
Boulos: Acordos tentam alcançar periferia
Eram pouco mais de 20h de domingo, dia 15, quando o candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos, recebeu um telefonema de Jilmar Tatto, que concorreu ao cargo pelo PT. Tatto ligou para empenhar apoio a Boulos e colocou a máquina do PT, com grande capilaridade na periferia, à disposição do líder do MTST. Era o primeiro passo para consolidar a estratégia usada por Boulos nos últimos 15 dias de campanha: dar à candidatura o caráter de uma frente antibolsonarista.
“A gente precisou dialogar com mais setores, então abrimos o segundo turno criando uma frente de esquerda e centro-esquerda para ampliar a mobilização e fomos conversar com setores como os evangélicos, pequenos comerciantes”, disse Josué Rocha, coordenador da campanha. Além do PT, a campanha recebeu apoio de PCdoB, PDT, PSB e Rede.
A frente ajudou a campanha a solucionar um problema: como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, amigo e aliado de Boulos, seria apresentado sem que os adversários explorassem com eficácia o antipetismo contra o candidato do PSOL. A saída foi diluir a participação de Lula nos programas de TV.
Ex-presidente. O líder petista, que nos últimos 30 anos ocupou o centro das atenções na esquerda brasileira, foi mostrado sem protagonismo ao lado de Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede) e Flávio Dino (PCdoB). A reunião de adversários aparentemente irreconciliáveis passou a ser vista como um vetor capaz de abrir caminho para uma unidade da esquerda em 2022.
Com a ajuda dos novos aliados, Boulos abriu diálogo com setores aos quais tinha pouco acesso, como servidores públicos da área da segurança, pastores evangélicos, pequenos comerciantes, mulheres empreendedoras da periferia e a Igreja Católica mais conservadora, representada pelo arcebispo de São Paulo, d. Odilo Scherer. A base do PT, que não havia se empolgado com a candidatura de Tatto, trabalhou para Boulos na periferia.
Em outra frente, a campanha antes focada nas redes sociais passou a dividir a atenção com a TV. Se no primeiro turno Boulos tinha apenas dois comerciais por dia e 17 segundos no horário eleitoral, no segundo turno passou a ter 25 comerciais e dois segmentos de 5 minutos diariamente.
O maior tempo na TV e a profusão de entrevistas, debates e sabatinas, foram usados sobretudo para tentar rebater a principal estratégia do rival Bruno Covas (PSDB): rotular a candidatura de Boulos como radical. “Radicalismo, para mim, é o abandono do povo. Nós queremos e vamos inverter prioridades, tirar a cidade do abandono, tirar a periferia do abandono”, repetiu o candidato inúmeros vezes.
A TV também foi o meio utilizado para atacar Covas. A campanha explorou denúncias contra o candidato a vice do tucano, o vereador Ricardo Nunes (MDB). Em 2011, a esposa dele registrou um boletim de ocorrência após uma briga do casal. Além disso, Nunes é investigado pelo Ministério Público por supostas irregularidades no aluguel de creches conveniadas com a prefeitura. Ele nega.
Vice
A questão era como chamar atenção para o vice sem parecer que a campanha estivesse explorando politicamente a doença de Covas, que enfrenta um câncer. A saída foi lembrar que os dois únicos tucanos eleitos para a Prefeitura, José Serra e João Doria, abandonaram o mandato no meio para disputar o governo do Estado. E, por isso, e não por causa da doença, o eleitor deveria dar importância ao vice.
Mas o resultado positivo do exame para covid-19 de Boulos, anunciado anteontem, sacudiu a campanha na reta final. Além de inviabilizar o último debate, na TV Globo, isso deu aos adversários o discurso de que o candidato foi irresponsável ao continuar participando de atividades presenciais, mesmo depois de saber que a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), com quem esteve uma semana antes, havia contraído a doença.
A campanha do PSOL alega que os cuidados foram além dos recomendados pelo Ministério da Saúde. Isso, no entanto, não impediu que termos como “irresponsável” fossem associados a Boulos nas redes sociais e chegassem aos assuntos mais comentados do Twitter.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.