27/01/2022 - 17:42
O mundo do cinema não será mais o mesmo. Nada a ver com o impacto do VHS, do DVD ou BluRay, e a predição das décadas de 1980 e 1990 de que com os filmes na pequena tela, ninguém mais iria às salas. As pessoas continuaram a ir, pela experiência de estar acompanhado, com amigos, em família e, por duas horas ou mais, mergulhar em uma história na grande tela, entre uma pipoca e outra.
A pandemia, em seus dois anos, tirou o público das salas – e, pior, do hábito -, mostrando que sentar na sala ou no quarto em frente de uma grande TV de LED, com qualidade Full HD para cima, bastava para o mesmo entretenimento, e sem o risco de contrair uma doença que pode ser fatal. O grande público só ficaria disposto a sair de casa para gigantescas produções, como “Homem-Aranha: Sem Volta para Casa”, que em seis semanas se tornou a sexta maior bilheteria de todos os tempos, US$ 1,69 bilhões.
O que isso quer dizer? Que histórias e temas mais simples ou com menos espetáculo visual, como “Imperdoável”, com Sandra Bullock, como uma mulher condenada por assassinato que sai da prisão para encontrar sua irmã, não serão mais produzidas para o cinema, e sim para as empresas de streaming, como a Netflix, produtora do citado drama. “Se não fosse pela Netflix, muitas pessoas não estariam trabalhando. Suas histórias não seriam contadas. Quem poderia imaginar que eu, como mulher, ainda estaria trabalhando atualmente. Eu estaria pastando gado. É sério!”, disse Bullock, que tem dois filmes entre os mais vistos no canal de streaming, o acima e “Bird Box”.
O custo de tirar do papel um filme como os de Bullock, mais simples, seria de US$ 20 milhões e tudo seria pago pela distribuidora digital, sem possibilidade de se lucrar a mais com bilheteria, versão para DVD/BluRay ou venda para canais de TV tradicionais. O aguardado “Matrix Resurrection”, da Warner, por exemplo, custou US$ 190 milhões e arrecadou de bilheteria US$ 148 milhões no mundo todo – lembrando, um filme precisa arrecadar três vezes o que custou pra começar a dar lucro. Graças a seu lançamento híbrido e ao mesmo tempo nos EUA, cinema e HBO Max, e ao pouco interesse dos jovens pelo clássico, a vantagem talvez tenha sido novos assinantes para o streaming.
Bullock tem razão. Segundo a Statista, que levanta dados sobre a indústria, 792 filmes foram lançados no mercado americano e canadense em 2019. Em 2020, primeiro ano da pandemia, 329. Em 2019, o faturamento com o cinema nos EUA foi de US$ 11,32 bilhões, em 2020, US$ 2,1 bilhão. Em 2021, US$ 4,4 bilhões, graças à Disney, com dois grandes lançamentos de super-heróis, o Homem-Aranha e “Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis”.
Um mundo de profissionais (como os que trabalham em shows) ficou sem renda e voltou a ganhar com filmes on demand, ou séries – o filão que se aproveitou do drama, do mistério e da comédia como ninguém. Praticamente todos os bons dramas foram transferidos para o formato mini, de 8 a 12 episódios, ou séries com temporadas anuais. Por um lado, as histórias saíram daquele ritmo conhecido dos “três rolos” (que é o quanto um filme de duas horas é dividido na hora de projetar no cinema), em que o primeiro rolo é a apresentação dos personagens, o segundo a criação do “problema” e o último, a resolução – você praticamente sentia essa parábola nas histórias, quebrando a surpresa. Com muitas horas em uma série, os dramas ficaram menos previsíveis.
“Pessoalmente, a maneira como ganho a vida mudou completamente”, disse Bradley Cooper, que tem o belo suspense “Nightmare Alley” atualmente nos cinemas. “Abríamos mão de um adiantamento, como atores, por uma parte dos ganhos em bilheteria mais para frente. O lado bom é que se o filme fosse um sucesso, ganhávamos muito mais. Esses dias ficaram completamente para trás. Talvez eu abra uma pizzaria”, afirmou, brincando. Ah, Cooper viu “O Poderoso Chefão” (1972) e “Apocalypse Now” (1979), em sua juventude, em uma pequena TV de tubo de 16 polegadas, e não no cinema. Sim, os atores irão ganhar menos. Se cobrarem seus cachês cheios, nenhuma produção sequer começa a montar figurinos.
Mas algumas ainda estão com seus salários altos, como Leonardo DiCaprio, que cobrou US$ 30 milhões (o mesmo valor que para o filme de Quentin Tarantino, “Era uma Vez em… Hollywood”, nos cinemas, em 2019) em “Não Olhe para Cima”, da Netflix. Muitos filmes assim e o streaming não vai gerar lucro algum, mesmo!
O serviço de streaming mais famoso até já começa a dar sinais de esgotamento. A Netflix anunciou no dia 20 de janeiro um crescimento abaixo do esperado em assinaturas, e isso fez com que seu valor na bolsa despencasse 24%, perdendo US$ 250 bilhões em valor de mercado em um dia. Ela tem atualmente 220 milhões de assinantes, enquanto a Disney +, nascida faz pouco tempo, tem 118 milhões, e a HBO Max, 74 milhões. A Netflix prevê um aumento de assinaturas de apenas 2,5 milhões, cerca de 1,5 milhões a menos do que aconteceu em 2020. O problema é: se você já conseguiu que quase todo mundo assine seu serviço, como um novo filme, caríssimo, vai trazer mais assinaturas e receita para o canal?