03/01/2023 - 7:12
Quando os russos ocuparam a cidade ucraniana de Izium, em março de 2022, Andriy Pleshan refugiou-se no porão de sua casa, onde acolheu até 60 pessoas, entre as quais Nyka, uma bebê de dois meses cuja memória mantém viva.
Após a libertação da cidade em setembro, Pleshan decidiu continuar vivendo no subsolo, dividindo o porão de 70m2 com seus cães e gatos.
“Só falo se você tomar um drink comigo”, diz o alegre e corpulento homem de 60 anos, enchendo copinhos com uma espécie de uísque caseiro e cortando fatias de queijo.
Izium, no leste da Ucrânia, com população de 45.000 habitantes antes da guerra, foi recuperada pelas forças ucranianas em meados de setembro e vive tranquilamente desde então, ao contrário de outros lugares mais próximos do front.
O porão, que data do século XIX, foi usado como abrigo durante a Segunda Guerra Mundial, explica Pleshan, ex-funcionário de uma empresa de produtos agrícolas.
Pleshan o decorou com ícones religiosos, pinturas e um retrato do poeta nacional Taras Shevchenkov. Em um canto, mantém alguns pesos e um saco de boxe.
E ainda guarda produtos para bebês que eram para Nyka, que chegou ao abrigo com os pais poucos dias após o início da guerra.
A bebê era a mais jovem entre as sessenta pessoas refugiadas ali, algumas das quais permaneceram durante toda a ocupação.
“Eu me tornei o padrinho dela”, diz Andriy com orgulho, lembrando que era o único que conseguia acalmá-la e colocá-la para dormir quando as explosões ecoavam pela vizinhança.
– “O sofrimento nos uniu” –
No primeiro mês, os refugiados pouco saíam do porão em razão do perigo.
Aqueciam a mamadeira com seus corpos e usavam velas para iluminar.
Os moradores do abrigo viviam apavorados com as buscas realizadas pelos soldados russos, que verificavam a identidade dos homens e os desnudavam para ver se tinham tatuagens nacionalistas no corpo.
“Eles podiam nos matar a qualquer momento. O sofrimento que passamos juntos nos uniu”, lembra Andriy.
Agora não sobrou ninguém. Os refugiados do porão se espalharam por toda a Ucrânia e alguns estão no exterior, explica.
Nyka e seus pais ficaram no porão por dois meses. “Mas os pais temiam pela saúde da menina, que nunca viu a luz do dia. Eles conseguiram sair para se juntar a seus parentes em Kursk”, uma cidade russa perto da fronteira com a Ucrânia.
Desde a libertação de Izium, Andriy falou com eles por telefone.
“Eu disse que queria vê-los novamente em breve, eles prometeram voltar na primavera”, conta.
Como todas as áreas do leste conquistadas pelos russos e depois recuperadas pelos ucranianos, Izium é uma cidade devastada, com prédios destruídos.
O nome da cidade também é sinônimo das atrocidades atribuídas ao exército russo.
Depois de retomar a cidade, as tropas ucranianas descobriram câmaras de tortura e, em uma floresta próxima, mais de 440 túmulos e uma vala comum.
Todos os restos mortais foram exumados para identificação e determinação da causa da morte. As autoridades ucranianas suspeitam de crimes de guerra.
“Vivíamos bem em Izium. Era uma cidade agradável, costumávamos caçar, pescar, coletar cogumelos. Agora, assim que há um barulho inesperado, nos perguntamos o que está acontecendo. Homens, crianças, animais, todos têm medo”, conclui Andriy.