21/02/2014 - 21:00
O empresário ucraniano Jan Koum, 38 anos, deixou na quarta-feira 19 a discreta sede do WhatsApp, um aplicativo de mensagens instantâneas para celulares, e percorreu em seu carro algumas quadras até o prédio abandonado onde funcionava o escritório da agência social North County Social Services, em Mountain View, na Califórnia. Com ele estava seu sócio, o americano Brian Acton, 42 anos, e o investidor Jim Goetz, do fundo de private equity Sequoia Capital, que investira US$ 60 milhões, tornando-se dono de uma fatia de 19% do capital da startup. O prédio branco, hoje em ruínas, ocupa um lugar significativo na memória de Koum, que imigrou aos 16 anos de idade para os Estados Unidos, com sua mãe.
Eles estão rindo do quê?: Acton (à esq.) e Koum conheceram-se no Yahoo.
O escritório não tem placas ou logomarcas. “Nós todos sabemos
onde trabalhamos”, afirma Koum
Era lá que ele enfrentava filas para receber os chamados “food stamps”, um programa federal americano para fornecer comida a pessoas de baixa renda – uma espécie de Bolsa Família dos Estados Unidos. Pois foi nesse local cheio de reminiscências que ele assinou o acordo de venda do WhatsApp por US$ 19 bilhões para o Facebook, de Mark Zuckerberg, apenas cinco anos após ser criado. No seu jeito bastante informal e despojado, o ex-menino pobre apoiou-se em uma porta e colocou sua rubrica no contrato que o torna, ao lado de Acton, o mais novo bilionário do Vale do Silício. O negócio, que espantou pelas cifras envolvidas, trouxe à tona o efervescente mundo de aplicativos para celulares e tablets.
“O WhatsApp está a caminho de conectar um bilhão de pessoas”, escreveu Mark Zuckerberg, o CEO e fundador do Facebook, ao justificar a multibilionária aquisição. “Serviços que atingem essa marca são incrivelmente valiosos.” Para contextualizar o valor da transação, basta dizer que Zuckerberg poderia comprar com esse dinheiro, pelo seu valor de mercado, a fabricante de aviões Embraer, a companhia aérea Gol, o grupo Cosan, que investe em energia e infraestrutura, e mais da metade das incorporadoras imobiliárias listadas na Bovespa. E ainda sobraria um troco. O que torna o acordo ainda mais surpreendente é que, dias antes, a Rakuten, considerada a Amazon do Japão, comprou a Viber, rival do WhatsApp, por US$ 900 milhões.
Cada usuário custou aos japoneses pífios US$ 9. O Facebook, por sua vez, investiu US$ 42 por usuário do WhatsApp. Por que o Facebook pagou esse preço? “O WhatsApp fez para as mensagens o que o Skype fez para a voz e para os vídeos”, escreveu Goetz, da Sequoia Capital, em um artigo que justifica a importância da aquisição. Goetz não tem do que reclamar. Seu investimento na emergente empresa californiana multiplicou-se por 50, pois estima-se que a Sequoia tenha ganho US$ 3 bilhões na operação (leia o artigo de Goetz com exclusividade no site da DINHEIRO). Boa parte do mérito por criar o WhatsApp cabe a Koum, que, acredita-se, detinha 45% do aplicativo.
Por que Zuckerberg pagou tanto?: O WhatsApp tem 450 milhões
de usuários e ganha 1 milhão de novos cadastrados por dia
Ele nasceu num vilarejo nas cercanias de Kiev, a conflagrada capital da Ucrânia, em 1976, quando o país ainda pertencia à extinta União Soviética. Era filho de uma dona de casa e de um engenheiro construtor de hospital e de escolas. Sua casa não tinha água quente e seus pais raramente falavam ao telefone, com medo de que o aparelho estivesse grampeado pelo Estado. Aos 16 anos, Koum imigrou com a mãe para Mountain View, na Califórnia, fugindo da complicada situação política de seu país e do clima de antissemitismo. Os dois foram morar num pequeno apartamento de dois quartos subsidiado pelo governo americano. O pai nunca deixaria a terra natal.
Foram tempos duros, de muita dificuldade. Com 18 anos, foi estudar na San Jose State University. À noite trabalhava na consultoria Ernst&Young, na área de segurança. Foi assim que conheceu Acton, o 44º funcionário do Yahoo, quando inspecionou o sistema de publicidade da companhia. Seis meses depois, Koum foi contratado como engenheiro de infraestrutura do Yahoo e reforçou a amizade com Acton. Os dois trabalharam juntos em uma das empresas pioneiras da internet, até 31 de outubro de 2007. Quando saíram, tentaram emprego – por ironia da história – no Facebook e no Twitter. Mas foram recusados.
Durante esse período de incertezas, Koum comprou um iPhone e imaginou desenvolver um sistema que mostrasse o que os contatos da agenda do telefone estavam fazendo. Após perder três contas de Skype por esquecer a senha, Koum queria que o número do smartphone fosse o login. O ucraniano mergulhou na Wikipédia e em fóruns de informática para buscar um código que pudesse dialogar com essa parte do celular. Um programador russo se ocuparia do restante do aplicativo. Não deu certo. O programa travava o tempo todo. Em março de 2009, após uma partida de “ultimate frisbee” (espécie de futebol americano com disco), Koum desabafou com Acton, que queria desistir.
Ele disse não ao Facebook: o fundador do app Snapchat,
Evan Spiegel, recusou proposta de US$ 3 bilhões da rede social
“Você seria um idiota se desistisse agora, espere mais alguns meses”, respondeu o amigo. A ajuda veio da Apple. Em junho de 2009, a empresa de Jobs lançou a “push notification”, tecnologia que avisa os usuários quando há alguma novidade nos aplicativos. Amigos usados como cobaias para o WhatsApp começaram a trocar os status constantemente, brincando uns com os outros. Estava clara a vocação do aplicativo: intercâmbio de mensagens. A área estava descoberta. O benchmark do setor à época era o BBM, da canadense BlackBerry, que só funcionava nos aparelhos da marca. Havia o Gtalk (hoje chamado Hangout), o Skype e versões não oficiais do MSN.
Nenhum deles tinha o número do telefone como chave de identificação. Acton foi convocado e topou participar do projeto. Nascia o WhatsApp, em setembro daquele ano.“Eu sou um otimista contumaz, ele é mais paranoico”, disse Acton à revista Wired, referindo-se a Koum. “Eu presto atenção nas contas, ele olha o nosso produto.” No começo, alguns amigos não entendiam para que criar um aplicativo que age como um SMS quando… bem, já existia SMS. Koum, no entanto, sabia que, fora dos EUA, as mensagens de celular não eram tão baratas. E, de forma silenciosa, o WhatsApp começou a decolar. Questionado sobre a razão da discrição, Koum demonstrou um invejável controle do ego, que faria bem a muitos donos de startups.
“Marketing e imprensa chutam poeira nos olhos e tiram o foco do produto”, respondeu Koum, de acordo com a revista Forbes. A postura se mostrou vitoriosa. Sem alarde ou logomarcas que identificassem sua sede (“Não vejo motivo para ter uma placa. Serve apenas para alimentar o ego”, disse ele à Forbes. “Nós todos sabemos onde trabalhamos”), o WhatsApp passou a ocupar um escritório a algumas quadras da agência onde Koum retirava as “food stamps”. Na mesa de Koum, uma nota escrita à mão por Acton diz: “Sem publicidade! Sem jogos! Sem truques!”. Três máximas que levaram a dupla a entrar no clube dos bilionários.
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E aí, Zuckerberg?
No começo de 2012, Mark Zuckerberg marcou uma reunião de emergência na qual dramaticamente conclamou seus funcionários a transformarem o Facebook em uma empresa “mobile first” (primeiro no celular). Em suas palavras, era preciso fazer com que a rede social, nascida nos computadores tradicionais, ganhasse relevância e aumentasse sua presença no admirável mundo novo dos smartphones e tablets. A preocupação de Zuckerberg fazia sentido. Quando o Facebook abriu o capital, em abril de 2012, os investidores descobriram uma séria falha em sua estratégia.
Bem na foto: o Instagram, do brasileiro Krieger (à esq.) e Systrom,
foi a primeira compra de um aplicativo do Facebook
A rede social não ganhava um centavo com os aplicativos para smartphones. Na visão dos analistas, tratava-se de um cenário preocupante, que poderia prejudicar o futuro da jovem empresa. Em resumo: seu atual 1,2 bilhão de usuários, no fim das contas, podia valer pouco ou quase nada. Apesar desse despertar tardio, a companhia cuja sede fica em Menlo Park, na região do Vale do Silício, parece que conseguiu recuperar o tempo perdido. Zuckerberg colocou toda a sua energia no desenvolvimento de apps e na busca por formas de ganhar dinheiro com os smartphones. O esforço, ao que tudo indica, valeu a pena.
Mobilidade, atualmente, é a principal fonte de receita do Facebook. Não foi uma transição suave. Zuckerberg teve de se aventurar por uma área na qual não tinha experiência. E errou bastante, tentando imitar competidores ou lançando soluções que foram retumbantes fracassos, como o Poke, clone do Snapchat, ou o hoje esquecido Facebook Home, que alterava a interface de smartphones com Android. A solução, então, foi queimar etapas e ir às compras. A primeira delas foi o Instagram, em abril de 2012, que tinha um brasileiro, o empreendedor Mike Krieger.
Por US$ 1 bilhão, ele passou a ser dono de um dos mais bem-sucedidos aplicativos de compartilhamento de fotos. A compra do WhatsApp (um trocadilho com a palavra “What’s up”, que quer dizer “e aí”) confirma essa estratégia. A transação aponta também para uma mudança de postura de Zuckerberg. Antes, ele acreditava que uma rede social era capaz de atender a todas as necessidades dos usuários. Agora, ele quer fatiar a experiência online deles em diversos apps, como são chamados esses aplicativos. Preparem-se, portanto, para muitos apps do Facebook nos próximos anos.