01/08/2012 - 21:00
Muita gente desistiu de investir na bolsa nos últimos meses. Também, pudera: nada pior do que ler sobre mais uma queda do índice Bovespa — que acumula perda de 7,3% só neste ano — quando parte do seu patrimônio está em ações. No último ano, 22 mil investidores pessoa física, desanimados com as notícias sobre a crise europeia e o nervosismo dos mercados, deixaram a bolsa — hoje 581 mil pessoas estão cadastradas para operar com ações. Mas há um grupo que está ganhando dinheiro, e muito, investindo justamente na bolsa. Há fundos de ações que lucraram até 35% nos últimos 12 meses, enquanto o Ibovespa perdeu 12,7%. O segredo? Esquecer estratégias fáceis que seguem o índice e garimpar as ações com as melhores perspectivas.
Felipe Zaghen, sócio da Equitas: ”o ibovespa é muito concentrado
em commodities e não queremos repetir isso no portfólio”.
Luís Felipe Amaral, sócio da Equitas: ”buscamos as exceções e apostamos
em companhias que apresentam grandes oportunidades”.
“Nós investimos em empresas, e não na bolsa”, afirma Mario Campos, sócio da gestora Vinci Gas, que tem um fundo com rendimento de 35% no último ano. A carteira está entre as líderes de rendimento na categoria, segundo dados da consultoria de investimentos TAG, publicados semanalmente pela DINHEIRO. A Equitas Investimentos também está tendo os melhores resultados passando longe do índice Bovespa. A carteira Equitas Selection FIC Ações acumula ganho de 23,9% nos últimos 12 meses, sem o compromisso de seguir a referência de mercado. “O índice é muito concentrado em commodities e não queremos refletir isso no portfólio”, afirma Felipe Zaghen, sócio da Equitas. O grande segredo é fugir da média e não seguir a maioria, segundo Luís Felipe Amaral, outro sócio da Equitas.
“Buscamos as exceções e apostamos em companhias que apresentam grandes oportunidades de investimento e estejam cotadas abaixo do que consideramos seu valor justo”, diz. Depois de analisar o posicionamento da empresa na indústria em que atua, suas vantagens competitivas e o modelo de negócios, os gestores projetam o fluxo de caixa das companhias. A partir daí, identificam aquelas que tendem a criar valor para o acionista a médio e longo prazo. Passou por este crivo, por exemplo, a rede de farmácias Raia Drogasil, que lidera o setor e teve excelente performance nos últimos tempos. “Identificamos, também, oportunidades na EzTec, apesar dos problemas pelos quais as construtoras têm passado, e, entre os frigoríficos, na Minerva, pois prevemos acertadamente uma inversão no ciclo do gado”, afirma Amaral.
Ou seja, os analistas conseguiram acertar que a oferta de gado dos produtores para os frigoríficos aumentaria, reduzindo os preços. O fundo também tem ações da controladora de universidades Estácio e da Abril Educação, que estão num setor promissor. O Vinci Gas Long Biased FIC Ações, com rendimento de 35%, é bastante concentrado: normalmente aposta em oito a dez empresas. É indicado apenas para investidores qualificados (ou seja, pessoas físicas ou empresas com total de recursos disponíveis para investimentos de no mínimo R$ 300 mil). Os bons resultados vieram da escolha das ações, tanto para posições de compra dos papéis quanto para apostas na venda das ações. A carteira comprou ações da varejista Lojas Americanas e da fabricante de cosméticos Natura e vendeu a distribuidora de energia Eletropaulo e papéis de alguns bancos.
“Gastamos muito tempo selecionando os papéis até encontrar empresas que estão crescendo, gerando caixa, pagando bons dividendos”, afirma o sócio Mario Campos. “Essas companhias certamente vão crescer mais do que a bolsa”, diz. Vários fundos bem-sucedidos estão apostando na economia doméstica, como o Brasil Capital FIC Ações, com retorno de 25,5% em um ano. É a solução para escapar dos efeitos da crise internacional, afirma o gestor Alexandre Bossi. “Com a economia mundial sofrendo, buscamos empresas com uma dinâmica própria, independentemente do cenário externo.” A equipe da Brasil Capital não fica só na leitura fria dos balanços e consultas oficiais às empresas. “Nossa análise inclui desde conversas com fornecedores e clientes até avaliar se o preço está de acordo com o negócio”, diz Bossi.
A compra de ações da fabricante de bens de consumo Hypermarcas foi um dos negócios de maior retorno para a carteira do fundo. “É uma empresa que tem passado por uma reestruturação que a gente acredita ser um caminho muito correto”, afirma Bossi. A empresa de educação Kroton, a rede de farmácias Brasil Pharma, a concessionária Ecorodovias e a rede de restaurantes International Meal Company (IMC) também são apostas do gestor. “Na atual conjuntura, preferimos ativos que, diferentemente da Vale ou Petrobras, independem ou dependem muito pouco do cenário macroeconômico”, diz. Entre os fundos com alta rentabilidade estão algumas carteiras que escolhem suas ações com base no pagamento de dividendos.
Um bom exemplo é o BTG Pactual Dividendos, com retorno de 24,5% em 12 meses. O gestor de renda variável do BTG Pactual, José Zitelmann, afirma que o fundo procura privilegiar ações que sofram menos com a crise internacional. “Focamos em empresas domésticas e dinâmica própria de crescimento”, afirma o gestor. As maiores apostas foram nas credenciadoras de cartões Cielo e Redecard, adquiridas no início de 2011, já que o setor de cartões cresce a taxas bem maiores que as do PIB. “Além disso, sempre acreditamos que a competição do setor seria positiva para o mercado, o que vem se confirmando”, diz Zitelmann. Detalhe: logo que o governo decidiu incentivar a competição entre as empresas de cartões, as ações das companhias caíram.
Joaquim Levy, Bradesco Asset: “é importante saber quais são as empresas
com as melhores perspectivas dentro de um setor”.
Outras apostas do fundo são empresas como Ultrapar, que vem se beneficiando com a consolidação do setor de combustíveis; a Ambev, que tem um fluxo de caixa previsível; a Ecorodovias, que deve ganhar com o aumento dos investimentos em infraestrutura; e a Natura, pela eficiência na gestão. A forte geração de caixa é um critério importante para as carteiras voltadas a dividendos, afirma o diretor-superintendente da Bradesco Asset Management, Joaquim Levy. O fundo Bradesco Dividendos acumulou ganho de 23,6% em 12 meses comprando papéis de boas geradoras de caixa que distribuem alto percentual do lucro aos acionistas.
A Cielo, a empresa de programas de fidelidade Multiplus, a Natura, a gestora de planos odontológicos Odontoprev e a fabricante de cigarros Souza Cruz estão na carteira do fundo, segundo Levy, por proporcionarem um bom retorno ao acionista, cálculo que considera a proporção dos dividendos em relação ao preço das ações. “O gestor tem que fazer a lição de casa e escolher ações com diferencial”, diz Levy. Para Levy, além das considerações setoriais, é fundamental observar as relações entre as empresas competidoras. “É importante saber quais são as empresas com as melhores perspectivas dentro de um setor”, diz.
Os resultados dos fundos de ações mostram que é possível, sim, ganhar dinheiro com ações, mesmo em meio a uma crise financeira internacional. “Com uma análise cuidadosa, encontram-se ótimas oportunidades na bolsa”, diz Levy. É fato que a era dos ganhos altos e fáceis com a renda fixa no Brasil está próxima do fim. Com a queda das taxas de juros, quem está investindo para garantir uma aposentadoria tranquila, por exemplo, dificilmente conseguirá multiplicar seu patrimônio nas próximas décadas sem correr risco. Mas, em meio a um cenário internacional complicado, só vai ganhar na bolsa quem enxergar muito além do Ibovespa.