30/01/2021 - 8:47
A imagem se tornou o símbolo do caos que reinava em Wuhan no início da pandemia de coronavírus: o corpo de um homem deitado por várias horas em uma calçada antes de ser carregado por equipes de resgate nervosas e sobrecarregadas.
A cena, capturada há exatamente um ano pela AFP, ocorreu perto de um hospital da metrópole chinesa, epicentro da pandemia.
E se a causa da morte nunca foi estabelecida, este estranho deitado de costas tornou-se no exterior o símbolo de uma cidade submersa por um misterioso vírus assassino.
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Em Wuhan, esta morte, entre milhares de outras, permanece, pelo contrário, totalmente desconhecida. Inclusive na rua onde o homem de cabelos grisalhos, que usava máscara, deu seu último suspiro.
É “com certeza um boato ou uma mentira da mídia estrangeira”, assegura Yuan Shaohua, cuja frutaria, localizada a poucas dezenas de metros do local do falecimento, era um dos raros estabelecimentos do bairro abertos naquele dia.
Yuan diz “não estar ciente” do fato que ocorreu em frente a um edifício típico da década de 1990, cujo andar térreo é ocupado por comércios.
Em uma cidade fantasma em quarentena, “as pessoas não ousavam sair” de suas casas, lembra o homem de 46 anos de boné branco na cabeça.
Na época, os poucos transeuntes preferiram ignorar o cadáver, evitando se aproximar por medo do vírus.
– ‘Respeito à intimidade’ –
Na China, a foto do “falecido de Wuhan” circulou nas redes sociais, mas a grande maioria da mídia ignorou o assunto.
Poucos dias depois, raros artigos – sem a foto – da imprensa oficial cobriram o incidente dando a palavra à família do falecido, um certo “Sr. Xie”.
A família citada garantiu que ele não tinha covid e pediu “respeito à privacidade”. A idade da vítima não foi informada.
Sua morte ocorreu a algumas dezenas de metros do Hospital Número 6 de Wuhan, um estabelecimento que na época atendia pacientes com coronavírus.
E no contexto da epidemia, os serviços de emergência e a polícia tomaram cuidados extremos com o corpo: o falecido permaneceu na calçada por mais de duas horas, antes de ser carregado por funcionários em combinações de proteção completas.
Naquele dia, pelo menos 15 ambulâncias, atendendo a outras ligações, passaram perto sem parar.
Na ocasião, como um ano depois, nem o hospital nem as autoridades locais responderam a um pedido de informações sobre a identidade da vítima e as causas de sua morte. E os doze comerciantes e moradores do bairro entrevistados pela AFP expressam sua descrença.
“Nunca tinha ouvido falar disso”, lançou Huang Shunxing, ao ver a foto em questão, tirada praticamente à porta deste lojista.
O estranho morreu em frente a uma loja de móveis agora substituída por um supermercado e uma modesta loteria aberta no verão passado por Huang, impassível apesar da notícia.
Essa lembrança do drama de um ano atrás se encaixa mal na narrativa imposta pelo regime comunista, que tenta fazer as pessoas esquecerem o caos das primeiras semanas da epidemia.
Pequim agora insiste na erradicação do vírus em solo nacional, em contraste com a situação no resto do mundo.
Em Wuhan, agora, “os negócios vão bem!”, sorri a gerente, que estava desempregada há um ano.
Vestida com um casaco preto e atrás de uma exibição de raspadinhas, ela se diz “encantada” por ter se mudado para uma cidade que agora é “segura” em termos de saúde.
A mesma perplexidade de um de seus clientes, o senhor Wang, 58 anos, muito atento às notícias do bairro.
Ele afirma que soube “muito cedo”, em dezembro de 2019, a existência de uma doença misteriosa graças a mensagens que circulavam nas redes sociais. Mas a poucos metros de distância, “o morto Wuhan” não deixou nenhuma lembrança.