Falta pouco mais de um mês para as empresas com ações negociadas na BM&FBovespa chegarem a uma data marcada com destaque em seus calendários. A partir de 10 maio, as companhias listadas nos segmentos de Novo Mercado e nos níveis 1 e 2 de governança corporativa não poderão ter as mesmas pessoas acumulando os cargos de CEO e de presidente do conselho de administração. A multa para o descumprimento da regulação é de R$ 100 mil. Trata-se de um cifra que pode ter pouco impacto no caixa de empresas com porte suficiente para fazerem parte do maior balcão de negócios do capitalismo brasileiro. 

 

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Mas a falha em cumprir essa regra de governança pode gerar uma forte má impressão no mercado, capaz de penalizá-las muito mais, por meio do valor de suas ações. “A regra é muito boa”, diz Maria Helena Santana, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e atual conselheira independente de empresas como o grupo Pão de Açúcar e a Totvs. Mas, se o espírito da regulação é promover uma bem-vinda aceleração no processo de profissionalização do mundo corporativo brasileiro, nem tudo pode sair como o esperado pelos reguladores. Muitas empresas preferem manter o comando nas mãos da família e, assim, preservar seus próprios valores corporativos. 

 

É o caso da incorporadora paulistana Cyrela, que anunciou na quinta-feira 13 uma mudança em sua estrutura de comando. O fundador Elie Horn, que acumula as duas posições, permanecerá apenas como presidente do conselho. A sua cadeira de presidente-executivo será compartilhada por seus filhos Raphael e Efraim Horn. A Cyrela não é a única: 50% das empresas do Novo Mercado que promoveram, desde o começo de 2013, a separação dos dois cargos optaram por nomear familiares. Foi o que aconteceu também na fabricante de calçados Arezzo, na incorporadora Helbor e na locadora de automóveis Localiza, em que Salim Mattar deixou como CEO o seu irmão Eugênio. 

 

Por outro lado, seguiram o caminho de buscar um executivo de fora do círculo de sangue a calçadista Grendene, o frigorífico Marfrig, a gestora de plano de saúde Qualicorp e a fabricante de software Totvs. Mas, na quarta-feira 26, a balança deve pender para o lado das empresas que priorizam as soluções caseiras. Nesse dia, uma assembleia conduzida na construtora MRV vai votar nos substitutos do fundador Rubens Menin, que deve permanecer apenas no comando do conselho. A escolha deve ser similar à adotada pela Cyrela. A proposta será ter dois copresidentes, Rafael Menin e Eduardo Fisher, filho e sobrinho de Menin, respectivamente. 

 

Depois de a situação estar resolvida na MRV, ainda faltarão mais de dez outras companhias anunciarem ao mercado as suas decisões. Entre elas estão empresas diversas como a Aliansce Shopping, a CSU Cardsystem, a JSL, a M. Dias Branco, a Marisa, a Profarma e a Springs Global. Mas o setor imobiliário, reconhecido por manter estruturas permeadas pela família dos donos, é o campeão em número de empresas que deixaram para a última hora. Faltam ainda definições na Direcional, que terá uma reunião de conselho no dia 30, na Even, na JHSF e na LPS Brasil. Estão isentas de atender à determinação no dia fatídico apenas as empresas que abriram o capital depois de maio de 2011. 

 

Isso devido à regulação prever que todas as companhias tenham pelo menos três anos de preparação para a norma. É o caso da Locamerica, locadora de veículos para empresas, que é administrada por Luis Fernando Porto. Como chegou à bolsa apenas em abril de 2012, terá mais um ano para se adequar à regulação. A entrada em vigor da nova regra é uma vitória do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), que defende na Bovespa a exigência da separação dessas funções desde a primeira versão de seu código. Lançado em 1998, ele foi baseado no Relatório Cadbury, uma relação de práticas recomendáveis divulgado pelo Banco da Inglaterra, em 1992. 

 

Ou seja, não se trata de uma novidade nos manuais empresariais lá fora. “O executivo deve prestar contas ao conselho, e o papel do conselho é cobrar o CEO e proteger o capital de terceiros”, afirma Leonardo Viegas, conselheiro de administração do IBGC. “É difícil uma pessoa conseguir cobrar dela mesma. O principal conselheiro deve ser o maestro da orquestra, não tocar um instrumento.” A preocupação é que, ao manter um parente próximo na linha de comando executiva, o controlador possa manter uma influência excessiva e prejudicar o interesse dos acionistas minoritários. Abrir mão de um dos cargos em favor de um familiar não é irregular, segundo as regras da BM&FBovespa, mas pode ser uma maneira de manter ao mesmo tempo as mãos nas rédeas do conselho e das operações. 

 

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“Sabemos que em algumas empresas a separação de cargos é para inglês ver”, diz Viegas. “Mas, em alguns casos, a sucessão dentro da família é feita de maneira primorosa, para herdeiros que são bem preparados por muitos anos.” Foi assim na Arezzo. Alexandre Birman, filho de Anderson Birman, assumiu a presidência em março de 2013, após o pai ter ocupado o posto por quatro décadas. Nos últimos anos, as decisões já eram tomadas em conjunto entre os dois. “Nossas ideias e ações são complementares”, disse Alexandre à DINHEIRO, em 2012. Foi o herdeiro, aliás, o criador da grife de luxo Alexandre Birman, em 2009, uma das bandeiras de maior sucesso do grupo e que tem os seus produtos em lojas de Londres a Hong Kong.

 

Uma preparação similar aconteceu na paulista Helbor, em que Henry Borenstein já conduzia uma parte importante dos negócios antes de alcançar o topo da organização. Após 18 anos atuando na companhia da família, oito deles como vice-presidente-executivo, ele foi oficializado como presidente em maio do ano passado, para que o seu pai, Henrique Borenstein, pudesse se manter no comando do conselho. Nos últimos anos, a Helbor foi uma das empresas do setor de construção com melhor resultado na bolsa de valores. Assim como a Eztec, que utiliza a curiosa estrutura em que dois filhos do presidente do conselho de administração, Ernesto Zarzur, se revezam a cada ano no cargo de presidente. 

 

Com esses exemplos, o setor imobiliário passou um período em que as empresas familiares se mostraram mais bem administradas, enquanto as companhias mais profissionalizadas, como a PDG Realty, sofriam reveses com o atraso de obras e aumento de custos operacionais. Mesmo com os bons resultados de Arezzo e Helbor, outras empresas decidiram seguir o caminho mais recomendado pelos especialistas em governança corporativa. À frente da Marfrig, o empresário Marcos Molina nomeou Sérgio Rial, recrutado na Cargill, como CEO da divisão de alimentos processados Seara Foods ? que depois acabou vendida à JBS. 

 

Foi uma forma de testá-lo para que pudesse assumir, em janeiro deste ano, o cargo de presidente do grupo. Já a fabricante de calçados gaúcha Grendene preferiu apostar na promoção interna. Os gêmeos Alexandre e Pedro Grendene acumulavam as posições de presidente e vice-presidente no conselho e no time executivo. Em abril do ano passado, alçaram Rudimar Dall?Onder, que estava havia 30 anos na empresa, de diretor operacional a CEO. No entanto, não existe uma fórmula no caminho da profissionalização. Um executivo conhecido por gostar da gestão do dia a dia, Laércio Cosentino, da Totvs, preferiu manter o cargo de CEO e abriu mão, em fevereiro deste ano, de sua posição de liderança no conselho. 

 

A aposta para a sua substituição foi na experiência: o conselheiro independente Pedro Passos, sócio da Natura e presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Mas o título de decisão mais curiosa ficou com a Qualicorp. A gestora de planos de saúde fundada por José Seripieri Filho nem deveria se preocupar com as mudanças das regras da Bovespa, depois de ter o seu controle vendido em 2010 para o fundo americano de investimentos Carlyle. O fundo escolheu o executivo Heráclito Gomes como CEO, posto em que permaneceu por dois anos. Com a saída de Gomes, o fundador precisou voltar a acumular os dois cargos. A solução que deveria ser temporária acabou se estendendo. 

 

Depois de o fundo brasileiro 3G, de Jorge Paulo Lemann, substituir o Carlyle como sócio de Seripieri, a saída foi efetivá-lo como CEO. Para o conselho, foi escolhido, em abril de 2013, Alberto Bulus, que havia sido presidente da operadora de planos de saúde Golden Cross nos anos 1990. Optando pelo caminho familiar ou por um executivo sem laços sanguíneos, o mais importante para as empresas que ainda precisam, até maio, se adequar às novas regras da Bovespa é deixar claro que a decisão não será puramente uma forma de evitar largar o osso. “O mercado precifica os abusos”, diz Viegas, do IBGC. “O poder dos investidores está nos pés. Eles podem abandonar a empresa a qualquer momento.”

 

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Errata

Na versão impressa, esta reportagem traz uma foto erroneamente identificada como sendo de Raphael Horn, filho de Elie Horn e apontado no texto como sucessor da presidência da Cyrela.

 

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