DINHEIRO ? Como o sr. recebeu os anúncios dos novos pacotes de concessão do governo?

MARCELINO RAFART DE SERAS ? O empenho do governo é uma boa indicação. No ano passado, a equipe econômica deixou muito clara sua ideia desenvolvimentista, mas achava que o próprio Estado seria o indutor do crescimento, o gestor das obras. Só que o governo erra na mão porque entrega tudo o que precisa ser administrado por empresas privadas de uma só vez. O último pacote de concessões incluiu nove grandes obras. Um pacote de ferrovias, um pacote de portos, outro de aeroportos. O problema é que a capacidade da iniciativa privada é finita. Quando se joga tudo na praça de maneira muito rápida, as empresas são forçadas a investir um dinheiro que não têm.

 

DINHEIRO ? Mas por que isso é prejudicial?

SERAS ? Não acho que seja prejudicial. O caminho está correto. Só que há um excesso de obras para empresas que têm limites para investir. Empresas como a nossa, com certa disciplina financeira, com controle de capital e que cumpre contratos, não consegue fazer tudo o que o governo está exigindo. Não vejo nenhuma nocividade no fato de querer estimular os investimentos. O ponto central aqui é que não há qualidade nos projetos nem tempo suficiente para execução. Sou um dinossauro no setor de rodovias. Posso afirmar que, em infraestrutura, a pressa é inimiga da perfeição. 

 

DINHEIRO ? Falta dinheiro?

SERAS ? Um investimento da ordem de R$ 11 bilhões, como os dois lotes que o governo irá colocar para leilão em breve, não se faz do dia para a noite. Temos acionistas e temos investidores, por se tratar de uma empresa de capital aberto, e não podemos desembolsar um volume de dinheiro como esse se não estamos claramente convencidos de que aquele projeto dará retorno.

 

DINHEIRO ? Qual é a rentabilidade ideal?

SERAS ? Até duas semanas atrás, o governo trabalhava com uma taxa interna de retorno de 5,5%. Para nenhum investidor essa taxa é desejável. Há outras oportunidades com taxas melhores. O que existia antigamente era o seguinte: o governo lançava alguns pacotes com estimativas de tráfego de veículos desatualizadas, que geravam um ganho a mais para nós. Calculava-se que passariam um número ?xis? de carros e caminhões por aquela praça de pedágio, mas sabíamos que o número de automóveis seria um pouco maior. Sempre tínhamos possibilidades de ter uma performance melhor do que a prevista inicialmente. Os projetos não traziam nenhuma margem de ganho extra. O tráfego previsto no contrato é aquele mesmo que está nas estradas, com a mesma taxa de 5,5%.

 

DINHEIRO ? Mas o governo voltou atrás e dobrou a taxa de retorno para atrair investimentos. O teto de 7% subiu para 14,6%. 

SERAS ? Sim, a mudança foi muito positiva. Os ajustes eram necessários. Além de adequar as taxas de retorno à realidade do mercado, o governo criou linhas de financiamento de longo prazo. Com essa decisão, os projetos, a partir de agora, devem ter mais qualidade técnica e financeira. A questão da rentabilidade está equacionada, mas os prazos para a execução das obras continua o mesmo.

 

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Obras de melhoria dos acessos e recapeamento da rodovia BR-101,

que liga o Rio de Janeiro ao Espírito Santo

 

DINHEIRO ? Se a rentabilidade era baixa, por que havia interessados nos leilões? 

SERAS ? É preciso que consiga ter rentabilidade para viabilizar os investimentos. O que continua sendo pedido pelo governo são duplicações excessivas em rodovias em um curto espaço de tempo. Algo que nos deixa muito preocupados. As condições em que os trechos das rodovias são apresentados nos leilões não dão margem para avaliação responsável dos riscos de engenharia. O risco de performance precisa ser levado em conta na hora de disputar um leilão. 

 

DINHEIRO ? Dê um exemplo.

SERAS ? Na BR-140, que liga o Rio de Janeiro a Belo Horizonte e Brasília, o governo quer que se dupliquem mais de 770 km, em um período de cinco anos. Numa conta simples, isso representa 200 km de duplicação por ano. É muito. A extensão da rodovia é grande e as áreas por onde ela passa são locais de concentração urbana, onde são necessárias desapropriações. Ou seja, há uma série de etapas que precisam ser cumpridas dentro da lei. O governo também quer que a BR-116 seja duplicada em cinco anos. A lógica anterior era a seguinte: primeiro fazer a duplicação dos trechos de maior movimentação e, de acordo com a demanda, promover obras de melhorias nos demais trechos da rodovia. Não tudo de uma vez. 

 

DINHEIRO ? A taxa de retorno praticada antes do anúncio do novo pacote era muito baixa ou as concessionárias estavam acostumadas a ganhar demais em contratos que foram feitos no passado, como a concessão do sistema Anchieta-Imigrantes? 

SERAS ? Não se pode comparar algo de 14 anos atrás com a realidade de hoje. Nós fechamos um pacote de investimentos de R$ 340 milhões com o governo paulista a uma taxa de 9,1%. Assinamos esse contrato há dois meses. Vamos fazer uma série de trechos na Anchieta, nos acessos da Baixada Santista. A Ecopista, na rodovia Carvalho Pinto, foi assinada em 2009. Ou seja, há contratos bem-feitos, mais rentáveis, feitos nos dias de hoje. 

 

DINHEIRO ? Mas as concessões de antes eram muito melhores, por isso temos tarifas de pedágio tão caras.

SERAS ? Não acho que os pedágios são caros. Além disso, aquele período não foi bom para as concessionárias. A taxa era proporcional ao risco daquela época. Naquele período, as condições econômicas do País eram outras. O risco-Brasil era altíssimo, não havia um marco regulatório, o acesso a financiamentos era muito mais restrito. Então, não podemos comparar contratos assinados há 14 anos com os atuais. 

 

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Praça de pedágio em São Paulo com sistema eletrônico de cobrança

 

DINHEIRO ? E os financiamentos com dinheiro dos bancos estatais?

SERAS ? Os bancos públicos, como BNDES, Caixa e Banco do Brasil, podem suprir parte dessa necessidade de recursos, o que é uma boa iniciativa. Porém, com a necessidade de bilhões em investimentos, em apenas cinco anos, nos faz assumir dívidas elevadas. Mesmo com o incentivo dos bancos públicos, esses investimentos bilionários exigem que nós façamos, no mínimo, de 20% a 30% de capital próprio. 

 

DINHEIRO ? O governo pede demais?

SERAS ? O governo não está errado em pedir. Mas é fundamental levar em consideração se daqui a dois anos haverá condições de entregar a obra. Com esse novo plano de estímulo, que aumentou a rentabilidade para investimentos em infraestrutura, daqui a pouco tempo toda a capacidade da engenharia brasileira estará tomada com a execução das obras. Corre-se o risco de não haver cimento, aço ou mesmo mão-de-obra e equipamentos. Afinal, o governo quer investimentos de R$ 60 bilhões ao ano. 

 

DINHEIRO ? Como equacionar o crescimento do PIB com o controle da inflação?

SERAS ? Acho difícil conseguir equacionar. A gente nota hoje um cenário de pleno emprego na construção civil, e vemos as obras serem entregues a um preço cada vez maior. Não é culpa do empreiteiro. Ele não ganha mais quando os custos sobem. No meio da obra, os funcionários pedem aumento, fazem greves, os insumos ficam mais caros e precisamos importar. Mas o governo também não quer que importemos, para privilegiar a indústria nacional. Há uma série de fatores. 

 

DINHEIRO ? Dentro dos pacotes de concessão apresentados pelo governo, a Ecorodovias está interessada em qual?

SERAS ? Estamos olhando para todos os lotes de concessão. Nós somos muito focados estrategicamente. Todas as nossas rodovias têm uma lógica de ligação de polos econômicos importantes.

 

DINHEIRO ? Faz um ano que a Ecorodovias venceu o leilão da BR-101, no trecho que corta todo o Espírito Santo. Até agora as obras não começaram. Por quê?

SERAS ? Nos preocupa o que está ocorrendo na BR-101. É a primeira vez no setor de concessões rodoviárias no Brasil que se judicializam decisões técnicas, por uma vírgula aqui, um ponto lá. Temos R$ 3 bilhões para investir lá em dois anos. Das mais de 50 concessões já feitas no País, a regra era privilegiar a menor tarifa. Sempre o vencedor do leilão levava o projeto adiante. Agora, o segundo colocado no leilão, se mostrando um mau perdedor, recorre à Justiça para nos impedir de operar. 

 

DINHEIRO ? Quais são as consequências?

SERAS ? Várias. São o não investimento, a continuidade dos acidentes e das mortes naquele trecho de rodovias em péssimas condições e muitas outras. Além disso, gera uma instabilidade jurídica e dúvidas no marco regulatório. Se a moda pegar, todo segundo colocado nos leilões poderá pedir liminares para que o vencedor da licitação não leve. Esse episódio é horrível para o País.

 

DINHEIRO ? O fim do monopólio do Sem Parar, do qual a Ecorodovias é sócia, é um problema para vocês? 

SERAS ? A chegada do sistema AutoEx­presso é muito bem-vinda. Tomara que tenham outras 20 bandeiras nos ajudando a cobrar as tarifas de pedágio. O custo de operar é o mesmo para todas. A cobrança de mensalidade só cobre esses custos.