24/12/2008 - 8:00
DINHEIRO ? O sr. prevê o fim do petróleo em poucas décadas e o fracasso dos biocombustíveis. Por quê?
PAUL ROBERTS ? Quando falo em fim do petróleo, não digo que o produto vai deixar de existir de repente. Antes de o petróleo acabar, o mundo não precisará mais dele. Esse é o verdadeiro fim do petróleo. A busca por energias mais eficientes fará dos combustíveis fósseis opções ultrapassadas, muito defasadas. A mudança já começou. Logo teremos produção em grande escala de motores elétricos, movidos a hidrogênio ou combustíveis limpos e economicamente mais viáveis. Esse é o futuro. Gosto do etanol. Porém, ele não Entrevista / Paul Roberts terá sucesso em toda parte. O álcool é bom para o Brasil, mas não para muitos outros países do mundo. Não funciona lá fora.
DINHEIRO ? Como será possível levantar recursos para pesquisa de combustíveis alternativos se as petrolíferas são as maiores financiadoras dos governos?
ROBERTS ? Criar uma política de redução do consumo de petróleo não significa deixar de consumir. Não vai acontecer da noite para o dia. A proposta não é tentar quebrar as companhias do setor, mas forçá-las a investir em diversificação. A Petrobras, por exemplo, tem investido em pesquisa de biocombustíveis e outras fontes de energia, sem negligenciar seu produto principal, o petróleo. Quando o mundo começar a consumir outros tipos de energia, as empresas terão de se adaptar. Elas não venderão apenas o que têm, mas o que o mundo precisa consumir.
DINHEIRO ? Isso não tem acontecido.
ROBERTS ? Não, porque o petróleo enriquece muito mais rápido que o etanol ou qualquer outra fonte energética. O petróleo está enterrado, mas quando é retirado vale muito dinheiro. As demais fontes energéticas exigem investimentos, pesquisas e um pouco de paciência. Leva mais tempo. No entanto, em pouco tempo, isso começará a mudar.
DINHEIRO ? A necessidade de substituir o petróleo tem sido discutida há mais de 30 anos. Ficou apenas na conversa. Por que acreditar que isso vai realmente acontecer agora?
ROBERTS ? A crise financeira internacional vai acelerar o processo de mudança. As montadoras americanas estão à beira da falência e provavelmente receberão ajuda do governo, mas terão de investir em novas tecnologias em contrapartida. Se não fizerem isso, fecharão as portas. Depender menos do petróleo é uma questão de segurança nacional nos Estados Unidos e fundamental para a estabilidade política e econômica do mundo. Vou dar um exemplo: quase 19% de todo o petróleo produzido diariamente no planeta é queimado pelos automóveis americanos. É muita coisa. Por isso, qualquer oscilação no preço do barril causa um estrago gigantesco na economia.
DINHEIRO ? Então o atual preço baixo do petróleo tem ajudado os Estados Unidos?
ROBERTS ? O raciocínio é diferente. Na metade deste ano, o barril do petróleo estava acima de US$ 145 porque a economia mundial estava acelerada. Ia muito bem. Agora, o valor está abaixo de US$ 50 porque o mundo desacelerou e o consumo caiu drasticamente. Não temos motivos para comemorar esse novo preço porque reflete um mundo em recessão. O valor está mais baixo, mas os consumidores perderam o poder de compra. Isso é péssimo. A única razão para comemorar é que os problemas financeiros mundiais estimularão as empresas e a sociedade a repensar o papel do crescimento econômico no cotidiano, o que deve abrir espaço para combustíveis mais limpos.
“É difícil dormir tranqüilo sabendo que o petróleo está em mãos de países como o Irã” Mohammed Ahmadinejad, primeiro-ministro do Irã
DINHEIRO ? Qual é o preço ideal para o petróleo?
ROBERTS ? É difícil dizer nesse momento de incertezas. Aquele pico de US$ 145 era irreal. A atual cotação também é. No próximo ano o valor deve oscilar entre US$ 75 e US$ 90, com crise ou sem crise. Mas isso não é tão importante. O fundamental é desenvolver com urgência opções ao petróleo. Desde que me conheço por gente, o petróleo sobe e desce ao ritmo dos especuladores. Não podemos ficar reféns dessa volatilidade para sempre. As maiores reservas de petróleo no mundo estão em locais de situação política complicada, como Iraque, Irã, Arábia Saudita, Rússia e Venezuela. É difícil dormir tranqüilo sabendo que o mundo depende da produção desses países. Mas uma coisa é certa: preço baixo só nos garante uma coisa: vai subir. É a história quem diz isso.
DINHEIRO ? Nesse contexto, os biocombustíveis não seriam alternativas?
ROBERTS ? Aqui no Brasil, sim. O modelo energético brasileiro é o melhor do mundo, embora esteja longe de ser perfeito. Não porque o País detém a tecnologia do etanol de cana-de-açúcar ou porque é auto-suficiente em petróleo. Digo isso porque o Brasil soube diversificar nas últimas décadas suas fontes de energia e hoje tem opção. O País tem uma impressionante habilidade de operar os dois e, no passado, teve a sensibilidade de entender que o etanol era uma boa opção. Se o petróleo secar, os carros andarão a álcool. Mesmo os veículos que são movidos a gasolina podem, com pequenos ajustes, queimar 100% de etanol. No caso de o álcool compensar, tem gasolina e biodiesel. Essa característica dá uma flexibilidade e segurança ao brasileiro que não existe em qualquer outro lugar do mundo. O País pode ganhar muito com isso e deve explorar esse potencial. Não se trata apenas de exportar o produto, mas de difundir no mundo sua expertise, inclusive entre os países desenvolvidos.
“Obama defende o etanol de milho porque gera emprego, não porque é eficiente” Barack Obama, em lavoura de milho para produção de etanol
DINHEIRO ? Se o etanol é tão bom, por que não promovêlo? Até o presidente eleito Barack Obama é a favor.
ROBERTS ? O etanol de cana é bom para o Brasil, mas não tão bom para os Estados Unidos. Aqui, a produção é economicamente e ambientalmente sustentável. Vou explicar: Obama defende o etanol de milho como aditivo à gasolina porque gera muito emprego lá. Não há mistério nisso. Ele sabe que, ao comparar com o álcool brasileiro de cana, perde feio. Mas a motivação dele é econômica. O modelo brasileiro funcionaria bem na África, onde o clima é tropical e existe a necessidade de gerar empregos e modernizar a agricultura. Investir em etanol em nações como Moçambique e Quênia significaria também aumentar a produção mundial de alimentos. O etanol brasileiro no mundo, em especial nos Estados Unidos e na Europa, seria importante como complemento a veículos híbridos. Acho que isso vai acontecer. A vantagem dos combustíveis vegetais é que são soluções imediatas. Os investimentos em exploração de petróleo são muito caros e levam tempo, de sete a dez anos, em média.
DINHEIRO ? Isso quer dizer que o Brasil está errado em apostar tanto no pré-sal?
ROBERTS ? Sinceramente, eu não colocaria meu dinheiro no présal. O custo de exploração é muito alto e logo o produto ficará em segundo plano no setor energético. Não sabemos por quanto tempo o valor do barril ficará tão baixo. Essa é uma questão fundamental para saber se as reservas brasileiras ajudarão o País a enriquecer ou se serão um fiasco. Se as montadoras investirem em motores elétricos ou movidos a qualquer outro combustível mais eficiente, não haverá um mercado tão grande para o petróleo. Será economicamente inviável. Mas, por enquanto, tudo isso é baseado em previsões, não em fatos concretos.
DINHEIRO ? Mas o pré-sal tem despertado o interesse de muitos países. Não é um sinal de que o petróleo será essencial ainda por muitos anos?
ROBERTS ? Realmente, muita gente está cobiçando as megarreservas brasileiras. Porém, esse interesse está baseado no atual modelo energético do mundo, extremamente dependente do petróleo. Quando o mundo conseguir reduzir essa dependência, as jazidas deixarão de ser interessantes ou perderão seu valor econômico. A China, por exemplo, ofereceu mais de US$ 10 bilhões pelo présal. É um sinal de desespero. A China é o país que mais cresce no mundo, mesmo com a desaceleração global, e vê suas fontes energéticas chegarem próximo ao limite todos os anos. Ser sócio de uma reserva como há na costa brasileira é fundamental para garantir o crescimento deles.
DINHEIRO ? Seu livro The End Of Oil foi lançado em 2004, quando o mundo não enxergava a crise. Hoje ele tem sido mais consultado que antes. Existe alguma relação entre a recessão e o fim do petróleo?
ROBERTS ? Esse livro vendeu mais de 100 mil cópias em todo o mundo porque o tema energia entrou para o cotidiano de praticamente todos os países e ganhou mais força depois que a crise explodiu. Existe uma grande preocupação com o fim do petróleo e como o mundo vai caminhar com outras alternativas energéticas. Todos entenderam que reduzir o consumo de petróleo é bom em todos os sentidos, em qualquer época. Primeiro, reduzir a influência dos países produtores de petróleo é bom para a segurança do mundo. Segundo, a questão ambiental. Terceiro, a fator econômico. É consenso que ter opções é sempre melhor. Ou seja, prever o fim do petróleo não é fazer um prognóstico apocalíptico. É apostar numa mudança energética mundial. Mudança para melhor.