08/02/2022 - 10:48
Quando Zakaria desapareceu no ano passado, sua família pensou que ele havia fugido da pobreza no Líbano para tentar a sorte na Europa. Nem imaginaram que ele tinha ido morrer no Iraque nas fileiras do grupo Estado Islâmico (EI).
Natural da cidade de Trípoli (norte), o jovem de 22 anos é um dos pelo menos oito libaneses que morreram no Iraque desde dezembro.
“Nós não sabíamos que ele estava no Iraque, até o momento em que fomos informados de sua morte”, disse à AFP sua mãe Ghoufrane, em meio às lágrimas, em seu modesto apartamento de um quarto no bairro de Bab al-Tabbaneh.
Embora a organização terrorista nunca tenha controlado território no Líbano, vários cidadãos deste país lutaram em suas fileiras antes da queda do autoproclamado califado no Iraque (2017) e depois na Síria (2019).
A ONU estimou em 2021 que o EI ainda tinha 10.000 militantes ativos nesses dois países.
Mesmo antes da crise econômica sem precedentes do Líbano, os bairros miseráveis de Trípoli eram um berçário de extremistas sunitas, responsáveis por ataques contra o exército e envolvidos em atividades jihadistas.
Assim como Zakaria, dezenas de outros jovens desses bairros foram incentivados a ingressar no EI por “razões financeiras”, segundo uma fonte de segurança.
Segundo esta fonte, o EI prometia até “5.000 dólares por mês” quando o salário mínimo mensal no Líbano mal ultrapassa os 30 dólares.
– “Pobreza” –
O conselheiro de segurança nacional do Iraque, Qasim al-Araji, indicou que as autoridades libanesas o contactou sobre este assunto e que uma visita do ministro do Interior libanês está prevista para breve em Bagdá.
Desde agosto, “cerca de 48” libaneses se juntaram ao EI, o último em 18 de janeiro. A maioria foi recrutada por um tripolitano afiliado ao grupo e residente fora do Líbano, segundo a fonte de segurança.
Cinco famílias ainda não sabem o destino de seus parentes desaparecidos. As outras “receberam ligações de seus filhos do Iraque e informaram imediatamente as autoridades”, insistiu esta fonte.
Zakaria desapareceu durante o verão boreal (inverno no Brasil), mas sua família não soube de sua morte até dezembro, quando o exército iraquiano informou a morte de 10 jihadistas e mostrou imagens dos combatentes caídos no deserto de Al-Anbar, no oeste do Iraque.
Com o celular na mão, seu irmão Ali mostra um vídeo onde o corpo sem vida de Zakaria aparece ao lado de outro cadáver no capô de um veículo militar.
“Quando ele desapareceu, pensamos que tinha ido para a Suécia clandestinamente”, explica Ali, evocando uma tentativa recente feita por centenas de libaneses através de uma perigosa travessia marítima do Mediterrâneo.
Segundo sua família, foi a “pobreza” e não uma motivação ideológica que levou Zakaria, ex-vendedor ambulante, a deixar o Líbano.
– “Seu querido está morto” –
No final de janeiro, cinco moradores de Wadi al-Nahleh, nos arredores de Trípoli, foram mortos no Iraque, os últimos libaneses mortos até hoje.
Entre eles estava Omar Seif, cuja mãe soube da tragédia por WhatsApp. O jovem desapareceu em 30 de dezembro, disse um amigo próximo à AFP sob condição de anonimato.
“Como vai, querido?”, escreveu a mãe a Omar. “Seu querido está morto” foi a resposta que recebeu.
Em um comunicado publicado em 29 de janeiro, o exército iraquiano disse ter matado vários membros do EI na província de Diyala, no leste do Iraque, incluindo Omar e dois de seus primos.
A AFP havia se encontrado com a mãe de Omar duas semanas antes de sua morte. Segundo ela, a total ausência de perspectivas levou o jovem a fugir.
Ex-prisioneiro, ele era suspeito de ter participado de ataques contra o exército e foi privado de seus direitos cívicos ao sair da prisão.
Milhares de tripolitanos suspeitos de estarem envolvidos em atividades “terroristas” em Trípoli ou em outros lugares ou de atacar o exército foram presos, em muitos casos sem julgamento.
“Ele estava desesperado. Ninguém aceitava contratá-lo”, explicou sua mãe.
Omar queria se casar com a noiva. Isso fez com que ele se tornasse obcecado, segundo sua mãe, que acusa o Estado libanês de ser o responsável pelo destino de seu filho.
“Temo que ele tenha se juntado” ao EI, confidenciou durante a entrevista. “Mas é melhor morrer lá do que voltar para o Líbano, mesmo que isso signifique que não o verei novamente.”
