No domingo, o auxiliar de enfermagem Jorge Carlos Ferreira dos  Santos, de 44 anos, ganhou do namorado da filha vários produtos para  limpar o carro. “Ficou brilhando, estava lindo”, lembrou, ainda sem  acreditar que dois dias depois seu veículo seria encurralado e depredado  por um grupo de taxistas que o confundiu com motorista do aplicativo  Über.

Santos seguia para o Hospital São Paulo, na Vila  Clementino, zona sul da capital, onde trabalha. Na Avenida 23 de Maio,  um grupo de taxistas que protestava contra a liberação do Uber cercou  seu carro, um Corsa preto, comprado há três anos. Para tentar escapar, o  motorista acelerou e atingiu cinco taxistas.

“Eu não sabia  que estava tendo manifestação, vi que estava com trânsito, mas achei  que não era nada demais. Até que vi o bloqueio dos taxistas. Como não  tinha para onde ir, passei por cima de uns galhos que eles tinham  colocado na rua e então eles me cercaram e começaram a chutar e bater no  meu carro. Eles me xingavam e gritavam: ‘É Uber, pega, não deixa  passar’ e ‘Mata'”, contou.

“Eu tentei acalmá-los e fui  pegar meu jaleco no banco de trás para mostrar que não era motorista,  mas aí eles começaram a falar que eu estava armado e ficaram ainda mais  agressivos. Nesse momento, fechei o vidro, porque eles ameaçavam me  agredir”, disse Santos.

O auxiliar de enfermagem contou que seu carro foi cercado por mais de 30 pessoas.

“Fiquei  muito assustado, só pedia a Deus para me tirar dali, porque eles iam me  matar. Quando vi que não dava para acalmá-los, tentei sair. Engatei a  ré e não consegui, depois acelerei.” Cinco taxistas que estavam na  frente do carro do auxiliar de enfermagem foram atingidos, eles tiveram  ferimentos leves nas pernas.

“Eu nunca quis machucar  ninguém, só queria me proteger. Não dormi à noite e só fico me  perguntando por que fizeram isso comigo. Eu sempre ajudei as pessoas,  trabalho para salvar vidas, não para agredir”, disse, ainda abalado.

Nesta  quarta-feira, 11, Santos registrou boletim de ocorrência no 1.º DP, na  Liberdade. O caso foi registrado como dano, ameaça e injúria. O carro,  que teve toda a lateral esquerda amassada e o vidro de trás quebrado,  passou por perícia técnica. Segundo a Polícia Civil, até o final da  manhã de ontem, ninguém havia registrado boletim de ocorrência pelo  atropelamento.

Medo

O auxiliar de  enfermagem disse ter achado que os taxistas iriam matá-lo. “Eu só  pensava nas minhas filhas (de 15 e 19 anos), que ficariam sem pai porque  eles iam me matar.”

Santos, que também trabalha no  Hospital José Soares Hungria, em Pirituba, na zona norte, comprou o  Corsa, seu primeiro carro, há três anos e estava a duas parcelas de  quitar o veículo. “Tenho dois empregos, faço plantão de 12 horas cada  noite em um hospital. Não tenho tempo para ser motorista do Uber.”

O  carro também estava sem seguro. Ele atrasou o pagamento de uma parcela  neste mês para pagar o Imposto de Renda. “Eu atrasei alguns dias e iria  pagar o seguro até o fim do mês. Nunca imaginei que algo assim  aconteceria comigo, sou uma pessoa tranquila, não corro, não cometo  irregularidade no trânsito.”

José Ortiz, advogado de  Santos, disse que vai aguardar a conclusão do inquérito pela Polícia  Civil e espera que os manifestantes que depredaram o carro sejam  identificados. “Com a identificação, vamos entrar com as medidas  judiciais cabíveis e cobrá-los pelos danos materiais que provocaram”,  afirmou.

Muito abalado, Santos chorava cada vez que  relembrava o incidente de anteontem. Ele também não quis ser fotografado  nem filmado, com medo de ser reconhecido pelos taxistas. O auxiliar de  enfermagem teme ser perseguido e agredido novamente. “Eu ainda estou com  muito medo, foi aterrorizante.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.