08/03/2006 - 7:00
O verbo comprar, em forma de súplica, é o mais utilizado pelas crianças. ?Pai, vamos levar a bicicleta do Batman??. ?Mãe, eu quero uma mochila da Kipling?. ?Compra, por favor, compra… cooooompra!!? Basta acompanhar pais e filhos num passeio por qualquer shopping center para ouvir os incessantes pedidos infantis. É um fenômeno global. Os pequenos tornaram-se um atraente público consumidor. O motivo: são eles que mandam no bolso
dos adultos. No mundo inteiro, estima-se que espetaculares US$ 1 trilhão em gastos nasçam por imposição da petizada. No Brasil, a quantia é estimada
em R$ 90 bilhões. É um segmento cobiçado pelo mercado e com imenso poder de fogo. Nos Estados Unidos, terra
do consumo, os gastos com crianças de 4 a 12 anos aumentaram 400% entre 1989 e 2002 ? um americano
de 12 anos gasta, em média, US$ 101 por semana. No Brasil o cenário é o mesmo, sobretudo nas camadas sociais mais abastadas.
Fotos:Daniel Wainstein
Os estrategistas: Giancarllo Selucio, de 7 anos, está entre os cerca de 33% que tentam driblar os pais ? quando o pedido não é atendido,
aceitam e voltam a
fazê-lo algum tempo depois
Estudo da empresa TNS InterScience no Brasil mostra que a influência dos pequenos no orçamento da família não pára de crescer. No levantamento realizado em 2005 junto a 1,5 mil mães (de 18 a 44 anos) de crianças e adolescentes com idades entre 2 e 4 anos, foi constatado que 82% dos filhos influenciavam fortemente no orçamento. Na mesma pesquisa realizada em 2000, o índice era de 71%. O que esses vorazes compradores infantis querem? Brinquedos ainda são grande parte dos objetos de desejo, mas eles agora disputam espaço com eletrônicos, roupas e recreação. Segundo o levantamento da TNS InterScience, 33% das crianças decidem sobre eletrônicos, 31% opinam na compra de brinquedos e 33% têm palpites decisivos nos gastos com lazer. No entanto, o setor em que elas têm maior poder é o de alimentos ? 42% dos filhos determinam o que será levado do supermercado. Não à toa, o segmento de chocolate, cacau e balas faturou R$ 6 bilhões no Brasil em 2005, um aumento de 16% no período, o maior entre os gêneros da indústria alimentícia.
O comportamento das crianças diante dos pais pode ser classificado em três perfis. Entendê-los é passo fundamental para tentar organizar as finanças da família. A saber:
Fotos:Daniel Wainstein
Os compreensivos: Entre os pesquisados, 27% são mais resignados e não insistem quando o pedido é negado, como Pietro Selucio, de 9 anos. Pertencem em maior número às classes C e D.
REBELDES: Cerca de 40% das crianças batem o pé e insistem com os pais. Giulia Taltassori, de 8 anos, é um desses pequenos determinados até o último fio de cabelo. ?A Giulia é de temperamento forte?, diz a mãe, a comerciante Jaqueline Taltassori, de São Paulo. ?Quando ela quer alguma coisa, insiste até conseguir?, resume. Filha única, Giulia tem seu próprio celular (da dupla Sandy & Junior, da operadora Claro), adora comida japonesa e faz questão de escolher todas as suas roupas. ?Se compro alguma coisa de
que ela não gosta, ela não usa mesmo, então, é melhor fazer logo do jeito da mocinha?, diz Jaqueline, resignada.
ESTRATEGISTAS: Representam em torno de 33% dos pesquisados. Se o primeiro pedido é negado, eles recuam e esperam a melhor hora para um novo ataque. Giancarllo Selúcio, de 7 anos, é dessa turma. ?O Gian é muito esperto, quando pede alguma coisa e não é atendido na hora, ele convence até os irmãos a trabalharem para conseguir o que ele quer?, diz o pai, Sidnei Selúcio, gerente da Oracle em São Paulo. Apaixonado por esportes, os jogadores de futebol são as grandes referências de consumo do menino. ?Ele quer a chuteira igual a do Ronaldo ou a bola que seja da Nike?, diz o pai. ?Eu digo que é muito caro e dou duas opções: um artigo semelhante mais barato que ele ganhará hoje ou o produto da marca preferida daqui a um tempo?, afirma. ?O Gian sempre prefere esperar.?
COMPREENSIVOS: De cada dez criança, três fazem parte desse grupo, ainda segundo a pesquisa da TNS. Pietro Selúcio, de 9 anos, é de temperamento completamente diverso do irmão mais novo, Giancarllo. ?O Pietro não liga tanto para marcas e não é tão consumista?, compara Sidnei. ?Sua única paixão são os games, outros produtos a mãe compra sem problemas.?
A divisão das crianças segundo suas reações aos limites dos pais revela o modo como elas deverão se relacionar com o dinheiro na idade adulta. ?Hoje temos gerações de filhos de pais que trabalham fora e tendem a querer materializar o afeto por meio de presentes?, avalia a psicóloga infantil Fabiana Lambert. ?Quais as atividades dos pais com os filhos nas grandes cidades??, questiona. ?Chega o fim de semana, todos vão juntos ao shopping, o filho fica na área de jogos eletrônicos, em seguida assistem a um filme no cinema e depois comem na praça de alimentação, provavelmente fast food,? diz. ?Com isso, a interação com os pais é sempre associada pela criança a uma situação de consumo e isso deverá ser repetido por ela quando for adulta, num círculo vicioso que precisamos quebrar.?
O poder dos pequenos no orçamento doméstico
Crianças que influenciam
nas compras das famílias:
Setores em que as crianças
mais opinam:
71% em 2000
80% em 2003
82% em 2005
Alimentação ? 42%
Eletrônicos ? 33%
Brinquedos ? 31%
Os produtos mais pedidos
são alimentos, entre eles:
Fatores que determinam
a escolha infantil:
Biscoitos/ bolachas ? 87%
Refrigerantes ? 75%
Salgadinhos ? 70%
Propaganda na TV ? 73%
Personagem famoso ? 50%
Embalagens ? 48%
Os eletrônicos preferidos
36% das famílias brasileiras têm pelo menos um filho com celular
41% é o número de crianças com aparelho no Japão
15% é o mesmo índice na Índia
Fonte: TNS InterScience – Estudo com 500 famílias brasileiras
com filhos entre 6 e 15 anos
A geração do celular
Fotos:Daniel Wainstein
Sempre ligada: Maria Isabel da Luz, 13 anos, gasta R$ 150 por mês com o celular
O telefone celular é o acessório indispensável na vida da estudante paulista Maria Isabel Fernandes da Luz, de 13 anos. Ela tem todo tipo de traquitana eletrônica de nosso tempo: iPod, câmera digital, laptop… Mas quem se impõe é o telefone portátil. Ela ganhou o aparelho aos 8 anos, mas foi só quando atingiu os 12 anos que começou a usá-lo com freqüência. E não parou mais. Maria Isabel gasta em torno de R$ 150 por mês com o apetrecho e ainda envia cerca de 50 mensagens de texto (SMS) por dia. A moça é a cara de sua geração. Pesquisa da TNS InterScience com 500 famílias das classes A, B e C mostrou que 36% delas têm um dos filhos com idades entre 6 e 15 anos com celular. Este número, porém, deve crescer: 39% dos pais pretendem adquirir um aparelho para as crianças nesta faixa etária.