O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) retornou nesta quinta-feira (30) ao Brasil em meio a um cenário de processos e investigações após passar três meses nos EUA e ter deixado o país sem passar a faixa ao seu sucessor, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Além das investigações sobre o caso das joias dadas como presente pelo governo da Arábia Saudita e não declaradas à Receita Federal, como revelou o Estadão, Bolsonaro enfrenta cinco investigações no STF (Supremo Tribunal Federal) e várias ações por crimes contra o sistema eleitoral, incitação ao crime e acusações de crimes supostamente cometidos na condução do combate à pandemia, produto do relatório final da CPI da Covid.

Quatro investigações foram abertas enquanto ele ainda era presidente. Seu último envolvimento com a justiça diz respeito ao ataque feito por bolsonaristas aos Poderes da República em 8 de janeiro, processo em que o ex-presidente é investigado como suposto incentivador dos atos de vandalismo. Ao sair da Presidência e perder o foro privilegiado, esses processos e investigações deverão ser encaminhados à Justiça comum, exceto os casos em que há envolvimento de pessoas que continuam a ter foro privilegiado.

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Líder da oposição

Cientistas políticos avaliam que o ex-presidente deverá sofrer um desgaste com os processos e com a menor exposição na mídia, mas que ele permanecerá sendo uma figura nacional importante.

“O bolsonarismo continua junto com a liderança de Bolsonaro. A opinião pública tem uma inércia muito grande e mudá-la não é simples. Bolsonaro hoje é uma figura gigante em termo de opinião pública nacional e isso não é algo que morre da noite para o dia, sendo necessário um longo processo de esquecimento”, afirma Alberto Carlos Almeida, cientista político.

Joyce Martins, professora de Ciência Política da UFAL (Universidade Federal de Alagoas) diz que os processos que Bolsonaro responde podem representar um obstáculo se ele for punido e vier a se tornar inelegível. Porém, caso isso não aconteça, o que ela considera mais provável, isso poderá alimentar sua imagem de liderança antissistema fazendo com que ele ainda seja uma opção viável para 2026.

“O público fiel de Bolsonaro é antirealidade. Oscila entre considerar Bolsonaro fraco por não ter ficado para coordenar o 8 de janeiro e considerá-lo uma vítima do sistema, que saiu do país para zelar pelo povo de longe e, em algum momento, conseguir voltar ao poder. Os processos não importam para o bolsonarismo raiz. Nos subterrâneos do mundo virtual, já há explicação para cada um deles: perseguição, injustiça”, analisa a professora.

Ambos não acreditam que nomes como Sergio Moro (União Brasil) e Hamilton Mourão (Republicanos) tenham força para liderar nacionalmente a extrema-direita. Zema seria uma figura ainda regional e Moro foi um fracasso como opção para terceira via.

Os processos de Bolsonaro

Abaixo segue a lista dos principais processos e investigações que Bolsonaro enfrenta na Justiça e que deverão em sua maioria irem para a primeira instância:

  • Divulgação de notícias falsas sobre a vacina contra covid-19

Bolsonaro divulgou informação enganosa associando a vacina contra o novo coronavírus a um suposto risco de contrair HIV. A notícia falsa dizia que pessoas vacinadas contra a Covid-19 no Reino Unido estavam “desenvolvendo a síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids)”.

A PF afirmou que os atos de Bolsonaro se enquadram no crime de “incitação pública à prática de crime”. Com a perda do foro privilegiado, o caso deixa de ser competência da PGR (Procuradoria-Geral da República), que nunca fez a denúncia contra o ex-presidente, e passa para o MPF (Ministério Público Federal), que poderá então enviar denúncia à Justiça Federal.

  • Divulgação de dados sigilosos de ataque ao TSE

O ex-presidente vazou informações confidenciais de investigação policial sobre um ataque hacker ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Os dados foram divulgados por ele e pelo deputado Filipe Barros (PL). Na época, a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, pediu o arquivamento do inquérito, o que foi negado pelo ministro do STF Alexandre de Moraes.

Devido ao foro privilegiado, Bolsonaro acabou não sendo denunciado pelo crime, já que a ação precisaria ser feito pela própria PGR. Agora, porém, ele poderá ser indiciado pela Polícia Federal e denunciado pelo Ministério Público, respondendo pelo processo na Justiça comum, caso o Supremo decida que não cabe manter o processo lá diante da perda do foro.

  • Ataques e notícias falsas contra ministros do STF no âmbito do “Inquérito das fake News”

A inclusão do ex-presidente se deu após transmissão ao vivo em que Bolsonaro divulgou notícias falsas questionando a segurança do processo eleitoral. Após o fato, o TSE enviou uma notícia crime ao STF. Agora, se Bolsonaro for indiciado, isso poderá ser feito sem a necessidade de participação da PGR.

  • Interferência na Polícia Federal

O ex-juiz e ex-ministro de Bolsonaro, Sergio Moro, agora senador, acusou o ex-presidente de tentar interferir indevidamente nas ações da Polícia Federal. A investigação foi aberta, mas a PGR pediu o arquivamento dizendo que não existiam provas suficientes contra o ex-capitão para imputação de crime. O STF, entretanto, ainda não decidiu se arquivará o caso e se ele não for arquivado, poderá passar também para a competência da Justiça comum.

  • Crimes apurados pela CPI da Covid

Além das ações no STF, Bolsonaro também é acusado no relatório final da CPI da Covid, de eventuais crimes que estavam sendo apurados pela PGR. Porém, o procurador-geral da República, Augusto Aras, não denunciou Bolsonaro pelas acusações, que incluem causar epidemia com resultado morte (por supostamente ter incentivado a propagação do vírus); praticar charlatanismo (relativo ao estímulo ao uso de medicamentos ineficazes); cometer infração de medida sanitária preventiva (pelas aglomerações realizadas e por não usar máscara); usar irregularmente verbas públicas (devido ao uso de dinheiro público na compra de medicamentos sem eficácia) e prevaricar (por supostamente não ter mandado investigar denúncias de corrupção na compra de vacinas).

  • Crimes contra o sistema eleitoral

Bolsonaro também responde a doze ações no TSE por prática de crimes contra o sistema eleitoral. Com o fim do foro privilegiado, provavelmente as ações serão remetidas aos TREs dos locais onde os crimes teriam sido cometidos. Caso seja condenado pela Justiça Eleitoral em qualquer uma das ações, o ex-presidente se tornará inelegível.

  • Incitação ao crime

Mesmo antes de se tornar presidente, Bolsonaro já era réu em dois processos penais por incitação ao crime de estupro e por injúria contra a deputada federal Maria do Rosário (PT). Em 2014, Bolsonaro agrediu a deputada e disse: “Não estupraria você porque você não merece”. Ele foi condenado a pagar indenização e a pedir desculpas no processo por injúria, mas a ação por incitação ao estupro foi paralisada em 2019 devido à eleição de Bolsonaro à Presidência.

Agora sem foro privilegiado, a ação voltará a correr na Justiça e o ex-presidente poderá ser condenado à detenção de três a seis meses, pena que normalmente é convertida em multa.

  • Presentes sauditas não declarados

Nesta quarta-feira (29), o TCU determinou que Bolsonaro devolva o terceiro pacote de joias que recebeu do governo da Arábia Saudita e que não havia enviado para o acervo do Estado Brasileiro, guardando-os para si. Esta terceira caixa, revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo, tem valor estimado em mais de R$ 500 mil. Além de determinar a devolução dos itens, o Tribunal alertou Bolsonaro sobre a omissão de informações relacionadas aos presentes.

O governo Jair Bolsonaro já havia contrariado uma decisão de 2016 do Tribunal de Contas da União (TCU) quando buscou reaver um conjunto de joias dados de presente à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro pelo regime saudita avaliado em R$16,5 milhões. O pacote foi apreendido na Alfândega quando a comitiva do almirante Bento Albuquerque, ex-ministro das Minas e Energia, tentou entrar com elas no Brasil em 2021.

De acordo com o entendimento do Tribunal, todos os presentes recebidos em audiências oficiais com chefes de Estado são de propriedade da União. Na mesma decisão, a corte determinou que não cabe à Presidência da República interpretar a lei para definir o que é público ou privado. Outros presentes correspondentes à segunda leva dada pelo regime saudita, avaliados em R$ 800 mil, foram devolvidos pela defesa de Bolsonaro ao poder público por ordem do TCU.