26/09/2025 - 16:02
Recebido sob vaias e com a saída de várias delegações, que esvaziaram o plenário, premiê israelense chamou solução de dois Estados de “suicídio nacional”, pois sinalizaria que “assassinar judeus vale a pena”.Sob vaias e diante de uma plateia esvaziada na 80ª reunião da Assembleia Geral das Nações Unidas, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, descartou nesta sexta-feira (26/09) a criação de um Estado palestino, qualificando-a de “suicídio nacional” e acusou os líderes mundiais que apoiam esta agenda de sinalizar que “assassinar judeus vale a pena”.
Nos últimos dias, Reino Unido, Canadá, Austrália e França juntaram-se ao grupo de mais de 150 países que reconhecem a Palestina como Estado. O endosso de potências ocidentais à autodeterminação dos palestinos aumentou a pressão sobre Israel após quase dois anos de guerra na Faixa de Gaza.
O conflito matou mais de 65 mil palestinos, segundo autoridades de Gaza, e reduziu boa parte do território a escombros.
Num discurso que durou cerca de 40 minutos, Netanyahu negou ainda que o que está acontecendo em Gaza seja um genocídio e que haja fome no território – acusações levantadas por entidades internacionais e uma comissão da própria ONU –, e voltou a repetir que é preciso “terminar o trabalho” em Gaza.
A guerra foi deflagrada após o ataque terrorista de 7 de outubro de 2023, quando cerca de 1,2 mil pessoas foram mortas e outras 251 foram sequestradas de Israel. A ação foi liderada pelo grupo palestino Hamas, considerado organização terrorista pela UE, Estados Unidos e por outras nações ocidentais. A sobrevida deste e de outros grupos armados hostis a Israel é apontada pelo governo de Netanyahu como obstáculo a um cessar-fogo.
“Sabe que mensagem os líderes que reconheceram um Estado palestino nesta semana enviam aos palestinos?”, indagou Netanyahu em seu discurso. “É uma mensagem muito clara: assassinar judeus vale a pena”, respondeu, alegando que o 7 de Outubro teria sido elogiado “por quase 90% da população palestina”. Tal gesto, acrescentou, “vai encorajar o terrorismo contra judeus e pessoas inocentes”.
“Os últimos remanescentes do Hamas estão entrincheirados na Cidade de Gaza. Juram repetir as atrocidades do 7 de Outubro de novo. É por isso que Israel deve terminar o trabalho, e é por isso que queremos fazê-lo o mais rápido possível.”
Como protesto, Brasil boicotou discurso
Netanyahu subiu à tribuna da ONU em Nova York após líderes internacionais nesta semana acusarem Israel de genocídio e crimes de guerra em Gaza. Ele foi recebido sob um misto de aplausos e vaias de delegações de vários países. Este segundo grupo – que incluía os diplomatas brasileiros – logo se retirou do salão em protesto.
A balbúrdia obrigou o mestre de cerimônias a apelar aos presentes, para que Netanyahu pudesse discursar: “Ordem na sala, por favor!”
Rota aérea incomum
Netanyahu é alvo de um mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), órgão da ONU, no âmbito de uma investigação que apura crimes de guerra em Gaza – suspeitas que o governo israelense rechaça. Tanto Israel quanto os Estados Unidos não reconhecem a jurisdição do tribunal.
Para chegar a Nova York, o avião do premiê traçou uma rota incomum, que incluiu o Estreito de Gibraltar, entre Espanha e Marrocos.
A um salão da ONU praticamente vazio, Netanyahu afirmou que os inimigos de Israel são os inimigos de todo o mundo. “Odeiam-nos a todos de igual forma. Eles querem arrastar o mundo moderno para os seus fanatismos.”
O encontro anual das Nações Unidas é marcado pela frustração de boa parte da comunidade internacional com o cerco militar de Israel a Gaza e a relutância do governo dos Estados Unidos – principal aliado de Tel Aviv – em deter Netanyahu.
Potências ocidentais que apoiaram recentemente a criação de um Estado palestino dizem agir para preservar a perspectiva de uma solução de dois Estados para o conflito e encerrar a guerra.
Ainda assim, a criação de fato de um Estado palestino depende do aval do Conselho de Segurança da ONU, onde os EUA têm poder de veto.
Netanyahu: “Seria como dar um Estado à Al Qaeda após o 11 de Setembro”
Netanyahu acusou líderes internacionais de “cederem sob a pressão de uma mídia tendenciosa, de eleitorados islamistas radicais e de multidões antissemitas”. “Para muitos países aqui, quando o jogo ficou difícil, vocês recuaram”, afirmou.
“Aqui vai uma mensagem para esses líderes ocidentais: Israel não permitirá que nos enfiem um Estado terrorista goela abaixo. Não cometeremos um suicídio nacional porque vocês não têm brios para enfrentar uma mídia hostil e turbas antissemitas que exigem o sangue de Israel”, disse, acrescentando que esta posição também reflete o que pensam os próprios israelenses.
O premiê israelense disse ainda que dar aos palestinos um Estado ao lado de Israel equivaleria a dar um Estado ao grupo islamista Al Qaeda, responsável pelo atentado às torres gêmeas nos EUA em 2001. “Dar aos palestinos um Estado a uma milha [1,6 quilômetro] de distância de Jerusalém após o 7 de Outubro é como dar um Estado à Al Qaeda a uma milha de Nova York após o 11 de Setembro.”
Segundo Netanyahu, a criação de um Estado palestino seria uma “loucura” também porque significaria entregar o governo à Autoridade Palestina – uma organização “corrupta até a medula” –, que administra a Cisjordânia.
A própria Autoridade Palestina foi representada na assembleia da ONU pelo presidente Mahmud Abbas, que teve que discursar por videoconferência após os EUA lhe negarem um visto de entrada no país.
Alguns dos ministros mais linha-dura do governo israelense têm defendido a extensão formal da soberania israelense sobre toda a Cisjordânia para sufocar qualquer esperança de criação de um Estado palestino. A proposta, porém, foi descartada pelo presidente dos EUA, Donald Trump.
O premiê apresentou ainda um mapa do Oriente Médio encimado com o título “A maldição”, e elencou as ações militares de Israel dos últimos dois anos em Gaza, Irã, Síria, Iraque e Iêmen, congratulando-se por acabar com a liderança de países inimigos. “Estamos protegendo o mundo inteiro. Estamos protegendo a Europa e os EUA dos bárbaros.”
Netanyahu também evocou uma frase dita pelo chanceler federal da Alemanha, Friedrich Merz, ao afirmar que os aliados de Israel são gratos por suas ações militares no Oriente Médio. “Merz admitiu a verdade. Ele disse: ‘Israel está fazendo o trabalho sujo por todos nós’.”
O premiê também fez um apelo ao Hamas para que entregue os 48 reféns ainda mantidos em Gaza, dos quais 20 ainda estariam vivos: “Abaixem as armas. Deixem meu povo ir, liberem os reféns, todos os 48. Se o fizerem, viverão; se não, Israel os perseguirá.”
O Hamas afirma estar disposto a libertar todos os reféns restantes desde que Israel encerre a guerra e se retire de Gaza.
ra/md (AFP, AP, Reuters, EFE, dpa, Agência Brasil, ots)