A Câmara deu nova vitória ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao aprovar de forma simbólica nesta sexta-feira, 7, o projeto de lei que retoma o chamado voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Os deputados ainda vão analisar destaques (tentativas de mudanças no texto-base) antes de a proposta ser enviada ao Senado. A matéria, que é um dos trunfos da equipe econômica para aumentar a arrecadação e cumprir as metas de resultado primário do arcabouço fiscal, virou objeto de barganha política nos últimos dias.

Deputados queriam um aceno concreto do Palácio do Planalto com a entrega de ministérios ao Centrão, depois da aprovação da reforma tributária. Mais cedo, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que o governo está aberto a discutir a entrada de outras forças políticas na Esplanada. Ele foi à Câmara negociar o Carf com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e líderes partidários. Padilha confirmou que houve uma conversa por telefone hoje entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Lira.

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Haddad também se reuniu hoje com Lira e lideranças da Casa. Ontem, o ministro da Fazenda foi à residência oficial da Câmara para negociar o texto. Durante o fim de semana, o chefe da equipe econômica já havia entrado em campo, com ligações aos deputados para convencê-los a aprovar o projeto.

O Carf é o tribunal que julga conflitos tributários entre a Receita Federal e os contribuintes. Até 2020, existia o chamado voto de qualidade, um desempate a favor do Fisco nos julgamentos. Naquele ano, o Congresso derrubou o dispositivo, que foi retomado em janeiro pelo governo Lula, por meio de uma Medida Provisória. A MP venceu sem ser votada pelos deputados, mas Haddad elaborou um projeto de lei com urgência constitucional com o mesmo conteúdo.

O relator da proposta, Beto Pereira (PSDB-MS), retomou o voto de qualidade, mas excluiu as multas cobradas aos contribuintes em caso de derrota, como estabelecido por acordo firmado entre o governo e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

O deputado, contudo, manteve a regra atual sobre o chamado “limite mínimo de alçada” para acesso ao Carf. Hoje, podem recorrer ao tribunal contribuintes cujo valor da ação em disputa seja a partir de 60 salários mínimos. O governo tentou alterar esse piso para mil salários mínimos na MP, com objetivo de reduzir o número de casos julgados pelo tribunal, mas o relator discordou da alteração.

Pereira reconheceu que a elevação do limite de alçada reduziria o tempo de tramitação dos processos administrativos, mas reforçou que é necessário garantir o princípio do contraditório e da ampla defesa previsto na Constituição. Como compensação, o deputado incluiu no relatório uma instância inferior de julgamento na Receita Federal nas Delegacias de Julgamento (DRJs), com a possibilidade de sustentação oral do contribuinte.

Disputa Receita x PGFN

No parecer apresentado hoje, o relator retirou a possibilidade de a Receita Federal firmar transações com os contribuintes na cobrança de créditos tributários não inscritos em dívida ativa da União. A inclusão dessa medida na versão anterior do relatório havia gerado uma insatisfação por parte da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), única autorizada hoje a realizar esse tipo de procedimento. De acordo com Pereira, ficou decidido que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviará posteriormente um projeto de lei à Câmara para regulamentar essas transações tributárias.

Dispensa de garantia

Atualmente, ao terminar o processo administrativo no Carf com decisão favorável à União, as empresas podem recorrer da decisão no Judiciário, mas devem apresentar garantia de execução fiscal, com valor não apenas da dívida principal, mas também de multas, juros sobre multas e dívida e encargos legais. O valor da obrigação tributária, de acordo com especialistas, praticamente triplica ao chegar no Judiciário.

Por isso, o relator determinou que contribuintes com capacidade de pagamento estão dispensados a apresentar valores como garantia ao ingressarem com processos judiciais. Segundo o texto, a capacidade de pagamento será medida considerando-se o patrimônio líquido realizável da empresa, desde que o contribuinte apresente relatório de auditoria independente sobre as demonstrações financeiras e relação de bens livres e desimpedidos para futura garantia do crédito tributário, em caso de decisão desfavorável em primeira instância.

Acordo com bancada ruralista

O relator também acatou em seu parecer uma proposta defendida pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) que veda a antecipação de garantia, ou seja, antes do trânsito em julgado da medida judicial, em qualquer situação. O texto diz que as garantias “somente serão liquidadas, no todo ou parcialmente, após o trânsito em julgado de decisão de mérito em desfavor do contribuinte, ficando vedada a sua liquidação antecipada.”

Hoje, de acordo com tributaristas, em muitos casos em que há sentença de primeira instância desfavorável à empresa, a PGFN já tenta executar a garantia antes do trânsito em julgado.

Refis

O relatório também estabelece que contribuintes que confessarem de forma espontânea que têm débitos tributários terão condições de parcelamento da dívida. É uma espécie de “autorregularização tributária”, proposta em emenda apresentada também pelo deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP). Essa medida foi entendida como um tipo de “Refis”, embora essa caracterização seja rechaçada por Pereira.

Pelo texto, o programa de autorregularização tributária será aplicado aos créditos tributários que ainda não tenham sido constituídos até a data da publicação da lei, inclusive aqueles objeto de procedimento fiscal já iniciado. Os débitos devidos pelas empresas do Simples Nacional não poderão ser objeto do programa.

Segundo o relatório, o pagamento dos contribuintes que aderirem ao programa poderá ser realizado à vista ou em até 60 parcelas, mensais e sucessivas. Os juros incidentes serão reduzidos em 100% no caso de pagamento à vista; em 75% no caso de pagamento em até 12 parcelas; em 50% no caso de pagamento em até 30 parcelas; em 25% no caso de pagamento em até 48 parcelas; e não serão reduzidos caso o sujeito passivo opte pelo pagamento em 49 ou mais parcelas.